Jornal Estado de Minas

Mesmo com câmeras, vigilantes e cercas elétricas, insegurança espalha medo em BH

Moradores de bairros como Santa Lúcia e Belvedere temem assaltos, cada vez mais frequentes

Depois de quatro assaltos, uma decisão: mudar de endereço

No ano passado, o Estado de Minas acompanhou o drama da família da advogada Iara Cristina Marks, de 45 anos, que para se proteger dos ladrões se mudou para o 23º andar de um prédioO medo da violência é justificado pelas consecutivas vezes que a residência onde morava, na Rua Agena, Bairro Alto Santa Lúcia, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, foi invadida por bandidosOs vizinhos da família também tinham sido vítimas, mesmo pagando por segurança privadaNo último réveillon antes de se mudar, Iara, o marido e os três filhos não viajaram para proteger a moradia.

Nessa quinta-feira, a sensação de insegurança na rua era a mesmaOs moradores instalaram uma guarita no início da via, com vigilância também feita por motociclista“Somos três trabalhando dia e noiteOs moradores arrecadam dinheiro e pagam o nosso patrão”, disse o vigilante Reiner de Souza, de 30Na rua, todas as casas têm cercas elétricas e alarmes e, mesmo assim, ninguém se sente seguro“Temos alarmes, cercas e cães de guardaQuando viajamos, deixamos alguém tomando conta da casa”, afirmou uma mulher que não quis se identificar
Três imóveis estão à venda e o motivo, segundo vizinhos, é a falta de segurança.

Vigilância

"Temos segurança particular há 15 anos. Só assim me sinto mais segura em minha casa. Toda vez que alguém sai ou chega, os vigias se aproximam para ver se está tudo bem" - Lourdes Duarte, de 75 anos, professora e moradora do Belvedere - Foto: Cristina Horta/EM/D.A Press No Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul, várias ruas têm guaritaUma delas, de madeira e fixada no meio do passeio, fica na Rua Engenheiro Emílio de MoraisNa Rua Adolfo Rádice, no Mangabeiras, a professora Lourdes Duarte Wenberg, de 75, também paga para ter segurança“São dois funcionários de uma empresa de segurança que tomam conta da rua à noiteTemos segurança particular há 15 anos”, disse a professoraUma base de observação foi montada em frente ao número 162 para ampliar a visão do vigilante“Só assim me sinto mais segura em minha casaToda vez que alguém sai ou chega os vigias se aproximam para ver se está tudo bem”, contou.

Moradores da Rua João Camilo de Oliveira Torres, também no Mangabeiras, pagam pela vigilância particular há 20 anosEles mandaram, inclusive, construir uma guarita na Praça Angelino Bruschi, que dá acesso à ruaUm morador que não quis se identificar conta que os vizinhos ainda não foram procurados pela PM, mas que a prefeitura tem mandado recolher os cones colocados no meio da rua
“A PM nem passa por aquiQuando você reclama, eles aparecem uma vez e ficam um mês sem aparecerMesmo com a vigilância privada, quatro homens tentaram arrombar uma casa no mês passado, mas o alarme disparou e eles fugiram Eles inventam desculpa para entrar na ruaO nosso segurança não tem o poder de impedir ninguém de passar”, disse o morador.


Moradores fazem coro contra ação

Se a ação da Polícia Militar ao coibir a segurança privada divide opiniões entre representantes de associações comunitárias no Bairro Mangabeiras, na Rua Comendador Viana, onde ocorreu a fiscalização, a reclamação parece ser a tônica entre moradores“É um absurdoA PM acaba com a nossa segurança e ela mesma não aparece por aquiEstamos sem ninguém, entregues à nossa própria sorte”, reclama a advogada Patrícia Biagione, de 68 anos

O engenheiro químico Marcos Golgher, de 70, faz parte da diretoria da associação dos moradores da Comendador Viana e ontem foi à 127ª Companhia pedir reforço no policiamento“A situação está complicadaVocê não tem segurança e a PM não tem condições de dar proteção”, reclamouOs moradores vão se reunir no próximo dia 2, na Igreja São João Evangelista, para discutir o problema“Procuramos saber da PM se os dois vigilantes que trabalham para nós tinham ficha criminal, mas eles não têmE eles nem trabalham armados”, disse o engenheiro, afirmando que a Polícia Militar participou da reunião quando a comunidade decidiu contratar segurança privada, há três anos.

Outro engenheiro de 52 anos, que pede anonimato, conta que a associação de moradores da rua foi criada quando começaram os assaltos e furtos “Tomamos medidas defensivas de vigilânciaAtualmente, tínhamos ronda de duas pessoas em motocicletas numa extensão de 750 metros, o dia inteiro, indo e voltandoVocê chegava à noite, telefonava e eles davam apoio na hora de abrir a garagemOs seguranças não resolveram totalmente a questão, mas houve redução dos crimes, mesmo havendo um problema dessa natureza na semana passada”, conta o engenheiro, referindo-se ao assalto na casa do vizinho.

O morador reconhece que a atividade dos vigilantes da rua era clandestina, mas argumenta: “Entendo que, se o poder público não oferece segurança de que você necessita, você tem que ter os meios para deter a violênciaMas a ação nos privou da proteção privada que tínhamosÉ importante dizer que não era segurança armada, que deveria realmente ter autorização da Polícia FederalEra apenas uma escolta para acompanhar os carros e acho que o ladrão pensa duas vezes antes de enfrentar mais de uma pessoa”, acrescentouSegundo ele, cada morador contribuía com R$ 200 mensais para pagamento da vigilância“Todo mundo agora está com medoEstou indo viajar preocupado em deixar minha mãe idosa sozinhaMinha casa tem câmeras de vigilância, alarmes, uma série de equipamentos, mas não temos mais o apoio que tínhamos dia e noite com a motocicleta passando na rua”, disse.

Além da PM, a prefeitura também tem marcado presença na Rua Comendador Viana“Fomos procurados por fiscais e a ordem é para retirar da calçada a guarita que instalamos há 20 anosEla servia de apoio para os vigilantes”, disse o engenheiro Marcos Golgher “Como sou da diretoria da associação, conseguimos protelar a retirada da guarita por 180 dias”, disse o engenheiro“Evito sair à noite Agora, até durante o dia tenho medoO assalto da semana passada foi às 7h30 da manhãA vítima quer vender a casa e sumir daqui”, disse

A advogada Patrícia Coutinho, de 34, ficou surpresa com a proibição da PM“Não consigo acreditarSe mesmo pagando segurança particular a gente teve assalto, sem os seguranças e a presença da PM, a situação só pode piorar”, criticou.


PONTO CRÍTICO: segurança privada é a solução para se proteger?

NÃO: “Segurança privada somente funciona bem quando há a segurança pública bem estruturadaÉ uma atividade suplementarTodas as pesquisas e estudos sobre segurança particular têm demonstrado que a sua eficiência está relacionada a ações integradas com a polícia, a qualificação dos agentes privados e mecanismos de controle, para que possam agir dentro da leiCaso contrário, estaremos criando um exército particular, o que não é permitido numa sociedade democráticaÉ função dos agentes da segurança pública cuidar dos interesses coletivosO serviço contratado deve ficar restrito à proteção do patrimônio privadoMuitas vezes, os agentes da segurança pública devem intervir, porque empresas não estão devidamente registradas, legalizadas, e não têm pessoal treinado e equipamento para atuar na segurança do espaço públicoMuitas vezes, impedem a livre circulação nas ruas e constrangem pessoas que usam esses espaços, o que é ilegal.”
Robson Sávio Reis Souza, Professor da PUC Minas e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

SIM: “Estamos agora sem a vigilânciaA PM, em vez de correr atrás de bandidos, está prendendo os motoqueiros que fazem a nossa segurança, solicitando a remoção das guaritas e falando que estamos usurpando a autoridade públicaNossa sugestão é que a prefeitura cadastre essa vigilância não armada, assim como fez com os tomadores de conta de veículos, para levantar a ficha criminal dessas pessoasSabemos que nem todo mundo é do bem, existe todo o tipo de profissional em todas as áreas, mas o problema é que se generalizou tanto em relação aos vigilantes particulares que está havendo uma caça às bruxasO dono da empresa que contratamos tem mais de 500 profissionais fazendo esse tipo de trabalho em Belo HorizonteA PM fala que é o vigilante que precisa ser cadastrado na Polícia Federal, mas no nosso caso não se trata de segurança armadaEles estão lá apenas para coibir a presença de estranhos.”
José Alfredo Mendonça, Presidente da Associação dos Moradores da Rua Comendador Viana (Amcon)