Jornal Estado de Minas

Conheça o mago que salva brinquedos há décadas em Minas

Edu Lopes dispensa a quase inevitável comparação com Gepeto, o "pai" do boneco Pinóquio, mas há 40 anos ele se dedica a recuperar bonecas, carrinhos e tudo o mais que diverte as crianças

Thaís Pacheco
Valor sentimental e economia são os fatores que, segundo Edu Lopes, mais colaboram para que as pessoas queiram que seus brinquedos sejam consertados em vez de descartados - Foto: Euler Júnior/EM/D.A Press


Imagine você ser criança e seu pai ser dono de uma oficina de conserto de brinquedosAssim foi a infância de Bruna e Felipe, hoje com 17 e 21 anos, filhos de Edu LopesPara a criança, é quase o paraíso Para o pai, depois de um tempo, pode até gerar uma dose de saudosismo, mas dos bons, daqueles de quem tem as melhores lembranças e muitas histórias para contar.

“A gente envelhece e vai ficando mais emotivoMe lembro quando Bruna tinha 12 anos, entrou na minha loja e pediu para brincar com umas Barbies que estavam em um cantoDeixei, ela ficou algumas horas e foi a última vez em que brincouDois dia depois, virou mocinha e esqueceu as bonecas”, recorda Edu.

A infância dos filhos, cercada de brinquedos, foi diferente da do paiNascido em Belo Horizonte, se mudou para Montes Claros ainda pequeno, quando o pai resolveu voltar para a terra e ficar perto da famíliaPor lá não havia brinquedos“O que tinha muito era fome”, conta ele, sem rodeios, lembrando que a experiência de passar fome é “horrível”

Quando Edu tinha 10 anos, sua família decidiu voltar para a capital
Dali para a frente, tudo se ajeitariaAs duas irmãs se mudaram para GoiâniaUma virou esteticista e a outra, empresáriaJá o irmão gêmeo  tornou-se engenheiro civil“Ele é mais velho que eu 15 minutosTanto que ficou mais alto e mais forte”, brinca o mais novoÉ assim que Edu se mostra Um sujeito sério, que custa a dar um sorriso, mas dono de um humor discreto e de alto nível.

Talvez seja seu lado criança falando mais altoPrestes a completar 40 anos na mesma profissão, afirma sem pestanejar: adulto que encosta em brinquedo vira criançaE é isso que o move
Questionado sobre o que o faz levantar todos os dias para consertar brinquedos, ele nem precisa pensar muito“Ver uma criança sorrirÉ legal, gratificanteE ver o freguês feliz tambémHá muitos pais que trazem o brinquedo do filho para consertar porque gostam dele mais que o próprio menino que ganhou”, relata.

Apesar de toda a magia, essa visão de empresário também é clara numa conversa com Edu Seu primeiro emprego foi como vendedor de colchas, depois, trabalhou na Prefeitura de Belo Horizonte, em serviços geraisUm dia, o irmão gêmeo, que era funcionário do escritório da Estrela, fabricante de brinquedos, em Minas Gerais, convocou o mais novo

Era começo da década de 1970 e Edu garante ter levado 15 dias para aprender o ofício de consertar brinquedosDepois de três anos na empresa, passou a comandar a equipe que prestava assistência técnica e garantia na Estrela para todo o estado e trabalhar ao lado de promotores no escritório em BHEdu acredita que por volta de 1987, as coisas mudaram na empresaA Estrela fechou o escritório em BH e fez a ofertaEle ficaria com a infraestrutura para realizar os consertos e prestar assistência e garantia e poderia receber produtos das concorrentes

CHINESES Desde então, a Oficina dos Brinquedos atende em BH a crianças e adultos que nutrem por seus brinquedos verdadeiro valor sentimentalAlguns sim, prezam pela economia de consertar em vez de comprar um novoMas a maioria dos clientes, os 40 anos de Edu no ramo garantem, aparecem por razões sentimentaisEspecialmente após a chegada da China a esse mercado“Desde que a Estrela foi embora, houve uma queda bem grande e os brinquedos já não são tão bonsNinguém mais faz brinquedo, só importa da ChinaPerdeu a magiaUma boneca como a Bate Palminha, você desmonta e vê que é artesanal, hoje, coloca-se um chip e uma memória e a boneca faz tudoPerdeu o encanto”, lamenta.

Ele lembra que uma fabricante, a Bandeirante, ainda é quase toda nacional, embora tenha componentes chineses, mas é uma das marcas que mais chegam às suas mãos Edu presta assistência técnica autorizada e garantia a diversas marcas Além da Bandeirante: Estrela, Mattel, Magic Toys, Power Wheels, Biemme e Home Play

Estoque e coleção

Edu Lopes não coleciona brinquedos e garante não se apegar a elesSe tiver objeto de colecionador e alguém desejar comprar, vende“Esse é meu negócio”, explicaBrinquedos esquecidos pelos donos esperam até um ano na oficinaSe o proprietário não aparecer, podem ter três fins: desmonte para uso de peças, venda ou doação para uma crecheAliás, as creches são boas parceirasLevam para Edu brinquedos fora de uso cujo único e último fim é o desmancheAntigos clientes também doamHoje, na oficina, há duas bonecas Bate PalminhaA última vez em que Edu as viu foi há cinco anos, quando as consertouO dono não as quer mais e as vendeu para que sejam revendidasA Oficina dos Brinquedos tem mais dois funcionários, um para recepção e logística e outro técnico que, ao lado de Edu, conserta os brinquedos.

Clientela é amiga e fiel

Entre os clientes do especialista em consertar brinquedos Edu Lopes há pais, mães, tios, avós e adultos sozinhos, os colecionadores, que costumam contar boas histórias a eleCerta vez, uma mulher chegou à porta de sua loja num carro importado com motoristaDesceu, entregou uma boneca e avisou que ela ia fazer aniversário e precisava ser consertada para a festa“Era uma senhora muito bacana e educadaDisse que a boneca tinha mais de 40 anos e ganharia uma festa, inclusive com as amigas que também brincaram com elaEu recebi o convite, mas infelizmente não pude ir, porque tinha outro compromisso”, diz um orgulhoso Edu, que dedica a vida a resgatar memórias e bens preciosos

Os clientes são fieisA Oficina dos Brinquedos já teve quatro endereços e, cada vez que se muda, leva os antigos e atrai novos clientes“O pessoal fala que não faço propaganda, mas não precisoOs lojistas fazem por mimAlém dos clientes que sempre vêm, o pessoal das lojas sempre me indica e dá meu cartão, até porque, quando eles precisam de um favor, eu faço de graça”, explica EduCortesia para cativar freguês é o forte dele“Tem gente que chega com brinquedo de R$ 1,99 para consertarA gente dá um jeitinho e não cobra nada”, conta, sem nenhum requinte de ganância.

Só o que ele não conserta são helicópteros e vídeogames, o resto, pode trazerSe não tiver as peças necessárias em estoque, manda buscar na fábrica ou garimpa no site Mercado LivreEm uma hora na oficina, foi possível ver quatro clientes entraremUm, em busca de bateria para um carrinho elétrico, dois por um carrinho de controle remoto e uma quarta cliente, atrás de parabrisa para o carrinho do filhoE ela já saiu encomendando a lanterna do veículo, que o menino quebrou.

Sem segredo

Um brinquedo pode ser consertado em 15 minutos ou mais de 24 horas“Às vezes, você trabalha o dia inteiro nele e não consegue resolverNo dia seguinte, mexe 10 minutos e está pronto”, relata Edu, que já perdeu as contas de quantos brinquedos consertou e não consegue eleger um mais difícilAtualmente, recebe, no mínimo, 30 brinquedos por mês para socorrer.

A comparação com Gepeto, o “pai” do boneco Pinóquio na história da Disney, ele dispensa“Acredita que pouca gente fala isso para mim? Mas ele não tem nada a ver comigoAli, o que vale é só a magia do desenho.”

E assim segue a vida de Edu Lopes, trabalhando de segunda a sexta-feira, geralmente das 8h às 21h, e aos sábados, das 9h às 16h, antes e depois de abrir a oficinaE sabe-se lá até quando “Não sei o dia de amanhã, mas não tenho planos de parar”, avisaOs brinquedos agradecem(TP)