A demora para registrar ocorrências em Belo Horizonte e a descrença da população nas autoridades de segurança pública geram um problema considerado grave na avaliação de especialistas: a subnotificação do número de crimes
"Fatores como morosidade no atendimento e constrangimento nas delegacias fazem com que as pessoas desistam de prestar queixaTambém deixam de ir pela falta de transparência na investigação e de resultados para os casos levados pela população à polícia”, dizCom isso, afirma o professor, crimes como violência doméstica, pequenos furtos ou extravios de documentos deixam de ser notificados“Apesar de terem menor potencial ofensivo do que os homicídios e outros crimes violentos, também são casos de extrema importância para o mapeamento da criminalidade, mas ficam fora na elaboração de planos estratégicos”, afirma.
Outro fato que, segundo Sávio, colabora para que as pessoas desistam de reportar as ocorrências é a morosidade processual“Os processos ficam anos em tramitação, porque, além da demora do Judiciário, o trabalho de investigação que subsidia a tramitação processual é muito ruimFaltam provas, falta pessoal para registrar a ocorrência, para investigar, faltam delegacias”, dizConforme o especialista, a situação é mais precária na Polícia Civil, que precisa ter o efetivo pelo menos dobrado Quando precisou do serviço, em março, para registrar um furto de veículo, o especialista afirma que percebeu de forma clara a desintegração e a rivalidade entre as corporações policiais“Uma ficava jogando o serviço para a outra
Problemas de infraestrutura e de efetivo são levados em consideração pela Polícia Civil como entraves para o registro das ocorrências em Belo Horizonte, conforme explica o delegado da Assessoria de Comunicação e Planejamento da Polícia Civil, Daniel Barcelos“Existem, sim, gargalos nas situações em que há uma demanda maior nas delegaciasÉ possível, sim, que haja demora e não há o que fazer, porque a estrutura da Polícia Civil tem limitaçõesO que não pode ocorrer, no entanto, é a recusa em receber a queixa, porque aí fica configurado desvio de conduta do funcionário público”, afirma o delegadoSegundo ele, casos dessa natureza ou tempos excessivamente longos de espera devem ser denunciados à Corregedoria.
DESENCONTRO No entanto, o delegado discorda da afirmação do especialista de que haja 95% de subnotificação na criminalidade“Esse percentual pode se alternar bastante, de acordo com a natureza da ação penalQuero crer que em casos de homicídio, por exemplo, todos sejam notificados em Minas.” Conforme o policial, o estado está à frente de outros, por ter o sistema integrado para o Registro de Eventos de Defesa Social (Reds) entre as polícias Civil, Militar e o Corpo de BombeirosEm Belo Horizonte, 74 unidades da Polícia Civil, entre delegacias regionais e especializadas, recebem as queixas policias, enquanto 24 companhias da Polícia Militar que funcionam 24 horas e nove batalhões da PM com funcionamento entre as 8h e as 18h podem oferecer o serviço.
Para o comandante interino de Policiamento da Capital, tenente-coronel Idzel Fagundes, problemas de demora podem eventualmente ocorrer nas unidades da PM, mas não são regra geral da corporaçãoEm situações normais, conforme o comandante, o tempo gasto para registrar uma ocorrência simples de perda de documentos é de 20 minutos“Casos mais detalhados, como roubos, exigem um tempo maior
Via-sacra entre a PM e a Civil
Enquanto medidas para melhorar o atendimento ao cidadão não surtem efeito, registrar ocorrências nas repartições policiais de BH continua sendo um teste de paciênciaFoi o que constatou o estudante de direito Daniel Rodrigues Costa, de 19 anosDepois de passar a madrugada numa boate da Zona Sul, o universitário percebeu que seu carro, um Punto, teve duas rodas e o estepe furtadosPara tentar recuperar o que foi levado, seu primeiro pensamento foi discar 190Depois de uma hora sem que ninguém aparecesse, desistiu e cancelou a chamadaConformou-se com a perda das peças do automóvel e acionou o seguro“Desisti, porque percebi que não ia adiantarA polícia não ia pegar nada mesmo”, disse.
Mal sabia ele que ainda não tinha se livrado da morosidade do atendimento policialQuando acionou a seguradora, foi orientado a registrar a ocorrência de furtoPara esse simples serviço, perdeu nada menos que uma hora e meia na delegacia da Rua Carangola, no Bairro Santo Antônio “Vim, primeiro, porque o seguro exigiuMas acho também importante que se registrem as ocorrências, senão a polícia não tem como saber onde e como agem os bandidos”, disse.
Mas o campeão de espera ontem foi o dono de um clube no Bairro Betânia, na Região Oeste de BHO cidadão, que pediu para não ser identificado, conta que o vizinho chamou a PM pelo 190, ao ver que seis jovens invadiram o estabelecimento“Ele me disse que esperou por três horasEnquanto isso, os invasores beberam 11 garrafas de cerveja, levaram componentes de informática e dinheiro.” O solicitante ligou novamente, e o atendente do serviço teria dado uma resposta que o deixou indignado“Disse que a PM não ia atender ao arrombamento se não tivesse ninguém lá para recebê-los”, lembraA espera para que a polícia registrasse o roubo prosseguiu ontem, na delegacia da Rua Carangola, onde o Registro de Evento de Defesa Social (Reds) levou mais duas horas e 10 minutos“É um absurdoEm vez de procurar os bandidos, a polícia perde tempo registrando outras coisasA gente se sente desestimuladoTempo é muito precioso”, disse.
Demora trava a cidadeUm motociclista morreu na manhã de ontem ao se envolver em acidente com um ônibus na BR-356, no Bairro Olhos d’Água, Região do BarreiroO acidente foi por volta das 8h, mas somente às 10h terminaram os trabalhos de perícia e o trânsito foi liberadoA demora causou um efeito-cascata no tráfegoNa Avenida Nossa Senhora do Carmo, o congestionamento se estendeu até a Curva do Ponteio, no Bairro Santa LúciaNo sentido inverso, o trânsito também ficou parado e houve retenção no Bairro Belvedere, na MG-030 e na Avenida Raja GabagliaDe acordo com informações da Polícia Militar Rodoviária, a vítima seguia no sentido Rio de Janeiro com sua moto quando o veículo que estava em sua frente parou bruscamenteO motociclista tentou desviar, mas perdeu o equilíbrio e, quando caiu no chão, foi atingido pelo ônibus