Jornal Estado de Minas

Sem sinal de recepção da TV aberta, moradores de Papagaios protestam

População se revolta com a falta de diálogo da Anatel, que lacrou transmissores e privou população do lazer

Arnaldo Viana

Na falta da TV aberta, famílias investem R$ 450 na compra de antena parabólica. Hoje são vendidos até 25 equipamentos por dia na cidade de 15 mil habitantes - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press



Papagaios – Interferir abruptamente nos costumes de um povo é tocar fundo no seu orgulhoOs europeus abusaram dessa invasão, por motivos econômicos e de expansão territorial, principalmente a partir do século 16, por meio de expedições marítimas, na África, América e OceaniaMais do que perder bens e territórios é sentir a alma feridaEssa recorrência histórica explica um pouco o sentimento dos moradores de Papagaios, Região Central de Minas, e de outros municípios que se viram, de repente, privados do sinal de recepção de TV aberta pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sob a alegação de que os equipamentos de transmissão são irregulares, ou seja, instalados sem autorização do Ministério das Comunicações.

Silenciosamente, ao contrário das ruidosas invasões europeias, a Anatel, subordinada ao ministério, subiu o morro no qual Papagaios instalou suas torres de recepção de sinais de TV aberta e desligou os aparelhosDeixou 15 mil cidadãos indignados com a indelicadeza e a interferência no seu hábito diário de acompanhar as notícias de Minas, notadamente do futebol, o romantismo e as tramas sequenciais das novelasE as crianças, em férias, sem os programas infantis e os desenhos animados.

O mesmo sentimento é compartilhado pelos 5,5 mil moradores de Maravilhas, os 6 mil de Jeceaba tantos outros mineiros, pois o representante da Anatel no estado, José Dias Neto, disse em reunião com os emissários das TVs que a ordem veio de Brasília: fiscalizar as torres de 440 municípios do estado e lacrar os sinais que considerar irregularesOs cidadãos não entram nessa questão legal, mas sim a forma truculenta como começou a ser feita, sem aviso às emissoras e às prefeituras, de forma ditatorial.

Como explicar ao pequeno Vítor, de 7 anos, quando, diante da casa do pai, Joadir Brito Lopes, de 42, em Papagaios: “Cadê o programa do Chaves? A TV sumiu de repente”O irmão, o cruzeirense Carlos Miguel, de 12, está há mais de uma semana sem ver o Alterosa no Ataque, porque é fã da apresentadora, a ex-ábritra de futebol Ana Paula OliveiraA mãe, Fabiana, está perdendo o desenrolar da novela Carrossel“No dia em que o Adriano (personagem da trama) estava tendo um pesadelo, o sinal da televisão sumiu.”

 

Sacrifício

Aparelho de TV que funcionava toda noite na praça perdeu a função de distrair as pessoas - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press Ela está até disposta a sacrificar parte do salário que ganha como doméstica em uma antena parabólica, que custa R$ 450 instalada, como faz a maioria dos moradores de Papagaios de melhor poder aquisitivo para receber a programação nacional das emissorasA abastada pequena parcela da população prefere assinar as TVs por satélite

Não há na cidade serviço de TV a caboE todos, sem exceção, estão indignados com a truculência da Anatel, que deixou sem lazer exatamente as camadas mais pobres da população.

“Só pode ser briga políticaEsse sinal estava aqui há mais de 20 anos, porque vieram desligá-lo agora, na época das eleições?”, pergunta Alex Sander, de 40, um dos empresários de Papagaios ligados à extração e ao comércio de ardósiaO mineral responde hoje por 60% da arrecadação do municípioSó depois de lacrar o equipamento a Anatel enviou laudo ao prefeito Mário Reis Filgueiras (PDSB) informando o motivoE ele propõe a união dos prefeitos e das emissoras em busca de uma saída: “Pode ser uma liminar com o objetivo de estabelecermos um prazo com Anatel para regularização do sinal”.

Barrados pela burocracia

Vanessa agora tem TV por parabólica, um luxo que a lavradora Marianes não pode se dar - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

 

A ideia do prefeito de Papagaios parece viável, mas não é tão fácil assim regularizar um sinal de recepçãoO município precisa pedir às emissoras um projeto técnico, que custa hoje em torno de R$ 3 milTrata-se de um documento preparado por empresas de engenharia especializada em telecomunicação contendo os procedimentos para obtenção da licença, que é enviado ao Ministério das ComunicaçõesA autorização é publicada no Diário Oficial da União e o solicitante, a emissora de TV ou prefeitura do município interessado, instala o equipamento e passa a contribuir com uma taxa em torno de R$ 500 anuais recolhida pela Anatel.

Só que as emissoras alegam que há milhares de solicitações de instalação de receptores de TV analógica paradas nas gavetas do ministérioAssim, fica difícil responder a uma pergunta simples feita pelos moradores de Papagaios: “Quando o sinal será restabelecido?”

Também não há resposta para o lacre dos aparelhos sem aviso prévio, privando cidadãos de cidades de pequeno e médio porte sem opções de lazer além da tela da televisãoAinda mais em Papagaios, onde os bares, restaurantes e lanchonetes, por força de lei municipal, fecham às 23h, impreterivelmente, de domingo a quinta-feira, o que explica em parte os baixos índices de criminalidade na cidade.

A TV era, até a semana passada, o único passatempo, além da leitura, de Vanessa dos Santos, de 14 anos, estudante do 8º ano do ensino fundamentalDe repente, o sinal da telinha desapareceu“Foi péssimo, em plenas férias fui privada de meus programas”Apelou ao pai, funcionário de uma das empresas de extração de ardósia, e à mãe, domésticaEles abriram mão das economias e entraram na fila da loja de Marco Antônio Luiz da Silva, o Toni, de 33, que vendia no máximo quatro parabólicas por dia e hoje tem que se virar para atender entre 20 e 25 pedidos.

“Sou o único em Papagaios que vende e instala antenasO cliente paga R$ 450 pelo aparelho e o serviçoE não estou tirando proveito da situaçãoO preço é o mesmo há quatro anos”, diz Toni Quando ele chegou ontem com a antena na casa de Vanessa, no Bairro Edite Cordeiro, a garota abriu um largo sorrisoAcredita que o tédio de uma cidade pequena vai ser amenizado pela tela colorida da TV

Esta é uma sorte que Marianes Alexandre, de 48, não temEla roça pastos na zona rural e ganha apenas o suficiente para o sustentoNa fria noite de segunda-feira , estava agasalhada na porta de casa, no humilde Bairro Miguelão, esperando alguém para conversarNa sala, mais fria ainda estava a TV, desligada e sem previsão de quando voltará a exibir a programação mineira que tanta falta faz à população(AV)