Jornal Estado de Minas

A seca corre pelo vale do Jequitinhonha e Mucuri

Rio Jequitinhonha, ícone de uma região rica em cultura mas carente economicamente, exibe efeitos da sede de seus afluentes. Muitos agora só correm na chuva. Outros apenas sumiram

Luiz Ribeiro

E a ponte virou viaduto: em Salinas, onde passava o rio, hoje ficou só a areia que um dia foi trazida pela água - Foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS

 


Diamantina, Coronel Murta, Araçuaí e Virgem da Lapa – O Rio Jequitinhonha empresta sua riqueza em forma líquida irrigando uma das regiões mais secas do estado e uma das mais pobre do paísPor isso, é vital para os 72 municípios da bacia, uma população estimada em 800 mil pessoasApesar disso o rio, um ícone da região que transpira cultura, tornou-se doente há décadas, envenenado por garimpos ilegais e extração de areiaCom a construção da   hidrelétrica de Irapé, inaugurada em 2006, a vazão melhorouMas o aspecto positivo se restringe ao leito principalNo restante da bacia, dezenas de pequenos rios e córregos que eram perenes hoje só correm quando choveMuitos sequer existem maisDos que resistem, muitos estão contaminados por esgoto doméstico e lixo

Ao percorrer a bacia, a equipe do Estado de Minas se deparou com casas abandonadas em vários pontos da zona rural, denunciando um êxodo que também é conseqüência do desaparecimento dos rios e córregos“À medida que acabam os cursos d’água, cresce a saída de pessoas para o corte de cana no interior de São Paulo e colheita de café no Sul de MinasSem água, não tem como sobreviver”, afirma o técnico José Humberto Limo, extensionista da Emater em Araçuaí

Segundo ele, estudos apontam que mais de 70 córregos e pequenos rios já desapareceram no vale em três décadasAs causas são variadas: assoreamento, queimadas, monocultura de eucalipto no Alto Jequitinhonha, desmatamento para plantio de capim e destruição das matas ciliares

O Rio Araçuaí, maior afluente do Jequitinhonha, é o retrato de algumas dessas agressões e está ameaçado pelas dragas da extração de areia, pelo lançamento de esgoto e pelo lixo jogado nas suas margens, como ocorre no município que divide com o rio seu nome e seus detritosUma situação agravada pelo fato de muitos tributários simplesmente terem desaparecidoUm deles é o Córrego São Domingos, que atravessa a área urbana de Virgem da LapaAli, uma grande ponte revela que um dia o São Domingos correu forteHoje, a travessia virou viaduto: debaixo dela sobrou um imenso leito secoOnde falta água, agora sobra lixo“Por causa do cultivo do eucalipto, desmataram áreas perto da nascenteAcabaram com a biodiversidade e com a água”, afirma o empresário Charles Ursine, que luta pela revitalização do curso d’água.

O último levantamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), de 2011, mostra que o Índice de Qualidade das Águas (IQA) bom do Jequitinhonha caiu de 50% para 42% desde o ano anterior, enquanto o médio subiu de 40% para 49%
As amostras ruins passaram de 10% para 8% e o índice muito ruim, inexistente em 2010, passou a marcar 1%

Segundo a gerente de Monitoramento Hidromeorológico do Igam, Wanderlene Fereira Nacif, os fatores que mais contribuíram para os índices foram o lançamento de esgoto e o mau uso do soloA barragem de Irapé contribuiu para aumentar a vazão do Jequitinhonha e facilitou o trabalho de um grupo de mulheres que integram o cenário do rio: as lavadeirasUma delas é  Maria Rita de Jesus, de 57, que ganha R$ 15 por trouxa lavada e confirma ter percebido a mudança

Mas a usina que beneficiou as lavadeiras incomoda os pescadores“Depois da usina, os peixes sumiram”, protesta José Pedro Lopes de Almeida, de 49Ele conta que há mais de 40 anos pesca no ponto em que o Jequitinhonha recebe o Araçuaí “Já peguei até 80 quilos de peixe por diaHoje, a gente arma a rede e ela sai da água cheia de lodo”, lamenta o pescador, que diz não encontrar mais espécies como piau, piabanha e surubim

 

No leito seco do Jurucutu, Clemente e Adevaldo, pai e filho, já não sabem como vão manter a plantação - Foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS

A asfixia do Mucuri

As margens devastadas dão indício de quão desprotegido anda o curso d’água que corta o nordeste do estado até desaguar na Bahia, com desafio de fertilizar uma região castigada pela seca e a pobrezaNo período de apenas um ano, o Rio Mucuri, que domina a bacia vizinha do Jequitinhonha, teve redução expressiva nas águas de boa qualidade e ainda viu aumentar a contaminação por substâncias tóxicas e metais pesados, de acordo com o último monitoramento do IgamNo que se refere ao IQA – índice que reflete, principalmente, o problema do esgoto – houve redução brusca das amostras consideradas boas, que despencaram de 30% para 9% na comparação entre 2010 e o ano passado.

O parâmetro que mede a presença de tóxicos tampouco foi favorável, sendo que amostras com contaminação média ou ruim saltaram de 11% para 18% das ocorrências no mesmo períodoPressões que ameaçam peixes endêmicos da bacia, como a vermelha“Em vários municípios estamos observamos a diminuição progressiva da vazão dos riosA grande devastação ambiental provocada inicialmente pela extração de madeiras e posteriormente pela criação de pastagens contribui para tonar a região uma das mais degradadas e de mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano”, afirma a presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Mucuri, Alice Godinho(Flávia Ayer)