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Estado de Minas

Vidas estão divididas pela inundação de represa em Minas

Moradores relembram a formação da represa de Furnas


postado em 11/07/2012 06:00 / atualizado em 11/07/2012 09:54

Aimorés se ressente da represa que criou ilhas onde havia correnteza(foto: marcos michelin/em/d.a press)
Aimorés se ressente da represa que criou ilhas onde havia correnteza (foto: marcos michelin/em/d.a press)


Carmo do Rio Claro, Guapé, São José da Barra e Aimorés – Nos tempos de colégio em Juiz de Fora, na Zona da Mata, o menino ouviu um professor de geografia falar pela primeira vez de “um tal potencial hidrelétrico do Rio Grande”. “Achava que era longe, lá para os lados da Amazônia, mas era bem na minha porta”, conta o fazendeiro Antônio Adauto Leite, de 84 anos, de Carmo do Rio Claro, no Sul de Minas. A memória ainda bem viva lembra com exatidão: a fazenda do Córrego Bonito, onde nasceram ele e os irmãos, e por onde passava o Rio Sapucaí, afluente do Grande, foi inundada às 3h de 9 de janeiro de 1963, como parte da represa de Furnas, em Carmo do Rio Claro, a 373 quilômetros de BH. Nas fotos em preto e branco, as lembranças do que ficou debaixo d’água: “Valeu a pena para quem nasceu agora. O Lago de Furnas é muito apreciado, considerado o mar que Minas não teve. Mas sofremos muito”.

Também está na memória do aposentado Diomar Siqueira, de 77, os tempos em que o Rio Grande corria livre por Guapé, que foi 70% inundada para dar lugar a Furnas. No meio do lago, a imagem de São Francisco não deixa ninguém esquecer que debaixo daquele aguaceiro está a antiga igreja matriz. “Muita gente vem a Guapé para ver a represa. Na área de turismo melhorou, a cidade é quatro vezes maior do que era, evoluiu muito, mas muita gente desgostou e foi embora”, conta.

Os relatos da tristeza que tomou conta da população nas cidades inundadas em nome do progresso são os mesmos, não importa o lugar. Mas, se a tristeza ainda é lembrada pelos mais velhos, nos dias atuais a represa tem outro significado. “Quando o lago surgiu, na década de 1960, foi o caos. Inundou as melhores terras e ninguém sabia produzir no cerrado. Mas hoje é o rio da integração dos municípios em várias frentes de trabalho e benefício conjunto, inclusive de compensação financeira, repassada às prefeituras”, afirma o presidente do Comitê da Bacia do Entorno do Reservatório de Furnas, Fausto Costa.

Na Bacia do Rio Grande, o sentimento pela hidrelétrica que tem perímetro de 3,5 mil quilômetros e 1,4 mil quilômetros quadrados de área em 34 municípios, se divide entre o ódio e o amor. Na primeira relação, o pesar de quem viveu o trauma de ter que deixar a própria terra. Na segunda, a superação de uma situação consolidada há quase 50 anos.
 
Uma cidade que perdeu seu rio

Em outros pontos do estado, onde o progresso bate à porta, o inconformismo que chega com as águas de uma grande represa é o que predomina. É o que ocorre em Aimorés, município pacato de 25 mil habitantes na divisa de Minas com o Espírito Santo, que talvez entre para a história como a cidade que perdeu seu rio. Ainda assim, o pescador José Lourenço da Silva Filho, de 59 anos, o Zil, não desiste de procurá-lo. “O rio morreu para nós, mas a gente continua atrás dele”, conta em frente ao vazio antes banhado pelo Rio Doce. A construção da Usina de Aimorés – Hidrelétrica Eliezer Batista –, que começou a operar em 2005, desviou o curso d’água da cidade. Desde então, os peixes diminuíram, problemas com enchentes apareceram e uma nuvem de insatisfação paira sobre os moradores. O Ministério Público Federal abriu inquérito e tenta na Justiça reparar os danos ao município.

Na calha onde corria o Doce, hoje passam apenas as águas do Rio Manhuaçu, um dos afluentes. A visão do alto do morro é de um filete cortando uma superfície seca, num trecho de seis quilômetros. “Desde os 9 anos, já estava nadando e pescando neste rio, ele foi a nossa escola. Agora, está virando ilha pura e já estou fazendo 60 anos. Vou embora e provavelmente não vou ver como vai ficar”, lamenta o pescador, que vive com um salário mínimo e a cesta básica do consórcio formado pela mineiradora Vale e a Cemig, que tem a concessão do empreendimento. “Criei 10 filhos com dinheiro da pesca. Hoje, o jeito é pegar bagre africano e vender a R$ 2 o quilo”, afirma Zil.

O procurador de Justiça Bruno Costa Magalhães prepara ação para que os danos ao meio ambiente e à comunidade sejam reparados. “O estudo de impacto ambiental não havia aventado todo esse impacto. A fauna de peixes está bem abaixo e o que havia sido mostrado era que Aimorés seria uma espécie de Veneza brasileira. O Ibama já multou o consórcio por causa dessa situação e estamos concluindo a ação civil”, afirma. Em nota, o consórcio informa que um estudo está sendo contratado com uma universidade para avaliar como reduzir impactos causados no rio. Também informa que a usina conta com o sistema de transposição de peixes.


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