A reportagem do Estado de Minas visitou algumas praças – Duque de Caxias, no Santa Tereza, Regional Leste; a Capela Nova, no Bairro Minas Brasil, Região Noroeste; a da Saúde, no Grajaú, Regional Oeste; o Parque JK e o Parque Santa Lúcia, ambos na Regional Centro-Sul – e o que se percebe é que elas não estão preparadas para receber os pequenos, muitas sequer têm brinquedos, e quando os têm, são poucos e sem características lúdicas.
Na Duque de Caxias, mais conhecida como Praça de Santa Tereza, os brinquedos foram reduzidos pela metade: eram dois, agora resta apenas umA estrutura em forma de foguete que a meninada alcançava para descer escorregando não leva mais a lugar nenhum, pois o anexo foi retirado.
Abandono
Diante de uma escola e rodeada de prédios sem área de lazer está a Praça Capela Nova, no Bairro Minas Brasil, na Região NoroesteEla é sinônimo do abandono, com sujeira para todo lado e lixeiras e luminárias quebradasNo Bairro Grajaú, Regional Oeste, a Praça da Saúde é um dos poucos espaços de lazer ao ar livre, mas 70% de seu reduzido espaço foi ocupado por aparelhos de ginásticaSobrou uma pequena parte para a instalação de dois brinquedos.
Já no amplo espaço do Parque JK há apenas um módulo que conjuga escorregador e túnel
O professor e advogado Eloy Pereira Lemos Júnior, de 42 anos, acompanha o filho Rafael, de 2, na brincadeira nos aparelhos de ginástica do Parque JK e explica por que não está com o filho no playground“Os equipamentos acabam virando brinquedo porque chamam mais a atenção do que o parquinho, o que é até perigoso, pode machucarAcho que essa praça tem muito espaço e poderia ter brinquedos para todas as idadesA finalidade não pode ser apenas o adulto”, opina.
Para a psicóloga e educadora Cláudia Souza, uma mineira que vive em Milão, na Itália, para proporcionar benefícios às crianças não é necessário um grande investimento financeiro“As soluções podem ser simples e baratasMas é fundamental uma concepção que priorize as crianças nestes espaços públicos”, afirmou ela, que faz parte do ProgettoQualeGioco, grupo formado por arquitetos e designers que elabora projetos de parques infantis na Itália
“Em uma sociedade em que a maioria das crianças está restrita a espaços fechados, as praças ocupam um papel importantíssimo em seu desenvolvimento, a começar pela própria percepção espacial, que pressupõe a experimentação de distâncias e alturas com as quais se tem pouca experiência nos ambientes fechadosAté a possibilidade de expandir, se arriscar, se movimentar livrementeTudo isso contribui significativamente para um desenvolvimento saudável, seja das emoções, da cognição ou da corporalidade, tão em risco num mundo cada vez mais virtual”, explica a psicóloga“As perdas são enormes, começando pela interação com os iguais, que é o que funda a moralidade, no sentido de compreender as regras e respeitá-lasMas também existem as perdas motoras, já que a atividade complexa e diversificada é fundamental para a construção do esquema corporal e até para a constituição física”, diz.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Cláudia Souza - Psicóloga e educadora, que faz parte do ProgettoQualeGioco, na Itália
Quais aspectos devem ser levados em conta na hora de projetar uma praça?
O tripé que deve sustentar o projeto de uma praça/parque deve ser a valorização da brincadeira como fonte de crescimento; interação com a natureza, trazendo para o dia a dia das crianças a possibilidade de conhecer as origens humanas; e cultura, que é o encontro da acumulada pela humanidade com a criada pelas próprias crianças, como brincadeiras e canções.
Existem equipamentos mais ou menos adequados para crianças?
Não é interessante associar cada brinquedo a uma habilidade, porque se ele é válido, vai ativar não uma, mas milhões de habilidades diferentesO brinquedo e a cultura lúdica não estão a serviço da aprendizagemA gente não brinca para aprenderA aprendizagem é um “efeito colateral” da brincadeiraO que acho é que eles devem ser projetados levando-se em conta suas possibilidades lúdicas/interativas.
O que é o conceito de "espaço lúdico ao ar livre"?
É a possibilidade de brincar em espaços externos organizados e estimulantes, sejam os usuários crianças ou adultosÉ importante salientar que, embora os parques sejam projetados com a criança em foco, os adultos também devem ser consideradosPensar em espaços de descanso para os pais, de conversa entre eles, para os avós etc; tudo isso faz enriquecer o projeto
Prefeitura assume falhas no processo atual
Para que parques e praças sejam concebidos, o processo é fragmentadoAs regionais recebem as demandas da comunidade e as encaminham para a Secretaria de Meio AmbienteO órgão tem a atribuição de analisar e aprovar qualquer intervenção em área verdeA partir daí, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) assume o projeto, repassando as diretrizes para a empresa contratada para executá-loA Secretaria Municipal de Educação, que poderia atuar na parte pedagógica do projeto, não participa do processo.
A chefe da Gerência de Gestão Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Márcia Mourão, explica que a colocação de equipamentos nas praças está diretamente relacionada à demanda da comunidade“Temos que conciliar o que a população quer com a área que temos, avaliar se ela comporta ou não a demandaApesar de não ser o único foco, garanto que a criança sempre esteve presente entre as nossas preocupaçõesMas uma política pedagógica específica para praças realmente não temos", diz.
Para a coordenadora do Programa Escola Integrada, Neuza Macedo, a presença de educadores na concepção dos projetos enriqueceria os espaços públicos ofertados à população“Acho que é importante o olhar da educação sobre as praças, para que a gente possa pensar o território de maneira articulada e complementar”, opinaO Escola Integrada realiza muitas atividades e oficinas nas praças e parques da cidade como forma de ampliar o espaço escolarQuando questionada sobre os equipamentos que encontra, Neuza não esconde: “são precários”“Temos ocupado as praças, tentando usufruir do que ela tem, mas também levamos muita coisa, como oficinas de teatroAté mesas de plástico levamos para oficinas de jogos de mesa”, diz.