O problema dos imóveis abandonados em Belo Horizonte – muitos invadidos por moradores de rua, usuários de drogas e suspeitos de cometer crimes, segundo a polícia – se estende às moradias tombadas pelo Conselho do Patrimônio Municipal de BHDe acordo com a diretora do patrimônio, Michele Arroyo, a capital tem 700 bens tombados, entre casas, prédios, praças e viadutos, e cerca de 5% dos imóveis protegidos por lei estão em péssimo estado de conservação, relegados pelos proprietários
A punição para quem abandona imóveis tombados até que eles caiam existe, mas segundo a representante do patrimônio cultural, não tem sido aplicada, o que pode funcionar como incentivo para que mais e mais pessoas deixem de cuidar dos bens tombadosMas Michele alerta que a PBH está agindo para garantir a preservação desses imóveis“Os donos estão sendo notificados e há ações judiciais movidas pelo Ministério Público, com acompanhamento da prefeitura, por meio da Diretoria de Patrimônio Cultural”, disse
Um dos exemplos de descaso com bens tombados da capital é a casa no nº 450 da Rua Santa Catarina, no Bairro Lourdes, Região Centro-Sul, tombada em maio do ano passadoO mato tomou conta do jardim e constantemente a residência é invadida por moradores de rua, de acordo com denúncia dos vizinhosO antigo dono doou o imóvel para um motorista, o que desagradou às filhas do doador, que recorreram à Justiça“A casa foi tombada quando não tinha mais uso e vamos ver com o senhor que a herdou como vamos restaurá-la”, disse Michele Arroyo.
O imóvel, em estilo neocolonial, começou a ser construído em 1937 e desde que foi abandonado se tornou alvo de vândalos“Já foi arrombada diversas vezes e levaram toda a fiação elétricaDá até dó uma casa dessas abandonadas
Ainda em Lourdes, na Rua da Bahia 2.411 e 2.425, em frente ao Minas Tênis Clube, duas casas, uma ao lado do outra, retratam os dois extremos da situaçãoUma está bem cuidada e a outra está em péssimas condições de conservaçãoSegundo Michele Arroyo, ambas pertencem a uma família que hoje mora em Brasília e que se esforçou para demolir a casa do nº 2.411A ideia era construir um prédio no local, mas a PBH não autorizou a demolição“O Conselho do Patrimônio achou que um edifício iria sufocar a outra casa e impediu a demolição, tombando a casa menor, que os donos queriam derrubar”, disse a gerente do patrimônio
Rachaduras
O imóvel foi tombado em 2006 e hoje apresenta rachaduras na fachada
Seu projeto é do arquiteto Luiz Signorelli, o mesmo que planejou o prédio da Secretaria de Estado de Turismo da Praça Rio Branco (da rodoviária), o Automóvel Clube e a Academia Mineira de Letras, na Rua da Bahia, 1.466 “O imóvel encontra-se numa região da cidade que, desde o início de sua ocupação – segunda década do século XX – foi ocupada por famílias de maior poder aquisitivo, atraídas pela notoriedade de se morar nas proximidades da Praça da Liberdade”, diz o relatório do tombamento.
Segundo Michele Arroyo, donos de imóveis tombados podem ter um retorno bastante significativo“São isentos de IPTU, podem usar a transferência do direito de construir e o imóvel pode ser adotado para ser preservado, por meio do Programa Adote um Bem CulturalTambém podem entrar nas leis de incentivo à cultura federal, estadual e municipal, para obtenção de recursos para restauração”, disse a gerente do patrimônio
Falta de normas e de hábito
Presidente da Câmara da Indústria da Construção da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), o empresário Teodomiro Diniz Camargos diz que a falta de uma norma que impeça os donos de imóveis tombados de abandonarem essas propriedades até que elas caiam é uma das razões para o problema que Belo Horizonte enfrenta com moradias abandonadas.
“Há quem considere prejudicial o tombamento do imóvel e, por esse motivo, espera que a construção caia para que ele possa vender o terreno e ter lucroMas temos imóveis tombados que têm um terreno grande, o que viabiliza a edificação nos fundosHá também casos de imóveis que incorporam a edificação antiga à nova, sem descaracterizá-laEm resumo, o tombamento em si nem sempre prejudica o proprietário”, diz
Para Teodomiro, a tendência de qualquer cidade é recuperar seu patrimônio arquitetônico e mantê-lo, mas, para isso, deve haver uma política pública cara“Somos ainda um país novo e não estamos habituados com a preservação do patrimônioEm cidades da Europa, por exemplo, eles já sabem conviver com o patrimônioVamos ter que constituir esse hábito pouco a pouco”, disse o empresário, para quem, uma norma clara de incentivo à preservação tem de definir a obrigação do proprietário na manutenção do imóvel em boas condições, mas também tem de oferecer incentivos para que isso ocorra.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Descaso com a história
A situação dos imóveis tombados e abandonados na capital, transformados em abrigo de viciados, moradores de ruas e assaltantes, é mais uma demonstração de como Belo Horizonte despreza seu passadoBasta percorrer a cidade para encontrar exemplos desse desrespeitoMonumentos abandonados, à mercê dos pichadores, prédios históricos fechados, caindo aos pedaços, a história sendo destruída, sem que surja uma soluçãoO jogo de empurra entre o poder público e os donos desse patrimônio, com cada um atribuindo ao outro a responsabilidade por essa situação, precisa acabarSó assim a memória dessa cidade será preservada. (Álvaro Fraga)