Jornal Estado de Minas

Famílias estão menos exigentes para adoção de crianças, diz Justiça

Andréa Castello Branco
Vera e a família se apaixonaram por Abílio, que é portador de paralisia cerebral, quando o conheceram. Ele tinha apenas 2 anos e estava em uma casa de caridade de Belo Horizonte - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

O processo de adoção sempre foi permeado por exigências dos postulantes a paisFatores como idade, raça e estado de saúde ainda são requisitos para o acolhimento de uma criança, mas a cultura da adoção começa a apresentar os primeiros sinais de evoluçãoSe em 2006 apenas 18% das famílias não tinham qualquer restrição a raça, hoje 32% não fazem distinção entre adotar uma criança branca, parda ou negraAs crianças saudáveis ainda são as mais solicitadas, mas nos últimos três anos dobrou o número de inscritos que aceitavam crianças com problemas físicos recuperáveisOs dados fazem parte do levantamento feito pelo Setor de Estudos Familiares da Vara Cívil da Infância e Juventude de Belo Horizonte.

Mesmo com avanço, adotar uma criança com a saúde mais comprometida ainda é uma exceçãoMas foi o que fez a família de Vera Cardoso de Almeida Santana, de 53 anosCasada e mãe de um garoto, não estava nos planos da psicóloga fazer uma adoçãoAté que um dia ela cruzou com Abílio em uma casa de caridadeEle tinha apenas 2 anos e uma paralisia cerebral que causa um comprometimento severoQuando perguntada sobre o que a levou a adotá-lo, se embola e não sabe explicar direito“Quando vi o Abílio fui tomada por um amor, por uma urgência em tê-lo como meu filho, que não tenho uma explicação racional
Nesses quatro anos que ele está conosco, esse amor só cresce”, diz

Na família, a chegada de Abílio se tornou um consenso com o passar do tempoO filho mais velho, hoje com 18 anos, foi visitar a criança e também foi “fisgado”“A gente deixou que o amor nascesse no coração de cada umPrimeiro meu filho foi conhecê-lo e ficou apaixonadoMeu marido teve uma nova paternidade constituída na convivência: ele é um pai melhor do que se fosse biológico, de tanto carinho e dedicação que tem por Abílio.” Na semana passada, depois de quatro anos, Vera recebeu a certidão de nascimento do filho mais novo“Agora ele tem pai, mãe, irmão, avós, primos, tudo o que tem direito”, diz orgulhosa.

Preferências

A Vara da Infância e Juventude mapeou o perfil socioeconômico dos interessados em adotar uma criança, assim como as características pleiteadas por candidatos da capital entre 2006 e 2011Das inscrições deferidas, 35% preferiam bebês de até 1 ano de idadeMais da metade dos cadastrados não escolheu o sexo da criança, mas entre aqueles que optaram, a preferência foi por meninas

Para a Silvana Melo Martins, assistente social do Tribunal de Justiça, o fato de mais famílias revelarem a adoção tem contribuído para uma opção menos preconceituosa no que se refere a raça
“Alguns casais, quando buscam a identificação da raça, querem manter o sigilo sobre a infertilidadeTêm a preocupação em não explicitar essa situação de forma públicaMas o número de famílias que revelam ter um filho adotado tem crescido à medida que a mídia aborda o assuntoE os técnicos orientam que a revelação é um direito da criança”, analisa SilvanaSegundo a assistente social, esse fato também tem colaborado para que a faixa etária mais valorizada se estenda até os 3 anos.

Silvana destaca outro dado que demonstra maior disponibilidade dos candidatos a pais para crianças com problemas de saúde recuperáveis“As pessoas começam a perceber que um filho biológico você aceita da forma como ele vemAdotar não é fazer caridade, não é ajudar, não é ter alguém para cuidar de você na velhiceContudo, um número muito pequeno de crianças com problemas são adotadas e permanecem em instituições de acolhimento” .

Como adotar

1) O interessado deve ter, acima de tudo, o desejo e a disponibilidade de criar e educar uma criança
2) A primeira ação é fazer o cadastro no Juizado da Infância e Juventude com o perfil da criança pretendida
3) Os pais passam por um estudo social e psicológico realizado por profissionais do próprio órgão
4) O estudo é encaminhado ao promotor para apreciação e ao juiz para aprovação
5) Caso sejam consideradas habilitados, os candidatos passam a integrar o cadastro de adoção e aguardam até aparecer uma criança que se encaixe no perfil

O Serviço de Atendimento ao Cidadão (Seac) do Juizado da Infância e Juventude funciona de segunda a sexta-feira das 12h às 17hO endereço é Avenida Olegário Maciel, 600, sala 106, Centro

80% dos candidatos não têm filho

De acordo com a Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj), foram concluídas 247 adoções em Belo Horizonte no ano passadoEntre os 138 inscritos que se habilitaram a adoção, 120 eram casais, 13 pessoas eram solteiras e cinco pessoas separadas, sendo que 80% deles não tinham filhosSegundo o Setor de Estudos Familiares da Vara Cívil da Infância e Juventude (Sef), a maior parte dos inscritos, 82%, possuíam renda entre quatro e 20 salários mínimos, sendo que 8% possuíam renda abaixo de quatro salários e 10% acima de 20 saláriosMais de 80% dos inscritos possuíam casa própria e a escolaridade predominante foi a de nível secundário e superior.