Jornal Estado de Minas

Falta de plano emergencial para comboio de carga provocou caos no Anel Rodoviário

Valquiria Lopes Guilherme Paranaiba

- Foto: Paulo Filgueiras/EM DA Press

A terça-feira de colapso no trânsito de Belo Horizonte há 15 dias, quando um acidente com um caminhão fechou o Anel Rodoviário e causou 50 quilômetros de engarrafamentos na cidade, não foi suficiente para convencer os órgãos de infraestrutura e operação para a necessidade de um plano de contingência para crises no trânsitoOntem, a precária rodovia construída na década de 1950 e outros corredores e ruas do entorno ficaram congestionadosPor volta das 5h30, um veículo de 274 toneladas que ocupava as três faixas do Anel e carregava uma peça de 160 toneladas, usada em plataformas de petróleo, enguiçou na altura do km 4, no Bairro Buritis, na Região OesteO resultado foi o fechamento da via por três horas e 15 minutos, no sentido Rio de Janeiro, o que gerou um congestionamento de 10 quilômetros e impôs novo tormento na rodovia, com reflexos na Via do Minério e na Avenida Amazonas.

A liberação só ocorreu por volta das 8h45, quando três reboques da BHTrans levaram a carga para uma área de escape, mil metros à frenteApesar de ser responsável pelos 26,5 quilômetros do Anel, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) não mantém veículos ou estrutura de apoio para situações de emergência na via, por onde passam 100 mil veículos por dia.

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Para o comandante da Polícia Militar Rodoviária (PMRv), tenente Geraldo Donizete, responsável pelo policiamento no Anel, a implantação dos postos é urgente“Essa é questão emergencial para agilizar a remoção de veículos da via, evitar congestionamentos e outros acidentes”, diz, referindo-se apenas à presença do guincho na pista“Por agora, nem pensamos em postos mais estruturados, com veículos para operação e funcionários, porque isso só está previsto para a reforma do Anel”, afirmou.

Até ontem, apenas um reboque emprestado pela BHTrans ao Dnit era usado para retirada de veículos pesados na rodoviaA frota, no entanto, está bem aquém do necessário, que, segundo Donizete, deveria ser de no mínimo quatro“Um ponto fixo já estava em operação no Viaduto São FranciscoOutro começou a operar ontem no BH Shopping, na BR-356, próximo ao Anel, justamente no dia em que a carreta parou no Buritis”, informouConforme Donizete, “o órgão de infraestrutura responsável pela via (Dnit) tem de oferecer a infraestrutura para a operação, assim como fazem as concessionárias nas rodovias privatizadas

Nosso papel é controlar e fiscalizar o tráfego e atuar no socorro de vítimas.”

Além dos dois pontos onde o reboque está instalado, os cruzamentos do Anel com as avenidas Amazonas (Bairro Camargos) e Cristiano Machado (Bairro São Gabriel) são fundamentais para agilizar o atendimento de emergência, segundo Donizete.

TRANSTORNO NA MADRUGADA

O comboio que parou no Anel era formado por dois caminhões e uma carreta que juntos somavam 274 toneladasO veículo saiu às 23h20 de segunda-feira da empresa Delp, às margens da MG-010, em Vespasiano, na Grande BHA saída ocorreu com a presença de três escoltas, sendo duas viaturas da PMRv e uma particular credenciada, conhecida como zebrinhaPara pegar a Linha Verde, o comboio fez o retorno, no sentido BH, e seguiu com uma viatura atrás e outra na frente, além do batedor credenciado, que ficou com a viatura de trásO grupo ainda passou pela Avenida Cristiano Machado antes de acessar o trevo do Anel, onde o radialista Rodrigo Scoralick, de 46 anos, foi surpreendido pelo engarrafamento“Estava voltando do aeroporto de Confins e vi tudo parado na região do Bairro Dona Clara (Pampulha)Achei muito estranho porque eram três horas da madrugada e não consegui ver o que estava causando aquela retençãoSó consegui ver que era uma carga gigante quando o veículo fez a curva para pegar o Anel”, afirmaEle considera “absurdo” um veículo de tal porte trafegar por uma via urbana.

Do cruzamento com a Cristiano Machado, o comboio percorreu o Anel até a altura do Buritis, quando um caminhão Volvo, modelo 520, um dos responsáveis por puxar a carga, estragouHouve problema na embreagem, e o veículo que restou não conseguiu levar sozinho o peso da peça, chamada de manifold submarino, usada para retirada de petróleo no fundo do mar
Como havia militares acompanhando a viagem, o trânsito foi interrompido, já que as três faixas da via foram ocupadas.

A PMRv liberou apenas a passagem das motos pelo lado esquerdo, pois havia espaço pequeno para circulaçãoA fila no Anel começou a crescer e chegou a 10 quilômetros no sentido RioEntretanto, o transtorno não se restringiu à rodovia e parou o tráfego na Avenida Waldir Soeiro Emrich, conhecida como Via do MinérioComo vários motoristas que estavam presos no engarrafamento tentaram usar a avenida para acessar o Bairro Betânia, o resultado foi a ampliação do caosA via é uma ligação muito importante entre a Região do Barreiro e a Região Oeste.

Segundo o supervisor de transportes da Sobrepesa, transportadora responsável por levar a peça de Vespasiano até o Rio, a ocorrência de ontem foi uma fatalidade, pois esse é o 12º manifold submarino levado pelo mesmo trajeto e nunca houve problemas“É impossível prever uma falha mecânicaOs dois caminhões são de 2010, devidamente revisados e estão na garantiaA Delp Serviços Industriais S.Ainformou por meio de nota que não tem responsabilidade sobre o fato, mas sim o cliente que contratou a transportadoraProcurado pelo EM, o Dnit não se manifestou.

- Foto: ARTE EM

Polícia promete rigor com cargas

O congestionamento gigante ocorrido ontem no Anel Rodoviário obrigará a Polícia Militar Rodoviária (PMRv) a pensar em estratégia mais rigorosa para evitar novo caosO major Aguinaldo Lima, subcomandante da PMRv, entende que o transporte de grandes cargas, como a de ontem, de 160 toneladas, fora as outras 114 do resto do comboio, precisa de um caminhão substituto mais perto do grupo.

Ontem, o veículo mais próximo da ocorrência estava em João Monlevade, a 110 quilômetros de Belo Horizonte, na Região Central do estadoOs reboques da BHTrans que ajudaram a liberar parte da pista chegaram antes do caminhão estepe“Quando recebermos novas licenças para cargas dessas proporções, certamente vamos exigir da transportadora um veículo substituto que fique bem próximo ao comboio, para socorrê-lo rápido se for necessárioVamos discutir isso com as empresas”, informou o major.

Sobre o fato dessa medida não estar valendo para a ocorrência de ontem, o militar diz que a experiência dos batedores com esse tipo de carga não levava a tomar tal decisão, pois uma ocorrência desse tipo ainda não havia acontecido“Nosso planejamento leva em conta as experiências da rotinaOs problemas de ontem nos mostraram que precisamos adequar as ações ao que acontece na prática e é isso que vai ser feito daqui para frente”, completa o subcomandante.

O engenheiro civil e mestre na área de transportes Silvestre de Andrade Puty Filho, também defende a implantação de planos emergenciais e descarta a possibilidade de restrição de dias na semana e de horários para o transporte de cargas especiais“Belo Horizonte está em um entroncamento de rodovias importantes não só para o estado, mas para o BrasilCom cargas de várias partes do país passando por aqui, não há como estipular que circulem apenas no fim de semana, por exemploSeria inviável de ponto de vista logístico”, disseO necessário, segundo ele, é traçar um esquema capaz de funcionar durante todo o trajeto da carga.

NOVA CARGA


Para hoje, está prevista a passagem de uma estrutura metálica por volta das 11h30 no Anel, porém, de menores proporçõesA carga sairá de Sete Lagoas, na Região Central, e vai passar pela MG-424, Linha Verde, Cristiano Machado e Anel até chegar à BR-040, sentido Rio de Janeiro, em trajeto parecido com o de ontemA estrutura tem 45 toneladas e o conjunto chega a 20 metros de comprimento, 6,5 de largura e 4,4 de alturaSegundo a PMRv, essa situação é rotineira para a corporação e acontece quase todos os dias.

Palavra de especialista

Silvestre de Andrade Puty Filho,
engenheiro civil e mestre na área de transportes

Problemas no Anel são de todos e de ninguém

O Anel Rodoviário enfrenta dois problemas gravesO primeiro está relacionado ao desentendimento das autoridades sobre a questão de quem é a responsabilidade da viaO trecho é federal, mas fiscalizado pela Polícia Militar RodoviáriaAo mesmo tempo, corta o município e recebe intenso tráfego urbanoMuitos são responsáveis, mas ao mesmo tempo ninguémOutro problema do Anel e de todas as rodovias federais é a falta de operação da rodoviaO órgão rodoviário tem a atribuição de fiscalizar e não de monitorar a rodoviaCabe ao Dnit manter essa estrutura, assim como nas estradas concedidas, em que há carros, guinchos, reboques, equipamentos para desviar o trânsito e funcionários para orientar motoristasO que se vê no Anel é um total descasoE a solução depende essencialmente da construção do Rodoanel, que ligará a BR-381, em Betim, a Ravena, passando pelo eixo Norte da Grande BHSó assim, o tráfego pesado de caminhões deixará de passar pelo Anel.


Inversão de faixa na 381

Quem passa pela BR–381, entre Contagem e Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, poderá ter de se adaptar a novas regras de circulaçãoA HOL, concessionária responsável pelo trecho, e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estudam a possibilidade de inverter o sentido de uma das faixas em um dos sentidos da rodovia, a depender do horárioSe adotada, a medida sugerida pela Polícia Rodoviária Federal será posta em prática nos horários de pico, em pontos específicos, com a finalidade de aliviar o fluxo constantemente congestionadoDas 6h às 10h, a reversão favorecerá o sentido Belo HorizonteO sentido contrário ganhará uma faixa a mais entre as 16h e as 20hDe acordo com o assessor de comunicação da PRF, a mudança pode ocorrer até o segundo semestre