Os urubus rondam o terreno fétido e imundoNa montanha de detritos, a imagem estampada do atraso e do risco de doençasEm outro lugar, a camada recobre os resíduos de maneira ineficaz, sem espantar pragas, como insetos e ratos que rondam o local à espera dos restosEssas são cenas comuns em todo o Brasil, onde mais da metade dos resíduos sólidos coletados diariamente (58,1%) são enviados para depósitos a céu aberto ou aterros controlados – opção igualmente perigosa de tratar o meio ambienteEm Minas, um dos estados mais desenvolvidos do país, a situação é também preocupante: 35,9% do lixo recolhido em território mineiro são descartados incorretamenteOs dados, relativos a 2011, foram divulgados ontem pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
Minas é o terceiro estado que mais gera e também o terceiro que mais coleta resíduos – 17.445 toneladas por dia e 15.737 toneladas por dia, respectivamente Mas, quando o assunto é a destinação adequada, cai para a sexta posição, atrás de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de JaneiroDe todo o resíduo recolhido, 64,1% vão para aterros sanitários, 19% para aterros controlados e 16,9% acabam nos lixõesNa comparação com dados anteriores, fica claro que a evolução anda a passos muito lentosNo ano passado, houve aumento de apenas 1% na quantidade de material descartado corretamente, em relação a 2010.
O ritmo causou espanto à Abrelpe“Esperávamos um panorama melhor em 2011, como consequência da implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos
Silva Filho destaca, no entanto, que a proibição dos depósitos a céu aberto não é novidade e teve início em 1981, com a Política Nacional de Meio AmbienteEm 1995, com a Lei de Crimes Ambientais, as práticas foram criminalizadas, com possibilidade de prisão para quem descumprir a norma“O problema é que sempre houve leniência do poder público com esse temaA lei de resíduos sólidos veio para reforçar e determinar prazo para aquilo que sempre foi ilegalOs municípios já estavam cansados de saber que não poderiam manter seus lixões, por isso, não vale a justificativa de que quatro anos é um prazo curto”, ressalta.
Conduta quebrada
O presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), órgão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Ilmar Bastos Santos, lembra que, entre 2005 e 2006, foram firmados mais de 500 termos de ajustes de conduta (TAC) com os municípios na tentativa de solucionar o problemaMas a maioria não cumpriu, sob alegação de falta de recursos ou por simples má vontade política.
O aterro tem custo relativo para esses municípiosOs TACs ainda estão em execução, o que vai implicar multa e não resolverá o problema
Multas bancariam usinas de triagem
Uma nova tentativa para ajudar os municípios que ainda mantêm lixões e aterros controlados foi posta na mesa de negociaçõesUma comissão formada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Associação Mineira de Municípios (AMM) e Ministério Público estadual busca soluções para quem está com a corda no pescoçoNa primeira reunião do grupo, na segunda-feira, uma das propostas apresentadas foi a construção de usinas de triagem e compostagem em municípios de pequeno e médio porte que têm, em comum, multas recebidas pelo descumprimento da legislação, mas não pagas.
A secretaria e o MP prometeram fazer o levantamentos dos débitosO promotor Luciano Badini, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, adianta que cada multa é de R$ 20 mil e a maioria das prefeituras tem saldo devedor entre R$ 80 mil e R$ 100 milEm vez de pagar ao estado, as prefeituras investiriam na criação de consórcios“O município não consegue fazer sozinho, a única alternativa é a reunião de vizinhos, com inclusão, necessariamente, dos catadores de material reciclável no projeto e implantação de coleta seletivaÉ uma alternativa boa e barata”, afirma.
Três quartos dos municípios estão na corda bambaDe um lado, a aproximação do fim do prazo para erradicar essas áreas ilegais está acabando e quem não se adequar terá sérias consequências, inclusive financeiras – hoje, recursos do estado e da União já priorizam a formação de consórciosDe outro, há o risco de prefeitos serem responsabilizados criminalmenteO MP mudou a estratégia e enquadrou os administradoresEles podem agora responder por crime de poluição, segundo a Lei de Crimes Ambientais, e por improbidade administrativa ambiental – uma maneira de evitar que as multas simplesmente passem de uma gestão para outra.
O presidente da AMM e prefeito de São Gonçalo do Pará, no Centro-Oeste de Minas, Ângelo Roncalli, vê com simpatia a solução, já que tratar o lixo individualmente é um problema para cidades de pequeno porte“É muito caro manter um aterro se não tiver um volume de lixo considerávelUm projeto bem menor já custa muitoHoje, criar uma usina de compostagem e fazê-la funcionar adequadamente fica em torno de R$ 600 mil a R$ 800 mil, inviável para a maioria das cidades”, diz, acrescentando que não acredita em negligência das prefeituras.
Neste mês será publicado o decreto que regulamentará a Lei Estadual 18.823, de novembro de 2011, concedendo o Bolsa reciclagem a integrantes de associações e cooperativas de coleta de material reciclávelSerão destinados, inicialmente, cerca de R$ 3 milhões para a iniciativa, segundo o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Ilmar Bastos SantosO valor da bolsa será de acordo com a produçãoAs instituições participantes deverão se cadastrar para ter direito ao recurso.
Análise da notícia - Lixo dá voto?
Paulo Nogueira
O grave problemas dos lixões já passou do limite do bom senso e da saúde pública há muitos anosÉ alarmante a constatação de que 75% dos municípios mineiros ainda mantêm lixões ou aterros controlados, ambos incapazes de dar destinação adequada a montanhas diárias de resíduosNão é mais possível ficar na eterna retórica, mesmo verdadeira, da falta de recursos dos pequenos municípiosQue as prefeituras não têm dinheiro é claro e notório, então que se busquem soluções, como a dos consórcios com recursos públicos e privados, que parecem ser uma boa saídaO problema maior é a falta de vontadeAfinal, lixo bem tratado rende voto? Deveria render, mesmo porque uma população contaminada pelo foco de doenças dos lixões pode não ter condições de eleger ninguém.