Jornal Estado de Minas

Crianças dão lições de cidadania em casa e na escola

No Convento São Francisco, freiras recebem o carinho e a alegria da meninada disposta a dar bons exemplos

Jefferson da Fonseca Coutinho

Além de apresentações de dança e música, irmãs ganham o carinho e a atenção dos alunos do segundo período do Colégio Franciscano Sagrada Família - Foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press

“Paz e bem”, sorri Fernanda Chaves, de 5 anosTão pequena e tão educada, chama a atençãoNão é a única na sala festiva e colorida Fernanda tem 21 colegas da mesma idade que repetem em coro a saudação de São Francisco de AssisJuntos ou separados, eles praticam a bondade que sopram entre os dentes bambos, de leiteNo campo das boas ações, já são sujeitos de atitude: produzem e reciclam brinquedos para outras crianças; coletam doações para recém-nascidos; ajudam os pais nas tarefas de casa e visitam idosos regularmenteDesde o início do ano, orientada pela professora Annelise Rodrigues, de 39, a turma do segundo período do Colégio Franciscano Sagrada Família, no Bairro Caiçara, na Região Noroeste de Belo Horizonte, dá exemplo de cidadania e respeito ao próximoExemplo tamanho que chega a encantar quem dedicou à vida às alegrias do outro“É a coisa mais linda que já vi na vida”, emociona-se Irmã Suzana, de 90, do Convento São Francisco.

O pequeno Gabriel de Oliveira, satisfeitíssimo consigo mesmo, levanta a mão e pede a vez para falar: “Hoje lavei quatro paredes com a minha mãeFoi difícil, mas minha mãe ficou muito felizTem mais uma grandona pra lavar”

Arthur Chaves, olhos brilhantes e postura de gente grande, também tem o que dizerConta que, em casa, já consegue cuidar sozinho dos jabutis Sombrinha e FloquinhoJoão Vítor exibe o cartão feito no molde de sua mão, desenhado com flores na ponta dos dedos, pronto para tocar o coração de alguémMarcela Fidelis, a doçura em forma de gente miúda, tem uma pergunta: “Você já sorriu hoje?”Como não, Marcela? “Eu tô sorrindo toda hora”, responde um mocinho do fundo, em tom de brincadeiraRafael Andrade revela que arruma a cama e faz o dever de casa sozinho.

Giovana Lott, ajuda a cuidar do irmãozinho, ainda bebê, e diz que gosta de cantar para as irmãs idosas, abrigadas no conventoMaria Luiza quer ser ainda mais solidária: “Vou pedir para a minha mãe pegar as minhas roupas de quando eu era nenémA gente vai doar para os pobres”, afirmaAs crianças, atentas umas às outras, querem participar da conversaThiago Tavares, sem perder a meninice de sua estatura, faz carinha séria e diz que a maior lição que tem aprendido com a professora Annelise é “respeitar as pessoas e obedecer”
Fernanda Chaves, a mocinha doce do “paz e bem”, demonstra cuidado com as ações mínimas que fazem muita diferença: “A gente não deve jogar lixo no chão nem chutar as pessoas”, ensina.

No meio da conversa, pausa para a cantoria em coro, puxada por Fernanda: “É sinal de educação/ Fazer sua obrigação/ Para ter o seu direito de pequeno cidadão”A letra é do cantor, compositor, escritor e poeta Arnaldo Antunes, é a inspiração da educadora Annelise, que, dentro de seu projeto pedagógico, tem trabalhado três canções do CD Pequeno cidadão, lançado em 2009Na porta de entrada, pequena biografia do multiartista Nas paredes da sala de aula, as letras escritas no papel para ninguém fazer feio na hora de cantar ou transformar em atitudeA hora mais esperada: a visita ao Convento São Francisco, vizinho na avenidaTodos de mãos dadas para a cruzada do bem e vencer o portão.

RESPEITO, GRAÇA, PAZ E BEM Nos jardins internos do número 547 da Avenida Carlos Luz, três rosas cor-de-rosa se destacamOs pequenos se espalham, respeitosamente pelo espaço de paz e bemA irmã de hábito e bengala avança rumo ao pátio em florIrma Suzana de São Miguel, de 90, sorri“Boa tarde! Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristo!”, ela diz“Para sempre seja louvado”, responde o coro infantil“O retrato com vocês vai enfeitar o meu álbum”, completa a irmãOs meninos fazem festa com todo o respeito que dão contaOs mais serelepes brincam além da conta e são chamados à atençãoFernanda e Gabriela Gonçalves ensaiam número de dança em pas de deux animado para as freiras.

Enquanto o “show” da dupla não fica pronto para ser mostrado, alguns garotos “presenteiam” Irma Nair, de 85, com sementes colhidas no quintalFazem galhardia com tudo o que acham belo encontrado no gramadoQuerem agradar e marcar presença na visitaNascida em Bom Jesus do Amparo, Região Central de Minas Gerais, Irma Nair diz ficar sempre contente com a visita da garotada“É com muita alegria que recebo o carinho das crianças”, diz a boa senhora dos cabelos de algodãoPouco a pouco a plateia de irmãs vai se formando para o duo improvisado pelas duas “estrelas bailarinas”.

Irmã Salete Lazzarotti, de 82, acompanha e auxilia Annelise e seus 22 pupilos durante a visitaOrgulhosa do trabalho exemplar de doação e transformação, a religiosa conta quase 60 anos de devoçãoObserva com carinho o pátio tomado pelos jovens alunos“Trabalhos assim, de conscientização, são importantesQuanto antes as crianças tomam conhecimento do que deve e o que não deve ser feito, melhor é para todos”, consideraHora da performanceNaquela estatura da boa vontade, duas gerações tão distantes – os pequenos da boa ação e as gigantes da fé –, reunidas, nem era preciso ser bonita a apresentaçãoPerfeito, ali, é o exemplo, palmas de muitas mãos.