(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Número cada vez maior de idosos têm optado por viver sozinhos

Mesmo longe dos filhos e netos, eles encontram conforto e segurança


postado em 29/04/2012 07:29 / atualizado em 29/04/2012 07:44

Maria José de Souza Oliveira, de 86 anos, e a filha Luciana:
Maria José de Souza Oliveira, de 86 anos, e a filha Luciana: "Deixei cada uma seguir seu caminho. Agora é minha vez, também quero morar sozinha", afirma muito bem instalada no resort que escolheu para viver (foto: Cristina Horta/EM/DA Press)


Se, na juventude, eles deixaram a barra da saia dos pais para formar a própria família, agora, com mais de 60, deixam a própria família em busca de mais independência. Com a chegada do país à maturidade, idosos brasileiros têm feito o movimento de sair de casa pela segunda vez para morar sozinhos, seja em quitinetes, hoteis ou mesmo resorts preparados especialmente para recebê-los. “Minhas duas filhas saíram de casa cedo, aos 18 anos. Deixei cada uma seguir seu caminho. Agora, é a minha vez. Também quero morar sozinha”, comunica Maria José de Souza Oliveira, de 86 anos, abrindo um largo sorriso. A aposentada deixou o cômodo construído especialmente para ela na mansão de uma das “meninas” e transferiu a mobília para um resort especializado em hóspedes da terceira idade, inaugurado há 20 dias em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Desde o início da construção desse hotel de luxo para idosos, há 10 anos, Maria José sonha com o dia da inauguração do espaço, que conta com piscina aquecida, sala de pilates, cinema, capela, serviço de fisioterapia e salão de beleza. “Sinto falta da minha filha, mas lá na casa dela não tenho com quem conversar. Ela e meus dois netos trabalham o dia inteiro e não têm tempo nem para almoçar. Aqui, tenho com quem conversar”, revela a aposentada, que, antes de se decidir, pesquisou iniciativas semelhantes no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. “Não passam de asilos de luxo. Aqui não, é diferente”, diz a mulher, fazendo rir a turma de novas amigas, todas na mesma faixa etária.

Com 14 mil metros quadrados, incluindo lago e pomar, o empreendimento Solar dos Rosas, com 42 apartamentos, foi bancado pela congregação italiana das Irmãs Discípulas de Jesus Eucarístico, que chegou ao Brasil há 61 anos com a missão de atender crianças carentes. Com a transformação social do país, que envelheceu e se tornou mais próspero, as irmãs modificaram o foco de atuação. “Antes, a carência era material. Agora, os idosos têm mais dinheiro, mas falta presença, carinho, conversa. Estamos tentando criar aqui um verdadeiro lar para eles”, afirma a irmã Edna Corrêa Soares, diretora do hotel.

O novo projeto de vida de Maria José conta com o apoio da outra filha dela, a empresária Luciana Oliveira Smith, de 50, que vive há 15 anos na Nova Zelândia. Luciana explica que, naquele país, os filhos já compram de antemão o passe para as melhores casas de apoio para idosos. “As melhores têm fila de espera e quem não pode pagar tem subsídio do governo”, afirma a empresária, que está passando as férias com a mãe no Brasil. Por enquanto, Maria José apenas tira o dia descansando no hotel e vai embora à tardinha.

Dona Anita Hermont Rocha, de 87 anos, optou por morar sozinha para ter privacidade e não tirar a liberdade dos filhos(foto: Cristina Horta/EM/DA Press)
Dona Anita Hermont Rocha, de 87 anos, optou por morar sozinha para ter privacidade e não tirar a liberdade dos filhos (foto: Cristina Horta/EM/DA Press)


“Meu motivo é outro. Quero ter minha privacidade e respeitar a privacidade dos meus filhos”, revela Anita Hermont Rocha, de 87, bengala e coque prateado coroando a excelente memória. Muito séria, explica já ter colocado à venda a casa da família, na mesma cidade de Lagoa Santa, onde morou nos últimos 18 anos. Viúva de médico, ela decidiu pagar caro pela liberdade. Escolheu a melhor opção para descansar. O apartamento duplo no Resort & Residence Solar das Rosas custa a partir de R$ 3,8 mil por mês e o individual, a partir de R$ 5,8 mil mensais.

Autonomia

Quem decide se quer morar sozinho, se deseja viver em um hotel ou se aceita mudar para o quarto dos fundos da casa dos filhos é sempre o idoso. Segundo especialistas da área de geriatria, não existe limite de idade para decidir o rumo da própria vida e a autonomia de cada um deve ser respeitada. “Tenho uma aluna com mais de 80 anos que faz dança do ventre, joga tênis e cursa a faculdade da terceira idade. Se preciso dar uma aula extra, tenho de agendar com antecedência, pois ela nunca tem tempo livre”, comenta a psicóloga Ana Cristina Pergoraro de Freitas, coordenadora da PUC Mais Idade, projeto de universidade da terceira idade da PUC Minas. Segundo ela, é importante interagir com a nova rede de amigos do clube, da paróquia, da associação de bairro ou da praia.

“Vivemos uma fase de transição no Brasil, que ainda não pensou em gerar formas alternativas de morar para os idosos. Nas décadas de 1940 a 1960, as famílias eram numerosas. Hoje, são formadas de dois a três filhos, a mulher também trabalha e não fica mais disponível para cuidar dos pais”, alerta a enfermeira Luzimar Rangel Moreira, especialista em gerontologia. Segundo ela, a imensa maioria das pessoas acima de 60 anos está ficando sozinha em casa, bancando os custos da residência e ajudando a tomar conta dos netos.

Somente 1,6% dos idosos de Belo Horizonte viviam em instituições de longa permanência, de acordo com o último levantamento feito na capital, em 2006. “O fator que determina a capacidade de morar sozinho não é a idade, mas sim a lucidez e a existência ou não de uma doença incapacitante”, completa a enfermeira, sócia de uma empresa de internação domiciliar na capital.

“Um dia, um paciente entrou no meu consultório e confessou seu pavor de que algum dia precisasse de ajuda para lhe trocarem a fralda quando ficasse mais velho. Respondi a ele que pior ainda seria precisar trocar a fralda e não encontrar ninguém para fazer isso”, afirma o psiquiatra e homeopata Aloísio Andrade, casado e sem filhos. Além de abonar a consulta do tal paciente, o médico começou desde aquele dia a idealizar uma maneira de resolver o problema do cliente, dele próprio e de todos nós que estamos envelhecendo. Andrade pretende angariar o patrocínio de uma grande empresa para lançar um plano de aposentadoria conjugado a um pacote de hospedagem futura.


“Serão grupos de pessoas de um mesmo perfil, uns por gostarem de lambada e outros de música clássica, que vão pagar pela garantia de ter um lugar para envelhecer em segurança, nas mãos de bons médicos e cercados de amigos com os mesmos interesses. Pode ser um condomínio de pessoas, desde que haja uma auditoria contratada”, propõe.

Palavra de especialista

Psicóloga Anna Cristina Pegoraro de Freitas, coordenadora do Programa PUC Mais Idade – Universidade para Idosos

Ter um projeto de vida é essencial


“Geralmente, as pessoas não se percebem velhas e só se dão conta da sua idade quando alguém a chama de senhora ou cede o lugar para ela sentar. Mas elas precisam continuar vivendo com um propósito. Nossa orientação é manter o máximo possível o idoso no seu espaço, se necessário na companhia de um cuidador, fazendo com que ele não perca suas referências. É mais coerente do que deslocá-lo para a casa de um filho ou para outro espaço. Esse movimento só é indicado quando ele começa a perder sua capacidade funcional ou a apresentar uma doença incapacitante, como a demência. O ideal é que ele possa continuar a cozinhar, limpar a casa, tomar suas medicações e gerenciar sua própria vida.”


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)