Jornal Estado de Minas

Prédios no Centro de BH são reféns do descaso

Moradores e comerciantes se mobilizam pela revitalização de imóveis da área central de BH, mas esbarram na própria falta de recursos e no desinteresse do poder público

Flávia Ayer

Prédios têm fachada em mau estado de conservação nas esquinas das ruas da Bahia e Carijós - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. Brasil

Se Belo Horizonte fosse como o corpo de um fumante, provavelmente o Centro da cidade seria seu pulmão, fundamental à existência, mas castigado por muitas camadas de fuligemA comparação se deve aos arranha-céus encardidos pelo acúmulo da poeira preta e edifícios degradados pela ação do tempo e de pichadoresNa tentativa de dar vida nova e retomar o vigor de uma das primeiras áreas ocupadas na capital, moradores e comerciantes cobram incentivo da prefeitura, por meio de isenção fiscal ou patrocínio, para recuperação e pintura das fachadas de prédios do HipercentroA área beneficiada seria a limitada pelo Viaduto Santa Tereza, passando pela Avenida do Contorno, Praça Raul Soares, Rua Timbiras e Avenida Afonso Pena, onde ficam seis conjuntos urbanos protegidos.

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Reivindicação antiga de associações comerciais e de moradores, o assunto voltou a ser discutido na terça-feira em audiência pública na Câmara Municipal“É triste ver o quanto o Centro é belo e maltratado”, afirma um dos moradores a frente da reivindicação, o economista Antônio de Pádua Galvão, de 51 anos, há 35 no Centro“As famílias que moram na região são formadas por pessoas mais velhas, que sofrem perda de renda e não conseguem mais investir no patrimônioMas, além de prédios particulares, há muitos edifícios públicos, como o do Laboratório Central, na Rua dos Caetés, em mau estado de conservação”, diz

Com a mobilização, o intuito é emplacar o Projeto de Lei 589/2009, de autoria do vereador Adriano Ventura (PT), vetado pelo prefeito Marcio Lacerda, que considerou o assunto de competência exclusiva do ExecutivoO texto cria o Projeto BH Parceiros da Revitalização Econômica e Pintura dos Prédios Públicos e Privados do Hipercentro e concede renúncia fiscal de até 50% ao contribuinte para que o valor seja revertido na recuperação dos edifícios

Vice-presidente da Associação Comercial de Minas (ACMinas), Cláudia Volpini lembra que a maior parte do Centro tem proteção do Patrimônio Histórico e Cultural do município, que exige cuidado especial com os prédios“Mesmo não sendo tombados, há exigência de que prédios mantenham características, demandando custo maior”, ressalta.

Cláudia lembra que, num momento em que a prefeitura se volta para a requalificação de tantas áreas, como a Savassi e os corredores de trânsito, seria oportuno investir também na área central

“O comércio do Centro deu início à economia da cidadeAlém disso, toda a história de BH passa pelo Centro, o melhor lugar para as pessoas perceberem o espírito de uma cidade”, diz

A conselheira do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG) Cláudia Pires considera legítima a iniciativa de o poder público colaborar com quem trata bem do patrimônio“É uma maneira de valorizar o turismo, a históriaO Centro de BH, primeira cidade a ser planejada no país, é a cara de um pensamento urbanístico do fim do século 19, inspirado em cidades como Washington (EUA) e La Plata (Argentina)”, conta.

IMPORTÂNCIA HISTÓRICA

Síndico do Edifício Victor Purri, em cima do Cine Regina, na Rua da Bahia, Geraldo Viana Filho é um dos interessados em contribuir com a perpetuação dessa história“Nosso prédio foi um dos primeiros a ter varandas na cidadeTem também trabalho muito interessante de serralheria, pois foi construído por uma família de serralheiros”, contaMas as boas intenções esbarram no caixa“Com 117 unidades, a recuperação da fachada do prédio ficaria em R$ 400 mil, as pastilhas estão caindo e a parte de trás precisa de uma pinturaMas 65% moradores do prédio é de aposentados que têm a renda comprometida”, conta
O perfil da ocupação do edifício é comum no restante do CentroDe acordo com o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de um quinto dos 16,2 mil moradores da região têm mais de 60 anosAlém disso, mais de 50% dos domicílios têm rendimento mensal de R$ 1.020, quase a metade do rendimento médio da cidade, de R$ 2 mil por mês

O empobrecimento da população é também o retrato de uma região que galgou capítulos de glória e hoje tenta sair da decadência Movimentado desde a inauguração da nova capital, em 1897, o Centro reunia a maior parte do comércio de BH e, em 1935, recebeu o primeiro arranha-céu da cidade, o Edifício IbaetéA partir dos anos 1960 e 1970, famílias mais elegantes deixaram de procurar a região para fazer compras.

Outro baque ocorreu na década de 1990, com a abertura de vários shoppings em BHNaquela época, a prefeitura tentou dar novo impulso, com a retirada dos camelôsEm 2004, começou o programa Centro Vivo, para requalificar ruas, melhorar a passagem de pedestres e a segurançaAtualmente, a revitalização parte de iniciativas privadas, como a revitalização do Cine Brasil, além de antigo prédio abandonado, na Avenida do Contorno, que será transformado em hotel cinco estrelas Ao longo de todo o dia de ontem, o EM entrou em contato com a prefeitura, que não quis comentar o assunto.