Jornal Estado de Minas

Cidades mineiras disputam imagem de São Francisco de Paula

Divinópolis diz que emprestou a peça sacra, mas Pitangui afirma ter recebido uma doação

Simone Lima

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Uma imagem de São Francisco de Paula foi transformada em estopim de uma verdadeira “guerra santa” travada entre Divinópolis e Pitangui, no Centro-Oeste de MinasA briga para saber quem é o verdadeiro dono da peça sacra dura mais de 10 anos e não tem previsão para acabar Representantes das duas cidades garantem que estão aptos a cuidar e oferecer segurança a imagem de devoção, cuja autoria e data em que foi esculpida são desconhecidasEm meio à discussão, os municípios chegaram a oferecer, um ao outro, uma cópia da imagemNo entanto, nenhum deles tem interesse em mostrar aos fiéis uma réplica no lugar da original Dessa forma, o impasse continua sem solução.

A imagem do santo padroeiro dos marinheiros, que antes ficava na Paróquia Divino Espírito Santo, em Divinópolis, foi entregue ao Instituto Histórico de Pitangui em 1974Na época, o bispo dom Cristiano Portela considerou necessário dar um lugar seguro às relíquias das paróquias vinculadas à dioceseImagens e vários objetos de cidades do Centro-Oeste foram entregues a Pitangui, a fim de se criar um Museu de Arte Sacra na regiãoA polêmica começou quando a cidade de origem quis a peça de volta e teve o pedido negadoA justificativa dos atuais responsáveis por São Francisco de Paula é de que a escultura está em um lugar seguro, onde dificilmente sofrerá ações de vândalos ou será roubada.

Dirigentes do Instituto Histórico de Pitangui garantem que o São Francisco de Paula – esculpido em madeira, com 85 centímetros de altura e 33cm de largura – foi doado ao município pela Paróquia Divino Espírito Santo, e não emprestadoO vigário-geral da Diocese de Divinópolis, monsenhor José Carlos de Souza, contradiz essa afirmação: “O documento que temos fala que a imagem foi entregue para ser incorporada ao acervo do museu, e não doada
O bispo não poderia doar – como não doou – a imagem, uma vez que ela pertence à igreja e não a uma pessoa específicaIsso iria contra as próprias leis canônicas”, diz.

Monsenhor Souza ressalta que o maior agravante nessa história é que o Instituto Histórico de Pitangui conseguiu o tombamento municipal da peça há cerca de dois anos, mesmo sem a autorização da igreja“A imagem foi emprestada para fazer parte do acervo do Museu de Arte SacraNo entanto, ela foi tombada e faz parte do acervo do Museu Histórico de PitanguiNa minha opinião, você só pode tombar algo que é seu, e a imagem não é delesNa época, chegamos a fazer um documento dizendo que éramos contra esse tombamento, mas o texto foi desconsiderado”, afirma.

O vigário-geral de Divinópolis conta que a imagem tem grande importância para os católicos da cidadeEle lembra que em 1767 foi erguida a primeira capela no município, que recebeu o nome de Divino Espírito Santo e São Francisco de PaulaA pequena capela, onde o santo ficava exposto, se tornou paróquia e é hoje a catedral de Divinópolis.

“Não estamos cultuando a imagem, e sim a tradiçãoTemos esse histórico de devoção a São Francisco de Paula na cidade, que tem sido resgatado, e por isso a importância de trazer a imagem de volta”Monsenhor Souza acrescenta ainda que a cidade tem total condição de cuidar da escultura
“Eles não podem afirmar que a catedral não conseguiria oferecer condições seguras para obra, uma vez que não conhecem as condições que podemos darEles tombarem a peça dificulta um pouco esse processo, mas não significa uma desistênciaJá oferecemos a eles uma réplica no lugar da original, mas não aceitaram”, declara.

Doação

Fundadora do Instituto Histórico de Pitangui e professora universitária de história e antropologia Adelan Maria Brandão discorda da opinião do vigário-geral de DivinópolisEla confirma que a imagem foi uma doação e rebate: “Quando uma peça está em um museu, ela não é patrimônio de uma cidadeÉ patrimônio da humanidadeCidades de toda região fizeram doações para o acervo e apenas em Divinópolis tivemos esse problemaSe todos que doaram algo para um museu começarem a pedir as peças de volta, não haverá mais um espaço para esse fim”, diz.

Por enquanto, a disputada imagem de São Francisco de Paula está sendo restaurada no ateliê do Grupo Oficina de Restauro, Belo Horizonte, junto com outras imagens do Museu Histórico de PitanguiA sede, onde ficará o acervo, está sendo reformadaO casarão do final do século 18, onde viveu a lendária Joaquina de Pompéu, ficará pronto em seis mesesCom a obra finalizada, as 155 peças poderão novamente ser vistas pelo público.

Segundo o presidente do Instituto Histórico, César Miranda, o órgão pode oferecer mais segurança e condições adequadas de preservação da imagem “O que podemos fazer é entrar em um acordo com Divinópolis e enviar uma réplica da imagem para elesA maior parte das igrejas tem hoje réplicas das imagens, justamente por causa dos casos de furtos”, explica.

Enquanto Igreja e historiadores não definem quem vai ficar com a escultura, fiéis das duas cidades mantêm opiniões diversasDevotos de Pitangui acreditam que, se a imagem está na cidade há quase 40 anos, não há motivos para retirá-la de lá agoraÉ o caso da dona de casa Rosângela Auxiliadora Ribeiro Costa, de 41 anosDevota de São Francisco de Paula desde criança, ela acredita que levar a estátua seria um desrespeito aos católicos da cidade, que vêem na peça uma parte de seu passado“Esta imagem faz parte de nósEstá aqui há tanto tempo e sendo tão bem cuidadaPor que querem levá-la embora?”, questiona.

A mesma opinião é compartilhada pelo motorista José Lopes Viana, de 69 anos Católico fervoroso, ele também acha que Pitangui cuidará melhor do santo“Aqui o espaço é feito para isso: cuidar das relíquiasÉ bobagem tirar a imagem daqui”, afirmaJá em Divinópolis, a conversa é outra: fiéis acreditam que a cidade precisa reivindicar a peça e colocá-la de volta no altarMaria Auxiliadora Diniz, de 56, acredita que a volta de São Francisco de Paula seria um marco para os fiéis“Ele é o segundo padroeiro da Paróquia do Divino Espírito SantoMuitos devotos estão ansiosos para ver de perto essa estátua, que simboliza o início do catolicismo na cidadeEstamos nessa expectativa.”