Imagine pegar a avenida mais movimentada de uma cidade onde a concentração de carros por metro quadrado já equivale à de São Paulo e reduzir a capacidade dessa via praticamente à metade. Parece um pesadelo para quem usa carro ou transporte coletivo? Pois ele se tornou real às 16h dessa quinta-feira, na Avenida Cristiano Machado - que pela primeira vez aparece no ranking da BHTrans como a campeã de tráfego na capital. Foi nesse horário que as pistas exclusivas para ônibus rumo ao Centro foram desativadas, obrigando 365 coletivos por sentido/hora, no horário de pico, a dividir espaço com carros de passeio, caminhões, vans, motos e táxis. A mudança, para obras do sistema de transporte rápido por ônibus (BRT, na sigla em inglês), deveria ter sido implantada à 0h, mas o potencial de confusão era tamanho que levou a própria prefeitura a adiar a medida. Com isso, os problemas se agravaram no horário de pico da noite, transferindo para a manhã de hoje a prova de fogo da alteração, que deve durar até a liberação da nova estrutura, prevista para março do ano que vem. Para avaliar o que sofrerão nos próximos meses os motoristas que se aventurarem pelas pistas que cortam cinco regiões da cidade (Nordeste, Leste, Pampulha, Norte e Venda Nova), a reportagem do Estado de Minas passou 12 horas, das 6h às 18h de ontem, na avenida. Constatou, em meio a engarrafamentos, batidas, impaciência e muito cansaço, que dias piores virão: o último trecho da chamada bus way, entre a Avenida Silviano Brandão e o complexo da Lagoinha, ainda será fechado.
As obras que nunca terminam, os tapumes que estreitam a pista, os ônibus e veículos de pequeno porte dividindo o mesmo espaço, uma frota em franca expansão e a falta de paciência de motoristas e pedestres. Esses são os ingredientes que integram a paisagem na Cristiano Machado. Na avenida cada vez mais abarrotada de veículos, principalmente graças à expansão do Vetor Norte, congestionamentos param o tráfego nos horários de pico, mas o fluxo de trânsito é intenso desde as primeiras horas do dia.
No horário em que a equipe do EM chegou à avenida, o trânsito no sentido Centro já era intenso, porém, sem nenhuma retenção. A situação começa a piorar às 6h40, quando o aumento do número de veículos provoca congestionamento e derruba a velocidade de deslocamento. Ontem, quem se preparou para encontrar os ônibus já fora das pistas exclusivas, como previa a BHTrans, teve alívio ao menos pela manhã.
Gente como o comerciante Nivaldo de Campos, de 43 anos, que saiu de casa mais cedo, prevendo o pior. "No outro sentido, carros e ônibus já estão misturados, o que causa uma lentidão muito grande no pico da tarde. Hoje (ontem), fiquei com medo de ficar preso, pois ouvi que as mudanças já estariam valendo", disse ele. Poucos carros depois, próximo à passarela do Bairro da Graça, Nordeste da capital, onde já eram sentidos os reflexos da retenção no Túnel da Lagoinha, o condutor Gilberto Eustáquio estava desanimado. "A hora que fecharem essa pista de ônibus para o Centro, só com helicóptero para sair de casa", afirmava, indignado com a lentidão.
Para o doutor em engenharia de transporte da empresa de consultoria Imtraff, Frederico Rodrigues, os reflexos da mudança do local por onde circulam os ônibus em virtude das obras serão sentidos principalmente pelos passageiros de coletivos. "Como o trânsito dos carros já é um gargalo, o maior impacto será percebido pela população que usa o transporte coletivo, que é a maioria. Essas pessoas, que estão acostumadas a se locomover mais rápido pela pista exclusiva, agora vão ficar retidas nos engarrafamentos em que já ficavam os carros de passeio", avalia o especialista.
A diarista Ana Maria Sousa, 54 anos, já sabe que será uma das prejudicadas. Do Centro para sua casa, no Bairro São Benedito, em Santa Luzia, na Grande BH, gasta cerca de duas horas e meia, pois passa pelo trecho que sofre com as obras e com o tráfego de todos os veículos juntos. "Pelo visto, vou precisar acordar às 4h30, para pegar o ônibus de 5h45. Só assim vou conseguir chegar aos locais onde faço faxina", reclama.
Durante a manhã, os problemas de retenções na avenida se concentram nas pistas em direção ao Centro. Os motoristas sofrem com os gargalos do Complexo da Lagoinha, Minas Shopping, acesso aos bairros Dona Clara e Jaraguá (Pampulha), cruzamento da Cristiano Machado com as avenidas Waldomiro Lobo e Vilarinho. Cada um desses pontos tem particularidades, mas todos sofrem com as obras do BRT.
Se usuários de ônibus e motoristas estão revoltados com os reflexos das obras e a falta de opções oficiais para fugir dos transtornos, o gerente de Ação Regional Norte/Nordeste da BHTrans, Luiz Fernando Libânio, acredita que o impacto dos ônibus misturados aos carros no sentido Centro tende a ser absorvido. Para ele, foi o que aconteceu no sentido contrário, que já recebe todos os veículos desde dezembro do ano passado. Porém, ele admite que a situação deve ficar pior quando a interdição da pista de ônibus se der da Avenida Silviano Brandão até o Centro.
"Os ônibus vão ter que acessar o Centro pelo túnel da Lagoinha, junto com os outros carros. Não tem outro jeito", afirma. A BHTrans também informa que os ônibus convencionais não voltam mais à bus way. A partir de agora, resta esperar que eles sejam retirados da região entre a Estação São Gabriel e o Centro, já que nesse trecho só vão rodar os coletivos do BRT. Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), o BRT Cristiano Machado está previsto para ficar pronto em março de 2013.
RANKING DO ENGARRAFAMENTO
Avenidas mais movimentadas de Belo Horizonte
* 125 mil veículos/dia – Cristiano Machado (365 ônibus/hora em cada sentido nos horários de pico, sendo 70% na bus way. Isso significa que 255 ônibus por hora durante os horários de pico vão sair da bus way para a pista mista);
* 95 mil veículos/dia - Nossa Senhora do Carmo
* 80 mil veículos/dia - Antônio Carlos
* 80 mil veículos/dia - Amazonas
* 75 mil veículos/dia - Via Expressa
* 70 mil veículos/dia - Afonso Pena
VEJA REPORTAGEM HOJE NO JORNAL DA ALTEROSA PRIMEIRA EDIÇÃO SOBRE O CAOS NA AVENIDA CRISTIANO MACHADO, LOGO DEPOIS DO ALTEROSA ESPORTE