Jornal Estado de Minas

Médico afirma que uso de armas taser pode matar

Mortes causadas pela pistola taser levantam discussão sobre o uso pela polícia, principalmente contra pessoas com problemas cardíacos

Junia Oliveira

Guarda municipal com pistola na cintura na Praça da Liberdade: são 200 armas com os agentes da capital - Foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS

A pistola taser entra aos poucos no cenário da segurança pública em Minas Gerais como grande inovação em armamentos São 560 equipamentos nas mãos de policiais militares de BH e da região metropolitana e 200 com a Guarda MunicipalEm breve, o interior do estado também receberá a pistola de eletrochoque cuja finalidade é imobilizar suspeitosMas a nova arma considerada não letal é alvo de controvérsia depois de dois casos recentes de morteSegundo especialistas, ela pode matar, simNa madrugada de domingo, um homem de 33 anos morreu em Florianópolis (SC) depois de ser imobilizado por uma pistola taser durante ocorrência policial sobre briga domésticaNo dia 18, um turista brasileiro morreu na mesma circunstância em Sydney (Austrália).

As primeiras armas do estado foram entregues ano passado pelo Ministério da JustiçaAlém da PM e da Guarda Municipal, Varginha, no Sul do estado, recebeu 30 pistolasEm Uberaba, a Guarda Municipal também recebeu 100 pistolas taserA assessoria da Guarda de BH informou que o taser é usado em último caso, depois de frustradas todas as tentativas de parar o suspeito com outros métodos, como a força física e spray de pimentaAcrescentou que a arma já foi usada na capital, mas sem registro de excessos.

O chefe do Centro de Treinamento Policial, da PM, major Márvio Cristo, afirma que o taser é tema dos treinamentos constantes na corporação
“É uma tendência mundial e alternativa operacional, usada dependendo da necessidade”, afirma Desde a chegada das armas, em julho de 2011, foram usadas sete vezes, das quais quatro pela Guarda Municipal“Elas têm um chip que registra o uso”, informou o major.

Para o coordenador do Departamento de Arritmologia do Hospital Vera Cruz, cardiologista Geraldo Magela Alvarenga Júnior, o correto seria tratar a arma como “menos letal”“Ela tem um risco, sim e, dependendo do caso, pode matar, principalmente os cardiopatas ou quem tem arritmia cardíaca”, alertaEle explica que assim como os choques são usados nos pacientes com arritmia para tirá-los desse estado, podem também provocá-losE adverte: quanto maior a frequência dos choques ou quanto mais próximo do coração, maior a probabilidade de morte

Em dois casos graves de arritmia, o coração pode parar instantaneamente: fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sustentadaEm ambas as situações, o ventículo é atingido e para de contrair, não bombeando mais sangue para o cérebro e outros órgãos“É como se ele fosse uma mão que se fechaNa fibrilação, ele fica tremendo e, na taquicardia, nem isso”, relata


“Quando os ventrículos são atingidos a ponto de gerar uma parada, sem fluxo para o cérebro, a pessoa desmaia, tem uma síncope e se o coração continuar parado, sem manobras de ressuscitarão, como massagem cardíaca ou respiratória, começa a ter uma isquemia dos órgãos, inclusive do cérebroA cada minuto nessa situação, tem 10% de chance a menos de se salvar.”

Para o médico, os efeitos da arma em seres humanos deveriam ser mais bem estudados antes do uso pela segurança pública ou, onde ela já está presente, ser até mesmo suspensa, como cautela para evitar novas mortes“Desconheço um trabalho científico para testar isso em humanosComo usar uma pessoa para dar alguns choques e ver a repercussão? O trabalho para comprovar o malefício ou não do taser, do ponto de vista ético, é complicado.”

Casos
A 8ª Delegacia de Polícia de Florianópolis investiga A morte do assistente de controladoria Carlos Barbosa Meldola, de 33 anos, imobilizado pela polícia por uma taserNa madrugada de domingo, ele morreu durante abordagem policialA mulher dele, uma administradora de empresas de 31 anos, sentiu-se ameaçada e chamou a PMOs policiais encontraram Meldola aparentemente sob efeito de drogas e descontrolado dentro do apartamentoTentativas de diálogo não foram suficientes e os policiais decidiram usar as algemasComo último recurso, eles usaram a taser que, segundo, a companheira, foi disparada três vezes até que o homem se escorou em uma parede, sem reaçãoOs policiais tentaram reanimá-lo sem sucessoO delegado Antônio Cláudio Jóca, da 8ª Delegacia de Policia, sediada no bairro Ingleses, informou que pretende concluir o inquérito em 30 dias.

Um caso semelhante ocorreu na Austrália no dia 18O brasileiro Roberto Laudisio, de 21 anos, foi morto por policiais em SydneyEle teria entrado numa loja de conveniência pedindo ajuda, porque estaria sendo perseguido por ter supostamente furtado pacote de biscoitos, Laudisio foi abordado pela polícia e teria reagidoEle morreu na calçada, depois de receber os tiros de taser Estudante da PUC-SP, morava na Austrália desde 2011, onde estudava inglês e jogava futebolO corpo só deve chegar ao Brasil daqui a duas semanas(Com agências)

Anistia também condena a arma
O taser é tema de acalorados debates mundo aforaRelatório da Anistia Internacional questiona o uso da arma no Estados Unidos – foram mais de 500 mortes no país desde 2001Na França, ação judicial movida pela organização Raidh – Réseau d’alerte et d’intervention pour les droits de l’homme (Rede de alerta e de intervenção para os direitos do homem, na sigla em francês) – resultou na proibição do uso do taser pelas polícias locaisNa Austrália também se cogita abolir o equipamento depois da abordagem policial desastrada que resultou na morte do brasileiro na semana passada.