Jornal Estado de Minas

Sem luz no fim do túnel

Mineiros que vivem no escuro não têm perspectiva para chegada da energia

Luz é esperada por muitos há mais de 10 anos. Já nas ruas de BH, o que falta é sintonia na marcação do tempo

Paola Carvalho

Primeiro pedido de ligação feito por Zé da Mata foi há 12 anos, mas engenheiros não trouxeram energia - Foto: Fotos: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press



Catas Altas – Este era para ser um ano de transformações na vida de Ailton Acácio da Paixão, morador de Catas Altas, na Região Central de MinasEra"O engenheiro veio aqui e disse que a luz ia chegar até dezembro de 2011", contaSe a promessa fosse cumprida, garantiria a construção da tão sonhada casa de alvenaria para "encher com a família", hoje separada pela falta de energiaÉ o que falta também para as famílias de Benedito Arantes, conhecido por seu Nonô, de 56 anos, e de José Maria da Mata, de 58, o Zé da Mata, que vivem na área rural de Catas Altas e esperam há pelo menos 12 anos na escuridão.

Segundo a Cemig, o fim dessa espera depende da nova fase do programa Luz para Todos, com aval do governo federalDe acordo com concessionária, nas suas três primeiras etapas, o projeto eletrificou cerca de 285 mil domicílios de famílias rurais, quase três vezes a quantidade original prevista, que era de 105 mil moradias, abrangendo os 774 municípios da área de concessão da empresa, nos quais há hoje 7,2 milhões de consumidores atendidosO investimento total em todo o período do programa, de 2004 até 2011, foi de cerca de R$ 3 bilhões, sendo 23% da União e 77% da Cemig e do governo de Minas.

Pelas previsões da companhia energética, se o programa tiver continuidade, a empresa atuará em 517 municípios de sua área de concessão neste ano e em 2013Cerca de 70% dos atendimentos previstos serão em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a exemplo das regiões dos Vales do Mucuri, Jequitinhonha, Noroeste e NorteO planejamento por município, conforme a companhia, não foi concluídoAssim, os possíveis beneficiados pela autorização ainda não são conhecidos.

O Ministério de Minas e Energia informou que as famílias que ainda não dispõem de energia elétrica em suas casas serão atendidas pelo programa federal, nos termos do Decreto 7.520/2011, ou pela universalização do sistema de distribuição, nos dois casos sem custo para os consumidores“O Luz para Todos está em fase de planejamento, definindo, em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Social, os pedidos de novas ligações para atendimento das famílias mineiras, com foco na população localizada na faixa da extrema pobreza.” Por meio de nota, a pasta destacou que todo cidadão morador da zona rural brasileira tem o direito de ser atendido sem custo, “bastando fazer o pedido junto à concessionária local”.

Mas o pedido de ligação elétrica foi feito por Zé da Mata há 12 anos
Desde então, ele já perdeu as contas de quantos engenheiros visitaram a casaNenhum trouxe a luz“Eu morei 40 anos aqui, 40 anos na cidade e, nesse tempo, nada mudou”, lamenta a sogra dele, Francisca Romana Pereira, de 80 anos Ela vive com o genro, que constrói nova casa em sua propriedade Dividindo seu tempo entre o campo e o arraial, ela aguarda a chegada da energia para fixar moradia de vez no lugar onde nasceu e onde quer terminar a vida“Aqui, a gente vive à base de lamparina a querosene, fogão a lenha e canecoNa minha idade, não dá para ser sempre assim maisMeu marido, por exemplo, tem diabetesE sem geladeira para guardar a insulina, ele não pode me acompanhar”, suspira

Da varanda da casa recém-construída, seu Nonô avista no alto da montanha o último poste da rede que atende a comunidade de Emical, a 10 quilômetros do Centro de Catas Altas
“Não acredito que parou ali, tão perto”, diz Funcionário da prefeitura, ele reza para Santo Antônio e Nossa Senhora para ver realizado o sonho de trocar o lampião pela lâmpadaÉ do que precisa para se mudar com a mulher para o terreno que herdou da família, onde em todos os fins de semana cuida da plantação e se diverte no córrego que atravessa a propriedade.

 

Benedito vê de longe os postes que atendem a comunidade vizinha: "Não acredito que parou tão perto" - Foto: Fotos: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press