Jornal Estado de Minas

União entre dois homens consumada em cartório surpreende moradores de Manhuaçu

Casal diz que nunca sofreu preconceito, mas evita andar de mãos dadas nas ruas

Tiago Padilha

Cerimônia inusitada em um cartório da cidade atraiu curiosos, que apoiaram ou criticaram a união gay - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press.


O casamento de Wanderson Carlos de Moura e Rodrigo Diniz dividiu opiniões em Manhuaçu, na Zona da Mata“É meio estranho assim de cara, mas não tenho nada contra, nãoCada um tem seu jeito de ser feliz”, disse a estudante Ana Paula de Oliveira, que não conhecia quem se casava, mas se esgueirava na porta de entrada para ver melhorNo outro lado da rua havia uma plateia de 20 pessoas“A que ponto se chega”, reprovou a aposentada Maria Izabel Pinheiro, de 80 anos, semblante sério“Até aqui, tudo bem, mas no religioso não dá”, sentenciou a filha dela, a empregada doméstica Mônica Pinheiro, de 50.

Vejas fotos do casamento e da preparação

Wanderson e Rodrigo dizem nunca ter sofrido qualquer tipo de preconceito na rua quando saem juntos, mas evitam andar de mãos dadas“Tenho receio dos comentários”, justifica WandersonUma viatura da Polícia Militar acompanhou a cerimônia no cartório“Por ser uma situação atípica, tem gente que ainda não entende..isso aí, né?”, justificou um dos soldados de prontidãoMas não houve qualquer transtorno no decorrer da cerimônia.

Enquanto isso, os comentários se multiplicavam do lado de fora
A atendente de caixa Alessandra Vaz, de 24 anos, diz não ter “nada contra, mas é estranho duas pessoas do mesmo sexo se casando...talvez devesse ser proibidoCada uma tem uma opção de sentimento, mas é errado em termos de religiãoSou católicaNão é e
rrado ser gay, mas praticar sim”, disse


O estudante Tiago Reis, de 20, foi enfático: “Se eles se sentem bem assim, não tenho nada contraNormal não acho, mas a gente não pode se intrometer na vida dos outros, mas se saírem se beijando na rua, acho estranhoFica esquisito dois barbudos se beijandoÉ tranquilo se tiverem vida de casal só dentro de casaNa rua acho que não faz bem, porque daqui a pouco menino vai beijar menino e menina vai estar beijando menina”Além dos comentários nas ruas o assunto também se espalhou por meio das redes sociais, como Facebook e Orkut


- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press.

O padre e pároco da Paróquia São Lourenço, de Manhuaçu, Luís Carlos Ramos, de 38, também se manifestou: “A notícia me pegou de surpresaIsso não é casamento, é um contrato civilDesde o início, é normal somente que homem e mulher se unamO Estado é laico e tem suas leis, mas a Igreja só reconhece o sacramento do matrimônio entre pessoas de sexos diferentes”.

País

O Brasil já registra 10 casamentos de homossexuaisA exemplo de Minas, houve uniões desse tipo em Goiás, Rondônia, São Paulo, Campo Largo, no Paraná, e em outros estadosOs interessados podem recorrer à Justiça para casar diretamente no Cartório de Registro Civil, sem passar pela união civil estável, como ocorreu com os moradores de Manhuaçu.

Perfil

Manhuaçu fica na Zona da Mata, a 278 quilômetros de Belo Horizonte, com população de 80,5 mil habitantesO nome da cidade é de origem tupi e significa chuva grande Mas há outras explicações para a palavra, que seria formada por mandi (peixe) mais yuba (amarelo) e asu (grande)E mais: Manhu é igual a rio e açu significa grande: portanto, Manhuaçu quer dizer rio grande Emancipado em 5 de novembro de 1877, Manhuaçu só passou à condição de cidade alguns anos depoisNesse período, perdeu uma área territorial que originou mais de 70 municípios no Leste de Minas.

Hoje, tem 621 quilômetros quadrados e continua sendo o maior da microrregião, além de ser polo econômico, de prestação de serviços e oferecer a melhor infraestrutura hoteleira para turismo da região Vertente da Serra do CaparaóEntre os anos de 1880 e 1930, o café ganhou força na região e foi nesse período que se desenvolveu a produção de ManhuaçuMas hoje a cidade conta também com boa prestação de serviços e comércio diversificado.– “Foi aqui mesmo? Aqui? Sério?”, uma moça custava a acreditar no que contavamMas a notícia que corria de boca em boca estava correta: o primeiro casamento civil entre homens em Minas Gerais ocorreu em Manhuaçu, município de 80,5 mil habitantes, a 278 quilômetros de Belo Horizonte, na Zona da MataNa manhã dessa quinta-feira, Wanderson Carlos de Moura, de 34 anos, e Rodrigo Diniz Rebonato, de 18, foram declarados casados no Cartório de Registro Civil da cidade, por determinação do juiz da 1ª Vara Criminal, da Infância e da Juventude e de Execuções Fiscais da comarca, Walteir José da Silva.

Os dois poderiam ter assinado a união civil estável ou homoafetiva num Cartório de Notas, conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal (STF), em 5 de maio de 2011, e depois fazer a conversão para o casamento, mas preferiram encurtar o caminho com uma ação judicialAgora, já têm a certidão de casamento lavrada no Cartório de Registro CivilNo papel, no lugar de solteiro, está escrito casadoO juiz, então, deu a sentença favorável.

“Eu achava que era o primeiro só de Manhuaçu, não sabia que nunca tinha acontecido em MinasAlém de realizar um sonho, a gente entrou para a história, né?”, declarou Wanderson, já com a aliança no dedoPara assistir à cerimônia, cerca de 30 pessoas se apertaram na sala do cartórioA maioria era formada por jornalistas, familiares e amigos dos noivos, incluindo os quatro casais de padrinhos e madrinhasMas também havia os esperados curiosos, alguns fotografando com câmeras portáteis.

Às 10h30, meia hora depois do programado, a juíza de paz e a oficial de Justiça iniciaram, sorridentes, a celebraçãoNervosos, Wanderson e Rodrigo mascavam chicletesDepois de responderem que sim, queriam se casar por livre e espontânea vontade, trocaram um beijo rápido, o popular “selinho”, e se entregaram aos abraços e felicitações.

O pedido de casamento foi formalizado no cartório há cerca de 40 dias Quando foi negado pelo Ministério Público estadual, sob o argumento de que a legislação permitiria apenas a união estável entre pessoas do mesmo sexo, não o casamento, o casal pensou em desistirMas, na terça-feira, foi publicado o deferimento do juiz Walteir José da Silva, titular da 1ª Vara Criminal, Infância e Juventude e Execuções Fiscais da Comarca de Manhuaçu

Em sua argumentação, o magistrado recorreu à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, em maio de 2011, ao reconhecer a união homoafetiva estável“Se a lei permite a conversão de união heterossexual estável em casamento e o casamento direto entre heterossexuais, se não permitíssemos o mesmo para homossexuais, estaríamos tratando de forma diferente situações idênticas”, explicou o juiz Walteir.


Ansiosos, Wanderson e Rodrigo mal dormiram na noite anterior ao grande diaComeçaram a se aprontar às 8hAntes de passar lápis em torno dos olhos e brilho nos lábios, Wanderson ajudou o outro a espetar os cabelos com gelAmbos usaram gravatas cor-de-rosa“Ê, que chique!”, brincou a mãe de Rodrigo, a lavadeira Maria do Carmo Diniz, de 57Na cerimônia, ela tirou os óculos, chorou discretamente e disse: “Ele (Wanderson) é um segundo filho para mim”.

A mãe de Wanderson, a empregada doméstica Iracema de Moura, de 67, não foi ao cartórioJustificou dizendo-se “tímida”, mas depois revelou sua insatisfação“Gostar, não gosto, mas sou obrigada a aceitarÉ filho, a gente tem de apoiar”, explicou, enquanto enxaguava uma roupa na lavanderia“Vocês vão com Deus”, despediu-se dos noivos, quando rumaram para a cerimônia.

Wanderson e Rodrigo moram juntos há 10 mesesA casa, que fica nos fundos da residência da mãe, está erguida à beira de um barranco, em uma área classificada como de risco pela prefeituraOs dois dizem não ter condições de procurar um lugar melhorO mais velho trabalha em uma empresa como bordadorO outro, que “fazia de tudo um pouco”, está desempregadoO último trabalho foi como auxiliar de serviços geraisAmbos estudaram apenas até a 5ª série.

Os problemas vão ser esquecidos pelo menos por uns dias, durante a lua de mel, feita na própria suíte, porque “a grana tá curta”Os recém-casados sentem prazer em repetir os novos nomes: Wanderson Carlos de Moura Rebonato e Rodrigo Diniz Rebonato MouraNo retorno para casa, risonho, Rodrigo avisou ao companheiro: “Quero ver quem vai tomar você de mim, agora que você tem meu nome”.


O POVO FALA

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press.

Dayana Gomes de Andrade, 19 anos, entregadora de panfletos

Hoje em dia, acho isso normalMas é normal desde que eles não fiquem na rua, homem beijando homemÉ um mau exemplo para as crianças, elas podem querer imitar.

 

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press. 

 

Jaqueline Teixeira, 29 anos, montadora de máquinas

Sou católica, mas não tenho nada contra, nem nada a favorCada um faz da sua vida o que quiser, ama quem quiser amarEles não estão fazendo mal a ninguém
Acho que, com o passar do tempo, o povo vai ter que aceitar.

 

 

 

 

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press.
Valtair Gomes, 65 anos, aposentado

Como é que podem declarar dois homens marido e mulher? Não é porque sou crente, mas isso não está certoDeus uniu homem e mulher, é injusto contrariar a vontade divina.