Jornal Estado de Minas

Dia Mundial da Água

Situação precária de mananciais como o Várzea das Flores deixa alerta na Grande BH

Consumo no lago se aproxima ao limite da capacidade de abastecimento

Valquiria Lopes
Com turistas que frequentam lago entre Betim e Contagem chega a poluição - Foto: Jair Amaral/EM/D.A. Press
A Região Metropolitana de Belo Horizonte precisa se educar para não morrer de sedeCom importantes nascentes e riachos ameaçados pelo avanço urbano, a capital e outros 17 municípios que dependem das bacias dos rios Paraopeba e do Rio das Velhas têm no Dia Mundial da Água, comemorado nesta quinta-feira, um convite a agir para se precaver contra o fantasma do desabastecimentoEm um contexto em que o consumo sobe ano a ano, enquanto a produção torna-se cada vez mais ameaçada, o gasto na Grande BH se aproxima da capacidade de fornecimento: enquanto 14,6 mil litros de água por segundo são captados em nove sistemas, o uso chega a 13,4 mil litros por segundo, ou 91% do limitePara a Copasa, o excedente de 1,2 mil litros por segundo ainda representa uma situação de equilíbrioMas, além de essa avaliação não ser consensual, trata-se de um equilíbrio ameaçado, como evidencia a situação de mananciais como Várzea das Flores, entre Betim e Contagem, cuja capacidade de produção representa quase o mesmo volume extra disponível para os moradores da região metropolitana (1,1 mil l/s).

Apesar de haver projetos para ampliação da captação de água, especialistas fazem um alerta: se não forem tomadas providências que considerem as pressões humanas sobre os mananciais, as caixas- d’água da Grande BH podem ficar comprometidasNo rol de problemas há os riscos trazidos pelos resíduos da atividade minerária e prejuízos decorrentes da urbanizaçãoO reservatório de Várzea das Flores, por exemplo, sofre com construções feitas dentro de barragem, lixo, esgoto, pesca, agropecuária e a poluição trazida por atividades recreativasA ameaça não é desprezível: sozinho, o manancial responde por 11% do abastecimento da RMBH.

Mesmo entre os que defendem que a relação entre capacidade de produção e consumo não representa risco, persiste o alerta sobre a necessidade de ampliação dos sistemas e controle rigoroso da qualidade da água"Vejo essa sobra como uma situação tranquila, mas o mais importante é que as demandas de crescimento da população sejam acompanhadas, para que possamos nos antecipar e evitar um colapsoO mais preocupante neste momento não é a quantidade, mas a qualidade, que está ameaçada", afirma o professor do Departamento de Engenharia Sanitária da UFMG Léo Heller.

Especialistas mais críticos, no entanto, traçam um cenário preocupante"O estresse hídrico na região metropolitana é muito grande
O que se produz está muito próximo do que se consomeEstamos captando cada vez mais longe e, além disso, sofremos com a depreciação da qualidade da água de nossos mananciais", afirma o professor do Departamento de Ciências Biológicas da PUC Minas Henrique PaprockiSobre a situação das reservas responsáveis pelo abastecimento dos 18 municípios da Grande BH, ele faz uma diferenciação"As áreas dentro de unidades de conservação, como Serra Azul (Juatuba) e Rio Manso (Brumadinho), são mais protegidas, mas outros pontos, inclusive nascentes, sofrem com um fenômeno chamado sprawling." O termo, explica, define o crescimento residencial em direção a áreas de preservação"As pessoas estão cada vez mais procurando viver em ambientes conservados e com isso, modificam as condições naturais da flora, fauna e dos cursos d’águaTambém exercem pressão outras atividades, como a indústria, a mineração e os esgotos clandestinos."

Enquanto as opiniões de estudiosos divergem, o que se vê nos reservatórios é uma situação de conflitoHá poucos metros do ponto de captação da Copasa em Várzea das Flores, lanchas e motos aquáticas navegam livremente e lixo é amontado nas margens da represa, onde pescadores lançam suas iscas despreocupadamente"Estou aqui há 22 anos e nunca fui multado, nem ameaçaram me tirarNão temos água tratada, nem rede de esgotoAs necessidades são feitas no mato
Moro aqui e atendo banhistas e pessoas que buscam sossego", conta Deusdede Cordeiro, dono de um bar construído à beira da lagoa, cuja água da pia é lançada na represa"Ela cai nessa manilha, que tem brita e areia e funciona como espécie de filtro", diz, sem conseguir esconder a visível ineficiência do sistema, que deixa vazar resíduo doméstico como gordura e detergentes.

Nos fins de semana, conta ele, é sempre mais movimentadoIsso significa mais lixo e poluição"Banhistas trazem boias, fazem churrasco e nadam", diz o comercianteNesses dias chegam também mais pescadores, que não são incomodados nem orientados por ninguém"Tem uma pequena parte do lago que é cercada e se alguém entrar lá pode até ir presoMas a maior parte não tem restrição e ninguém nunca nos proibiu de pescar aqui", contou o eletricista Jerônimo Luzia de Souza, de 45, enquanto pescava na represa, na manhã dessa quarta-feira.

Investimento para chegar até 2040

Enquanto a demanda por água na Região Metropolitana de Belo Horizonte cresceu 15% na última década, a Copasa tem pela frente um longo planejamento estratégico que envolve a realização de obras e investimentos vultosos para acompanhar o aumento do consumoEntre as metas da empresa está a ampliação dos sistemas Rio Manso (que hoje produz 4 mil litros de água por segundo e pode chegar a 10 mil litros/segundo), e do sistema Rio das Velhas, que terá o abastecimento atual de 6 mil litros por segundo aumentado para até 9 mil litros/segundoDe acordo com o superintendente em Produção e Tratamento de Água da estatal, Délio Fonseca, as mudanças vão gerar mais 9 mil litros por segundo, além do excedente que é mantido atualmenteTambém haverá a reserva de 300 mil litros dos reservatório, que poderão ser usados em dias de maior consumo.

Conforme a Copasa, o custo das ampliações ainda não está definido e a licitação para as obras deverá ocorrer até o fim do anoMas a previsão da empresa é otimistaCom os investimentos previstos pelos próximos quatro anos, o abastecimento da RMBH está garantido até 2040, nas contas da empresaEm uma das ações preventivas para evitar a falta d'água nas torneiras da Grande BH, foi construída uma adutora para interligar as duas bacias que abastecem a Grande BH, dos rios das Velhas e Paraopeba"Podemos fazer a troca de água em situações emergenciais", explica Délio.

Mas os desafios da região metropolitana vão além da produçãoDe acordo com o professor do Departamento de Engenharia Sanitária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Léo Heller, a Grande BH enfrenta novas ameaças de contaminação'Sabemos remover bactérias ou retirar sódio da águaMas há uma agenda nova surgindo, em ritmo crescente, que a presença de novos produtos contaminantes", alertou, afirmando ainda que as estações de tratamento de água não estão preparadas para problemas como a presença de algas tóxicas e de elementos como hormônios na águaA Copasa, porém, sustenta que acompanha detalhadamente a presença de algas e elementos químicos, sem registro ou indício de contaminação.

OURO AZUL O uso racional dos recursos hídricos em Minas tem o incentivo dos Diários Associados, com o Prêmio Furnas Ouro Azul, que comemora uma década de criação, por meio de parceria entre o Estado de Minas e o Sistema Eletrobrás Furnas, para valorizar ideias de proteçãoO prêmio incentiva a união de empresas públicas e privadas, pessoas físicas, estudantes, ONGs e comunidade, além das crianças, em prol da diminuição dos impactos negativos causados pela poluição de rios e mananciaisDesde a criação, mais de 1.600 projetos já receberam destaque no Ouro Azul, que desde 2010 conta com a categoria mirim