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Estado de Minas

Conheça a garotas de Ipanema de BH

Na passagem dos 50 anos da famosa canção da MPB, jovens do bairro de BH falam da rotina de trabalho e da falta de lazer bem distantes da praia e da musa que inspiraram Vinicius


postado em 20/03/2012 06:00 / atualizado em 20/03/2012 06:36

"Não sou muito baladeira. Às vezes, nos reunimos em casas de amigos e, raramente, vou a uma danceteria em um bairro perto daqui com os amigos" - Stephane Lopes, de 20 anos, estudante de direito (foto: Fotos: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Em um dia de sol de 1962, dois amigos compositores viram, entre um chopinho e outro numa mesa de calçada do Bar Veloso, em Ipanema, Rio de Janeiro, a então jovem Helô Pinheiro andando, bela e charmosa, rumo à praia. “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”, balbuciou o encantado mulherengo Vinicius de Moraes. “É ela menina que vem e que passa no doce balanço a caminho do mar.” Não exatamente dessa forma, mas poderia ser, porque aquela visão os inspirou e ali nasceu um dos maiores sucessos da música popular brasileira, assoviado, tocado e regravado em quase todo o mundo. Garota de Ipanema está, portanto, fazendo 50 anos.

Em Belo Horizonte, no Bairro Etelvina Carneiro, na Região Norte, há a Rua Garota de Ipanema, em homenagem à inspiração de Vinicius e Tom. E há, na Região Noroeste, o Bairro Ipanema, espremido entre duas movimentadas avenidas, a Brigadeiro Eduardo Gomes e a Abílio Machado. É lá que vamos atrás das garotas do Ipanema? São tão inspiradoras quanto foi Helô Pinheiro? “Não. Enquanto as garotas de Ipanema, no Rio, vão à praia, as daqui trabalham”, diz Daiane Stefany, de 16 anos, caixa de um sacolão. “Mas tenho orgulho do bairro no qual nasci”, garante.

O sacolão fica na Brigadeiro Eduardo Gomes, onde os limites dos bairro Ipanema e Glória se confundem. “Aqui é tranquilo. Não temos muita diversão, mas nos fins de semanas nos reunimos em casas de amigos e nos divertimos”, acrescenta a garota. O patrão, Jamil Camilo, de 27, casado, também acha o lugar seguro. “Temos problemas, como têm todos os bairros de BH. Moro aqui há 25 anos e há 15 dias abri o sacolão. Na primeira noite, ele foi arrombado. Mesmo assim, acho aqui sossegado.” A fé do comerciante na humanidade é tão inabalável que ele acredita ser o Ipanema um bom lugar para criar filhos: “Eu os deixaria andar pelas ruas sem medo”.

“Eu, se tivesse filhos, não os deixaria andando por aí”, diz Pamela Pereira, de 20 anos, casada. Por quê? “Nasci aqui. Há assaltos, tráfico de drogas e o policiamento deixa a desejar.” E ela fala com propriedade, porque passa os fins de semana fora, visitando o marido na prisão. Ele foi condenado por roubo. As garotas do Ipanema são do tempo do funk, do pagode, do sertanejo. Mal sabem balbuciar a canção de Vinicius e Jobim. “Já ouvi falar. Quando eu era solteira, gostava era de funk”, conta Pamela.

"Dá prazer morar aqui. O bairro é alegre e, como não temos praia, nos fins de semana reunimos os amigos e parentes em um churrasco" - Mayara Gonçalves, de 23 anos, dona de casa (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
“Moça do corpo dourado; do sol de Ipanema; o seu balançado é mais que um poema; é a coisa mais linda que eu já vi passar.” Se o cidadão estiver em um bar do Ipanema de BH e ver a mulata Mayara Gonçalves subindo a Rua Maria Syllena Andreazzi no apertado short jeans, deve evitar os versos do poetinha e seu amigo Jobim. Lá, as jovens que não estão trabalhando são casadas e cuidam da casa. “Sou casada e tenho uma filha de 3 anos”, diz Mayara. “Dá prazer morar aqui. O bairro é alegre e como não temos praia, nos fins de semana reunimos os amigos e parentes em um churrasco.”


Carência de lazer

O bairro da Região Noroeste, como tantos outros da periferia, é carente de áreas de lazer. “Realmente, aqui não temos onde levar os filhos”, afirma o comerciante Jamil. Por falta de opção, a estudante de direito Stephane Lopes, de 20, solteira, passa os fins de semana estudando. “Não sou muito baladeira. Às vezes, nos reunimos em casas de amigos e, raramente, vou a uma danceteria em um bairro perto daqui com os amigos.” Acha o bairro seguro, um pouco mais agitado dos seus tempos de criança, mas ‘urbanamente’ melhorado. As ruas são limpas, todos têm água encanada e esgoto.

Até quem não mora lá gosta. Fernanda Dias, de 30, solteira, funcionária de uma loja de informática no bairro, não tem críticas severas, mesmo depois de ter sido vítima no trabalho de um assalto a mão armada. “Estamos aqui há um ano e fomos vítimas da violência uma vez. A polícia roda muito, embora haja dias em que as rondas sejam escassas. Mesmo assim, gosto do Ipanema, mesmo não sendo daqui.”

Se não reclama tanto a segurança, Regina de Fátima, de 52, que abriu um bar e restaurante na garagem de casa, pede mais apoio da polícia. “Já fui assaltada duas vezes”, diz. E ela, se consegue boa freguesia à noite, não diz o mesmo no almoço. Ontem, entre as 13h e as 14h, não havia ninguém provando de sua cheirosa carne de panela.

O bairro é mais seguro nas laterais limitadas pelas duas grandes avenidas, por causa da intensidade comercial. “A lanchonete do lado já foi assaltada algumas vezes, mas nunca tive problema”, diz César Augusto Ferreira, de 45, dono de uma loja de confecção de adesivos e banners na Abílio Machado. Outro problema no Ipanema está na identificação das ruas. Não há, em todas as esquinas, placas indicativas. A antiga Rua Roma mantém a placa, mesmo tendo sido rebatizada como Maria Syllena Andreazzi. É lá que, no alto de um poste de madeira, um barulhento pica-pau cava um buraco para lhe servir de ninho. Se não há gaivota no Ipanema de BH, assim como não há uma musa inspiradora dando sopa em suas ruas, há o assanhado pica-pau e garotas que se orgulham do bairro. Ah, é a beleza que existe…
 


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