Jornal Estado de Minas

Obter provas contra policiais é uma luta

Sandra Kiefer

A grande dificuldade de chegar ao fim na apuração dos crimes de tortura é a produção de provas e a coleta de depoimentos de vítimas e testemunhas

“Quem fala muitas vezes passa a receber ameaças, principalmente em cidades pequenasNesse caso, os testemunhos foram muito importantes para se fazer justiça”, explica o procurador Antônio Sérgio Tonet.


Ele elogia a cor agem das vítimas, que procuraram o Ministério Público para denunciar a tortura, a postura combativa dos promotores e a sensibilidade do Tribunal de Justiça de reformar a sentença da Justiça de Campina Verde, em decisão unânime da 5ª Câmara CriminalNos autos constam cinco depoimentos de testemunhas, incluindo de uma mulher“Ela viu que os militares bateram na porta de entrada da cadeia usando a cabeça de Eterno por duas vezes, até que o militar que estava na guardo do presídio abriu a porta”, informa o Ministério PúblicoEla contou também que, durante cinco a 10 minutos, escutou barulho e tapas e pancadas, bem como Eterno gritando “pelo amor de Deus não me batam”

Terror

Segundo o processo, enquanto Eterno era torturado na cadeia por Luiz Carlos, Marcelo Ricardo e Ingler, a outra vítima, Marcelo, também era espancada na delegacia por Zigomar e Cláudio, que o espancavam e afogavam em um tanqueAinda de acordo com a acusação, momentos depois, Eterno foi levado até onde estava o irmão e passou a vivenciar novos momentos de terrorEle relatou ter sido afogado duas vezes, primeiro com as mãos e em seguida com uma buchaDepois de ter caído no chão, Cláudio desferiu um chute nos seus órgãos genitais“Eu tinha trauma de água porque quase morri afogado com 17 anos

Fui caçar fôlego e não achei chãoPedi pelo amor de Deus para que eles não me afogassem de novo”, contou EternoNa época, ele teve ajuda de uma representante dos direitos humanos para fazer o exame de corpo de delito fora da cidade e ajuizar ação contra os militaresAté hoje, ele guarda as fotos em lugar seguro


Para fugir à perseguição, Eterno chegou a viver por mais de cinco em outras, mas voltou para Campina Verde, onde mora com a mulher, filhos e enteadosJá pensa em mudar de novo, agora que o processo está chegando ao fim“Para nós, até hoje não teve leiOs homens continuam na polícia e alguns até foram promovidos”, revela Eterno, que diz sofrer perseguição há mais de uma década“Esperei muito tempo por justiça, mas não quero perder a vidaSe ocorrer alguma coisa comigo foram eles”, avisa.

Defesa

Os policiais entraram com recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a decisão deve levar de dois a quatro anos

Segundo o advogado dos réus, Marcos Margonari, de Uberlândia, os laudos periciais demonstram que não houve tortura, no máximo abuso de autoridade“Qualquer pessoa resiste à prisão e a polícia tem de agir com meios moderados para conter a vítimaSe ocorreu excesso, configuraria crime de abuso de autoridade, mas tortura jamais”, defende


O Estado de Minas tentou falar com Zigomar dos Santos, na 3ª Companhia de Polícia de Campina VerdeEle se negou a dar entrevista e pediu que procurasse seu advogadoDos cinco policiais envolvidos, um se aposentou, dois foram promovidos a sargento, outro pediu transferência para a Polícia Florestal e apenas um está na mesma condição(SK)