Jornal Estado de Minas

Dia Internacional da Mulher: uma vida dedicada ao outro

Há 32 anos Sônia Bitencourt Vieira faz do cuidado com o ser humano o motivo de sua existência. Inúmeras crianças, jovens e adultos encontram na jovial senhora o apoio para todas as horas

Arnaldo Viana
Graças ao empenho de Sônia Bitencourt, várias gerações já passaram pelo Centro Educacional Maria Salomé - Foto: Glaydston Rodrigues/EM/D.A Press

Somos mais de 6 bilhões de seres no planetaTodos temos alguma necessidade especialSe não é física, é de ordem econômica, social, espiritual moral ou políticaQuem nos socorre? Eventualmente, um amigo, uma amiga; o companheiro, a companheira; ou um parenteIsso eventualmenteE sempre, qualquer hora, em qualquer dia? Só as raras pessoas também especiais, que vivem o mundo de todo mundoIndo atrás de uma dessas raridades, encontramos Sônia Bitencourt Vieira, um senhora jovial de 71 anos, que, de tão envolvida com o próximo, precisou de um tempo para redescobrir a própria identidade.

No universo de Sônia há crianças que chegaram a ela carentes de boa alimentação, educação e lazer; há jovens e adultos necessitados de fé, calor humano e de orientação para se reencontrar ou para não cair em desespero diante das mazelas deste mundoViúva, mãe de quatro filhos - três mulheres e um homem -, com seis netos e um bisneto, não aparenta ter 71 anos e nem tem receio de revelar a idade"Sem problema, estou na ativa." Dona de casa desde que se casou, sentiu, um dia, necessidade de ser útil não apenas à famíliaE foi atrás de pessoas"Eu sentia um vazio e precisava preenchê-lo."

Ela mora numa casa modesta, mas agradável, em Santa Luzia, Grande BH, com a cadela Mel e o irrequieto Chuí, cachorro de pouco mais de um quilo de raça indefinida, o guardião do quintal
"Os chamo de a dama e o vagabundo", diz com um agradável sorriso"Nasci em BH e morava no BarreiroHá 44 anos, quando me mudei para Santa Luzia, senti essa vontadePensei: 'Deus não me criou para ser somente dona de casa'E fui atrás das pessoas, das mais necessitadasJuntei crianças e adultosNos encontrávamos na rua mesmo e levávamos uma mensagem de consolo e de esperançaAos poucos, foi chegando gente, chegando gente, e não demorou para formarmos um grupo de auxílio."

Doação

Com tantas pessoas envolvidas, era preciso um espaço digno para se reunirQuatro anos depois, ou há quatro décadas, nascia, no bairro luziense de Nossa Senhora das Graças, a Casa de Caridade Espírita Nosso LarSônia é espírita, kardecista
O terreno, o marido, que era funcionário administrativo da Usiminas, comprou e pagou com sacrifícioO material foi doado e as paredes erguidas em mutirãoAos sábados é servido um sopão, das 9h às 11h30, e há reuniões com as famíliasAlém das mensagens, há cursos, principalmente para gestantesDurante a semana, as crianças passam o dia na Creche Maria Salomé, no Bairro Boa EsperançaLá, elas têm educação, orientação espiritual e cívica, alimentação e lazer "Ganhamos o imóvel em 1980, e novamente em mutirão fizemos as adaptações necessáriasHoje, cuidamos de mais de 80 crianças."

Para atender o número cada vez maior de pessoas, foram grupos de apoio com coordenadores e por pessoas treinadas"Além disso, participo como voluntária de uma oficina de costuraFazemos travesseiros, tapetes e outros utensílios, tudo com material doadoHoje meu universo espiritual é cheio de pessoasAtendemos crianças, filhas de pessoas que estiveram e que ainda estão conoscoA gente recebe mais do que dáHoje eu me sinto viva, aquele vazio desapareceuNa verdade, encontrei nas pessoas necessitadas o que eu precisavaQue bom encontrar uma pessoa na rua para nos dizer: 'Como me fez bem aquele presentinho que vocês me deram quando nada tinha ou nada ganhava'."

Nancy dos Santos Torres, de 51, funcionária de uma academia em Santa Luzia, conhece bem as ações de Sônia Bitencourt"Tenho dois filhos, um de 30 anos e outro de 25, e uma filha de 21Todos foram criados na creche de dona SôniaÉ muito difícil para mim expressar o que ela representaNa homenagem feita a ela há pouco tempo na Casa de Caridade Espírita Nosso Lar, eles foram agradecê-la e ela chorouDona Sônia faz parte da minha família, da minha vidaCada dia que ela vive é uma mensagem para mim."

Reencontro em Compostela

Sônia passou a se realizar no sorriso das pessoas que ajudouAssim, aos poucos, foi perdendo a identidade"Aos 58 anos, senti necessidade de me reencontrar, descobrir quem realmente era." Por meio de um genro, agente de viagens, soube que um padre recrutava voluntários para trabalhar como hospitaleira nos caminhos de Santiago de CompostelaSônia enviou uma mensagem contendo seu perfil e foi aprovadaCom a ajuda do genro para custear a viagem, embarcou para a EspanhaMas, em vez de se redescobrir, achou foi mais trabalho para ajudar o próximo.

"Não sei falar uma palavra de inglêsMal, mal arranho um portunhol.Fiquei em uma das hospedarias, cozinhando e lavando para os peregrinos, e me saí muito bem com alemães, japoneses, gente de todas as partes do mundoEm me comunicava com eles com as mãos, com o coraçãoO coração é universal." Foram dois meses de dedicação"Eles queriam que ficasse mais, mas meu marido e meus filhos não deixaramNão ficariam sem mim."

Quando fez 60 anos, Sônia resolveu voltar a Santiago de Compostela, dessa vez como peregrina"De um percurso de 800 quilômetros, caminhei 780 e fiz o restante de ônibus porque não aguentava mais andarAí, sim, me reencontreiDescobri uma mulher alegre, com muita vontade de viverHoje, além de ajudar as pessoas, faço hidroginástica, toco teclado..." A força de Sônia vem da persistência"Se recebo uma mãe que sofre com um filho ou um marido drogado, digo a ela para não desistir nuncaE tenho exemplos de pessoas que se recuperaram porque não foram abandonadas"

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