Jornal Estado de Minas

Quando a vida muda em 60 minutos

Sessenta minutos podem mudar o destino de muita gente. Assim foi com a atriz Heloísa Duarte, que por uma hora ficou frente a frente com o assaltante que matou o filho e conseguiu perdoá-lo. Assim foi com a mãe Natiele dos Anjos Sousa, que na hora do parto das gêmeas Aline e Alice conseguiu encontrar anjos bombeiros a caminho do hospital. Assim foi com Maysa Cunha Moraes, que na última hora saiu de edifício que desabou no Bairro Caiçara, em BH, mas perdeu o marido. E assim foi com um casal que se conheceu em Monte Verde, no Sul de Minas, e em uma hora de viagem para BH se apaixonou. Toda a população de Minas Gerais, de outros 10 estados e do Distrito Federal vai ganhar hoje à noite uma hora a mais com o fim do horário de verão. Os relógios devem ser atrasados à meia-noite. O horário de verão durou 133 dias, sete a mais que no ano anterior, devido ao carnaval. Na sua área de concessão, a Cemig registrou uma redução na demanda máxima, ou seja, no pico diário da carga das 18h às 22h, de 4,1%, correspondendo a cerca de 310 MW ou uma economia de consumo suficiente para abastecer Belo Horizonte por 10 dias.

Anjos socorrem bebês
Paola Carvalho

Bombeiro Rafael Marcelo de Aguiar ajudou a socorrer Natiele dos Anjos a caminho do hospital - Foto: Cristina Horta/EM/D.A Press



Era madrugada de lua cheia quando Natiele dos Anjos Silva Sousa, de 25 anos, sozinha em casa, começou a sentir os primeiros sinais de que as gêmeas Aline e Alice estavam prontas para o nascimentoDepois de 35 semanas de gestação, as meninas ainda prematuras indicavam ter pressaA mãe, que tanto planejou, não acreditou que o parto estava por vir Ligou para o marido, enfermeiro de um hospital da capital, que chegou em casa, no Bairro Piratininga, Região Venda Nova, às 5h30 do dia 15 de março de 2011, no pregoA próxima hora seria decisiva

Com a sacola já preparada para a maternidade, saíram em disparada, mas os nervos se exaltaram ainda mais quando perceberam que a gasolina poderia ser insuficiente para atravessar a cidade e chegar ao Hospital Unimed, no Grajaú, Região OestePor causa do horário, os postos de combustíveis ainda estavam fechadosOs minutos voavamO trânsito na avenida Antônio Carlos começou a apertarAs contrações de Natiele eram em intervalos cada vez menores“Quando vimos o batalhão dos bombeiros, resolvemos entrar e pedir socorro”, conta a mãe
O sentinela que fazia a vigia, surpreso, disparou o alarme e, por sorte, uma equipe estava de prontidão, conta o soldado Rafael Maciel de Aguiar, que estava prestes a fazer seu primeiro parto

Natiele foi posta na maca, mas não deu tempo de o protocolo médico ser seguidoÀs 6h25 – 55 minutos depois do início da saga – nasceu a primeira menina“O dia estava amanhecendo e lembro que foi muito emocionanteEm meus braços, ela deu um bocejo seguido de um sorrisinhoFiquei todo boboPara a segunda nascer, tivemos que romper a placentaEla era mais fraquinha e demorou a chorarFoi uma felicidade para a guarnição trazer as duas à vida”, afirmaNo dia anterior, foram registradas três chamadas para parto, informa Aguiar
“Falaram que foi a lua cheia.” Seria ela a responsável mesmo por em apenas uma hora mudar a vida dessa família e dos soldados?


Tempo para perdoar

 Jefferson da Fonseca Coutinho

 

  Na delegacia, Heloísa Duarte perdoa Éder Aparecido Pereira, assassino do filho, Madson Vargas - Foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press - 3/6/03 Tudo em fração de hora: o apelo, a ajuda e a morteUm tiro no escuro, nas costas do garoto que tentava impedir um assalto na primeira madrugada de junho de 2003, na Savassi, Região Centro-Sul de Belo HorizonteAos 27 anos, Madson Vargas Loçasso, filho único da atriz Heloísa Duarte, foi morto por disparo efetuado por Éder Aparecido PereiraTrês dias depois, criminoso preso, 60 minutos para toda a vidaEntre as 10h e as 11h, o perdão da mãe ainda em estado de choqueForam muitos os pedidos de familiares e amigos para que a produtora cultural desistisse de falar com o assassino do filhoAté o secretário de Defesa Social, conhecido da artista, a aconselhou a mudar de ideiaNão adiantouHeloísa, profissional tarimbada da construção de emoções, estava decidida a fazer algo contra a violência, mesmo que sua força lhe custasse as entranhas.

“Não que quisesse salvar o mundo… é aquela história do passarinho, levando a água no bico, acreditando salvar a floresta”, dizNa cabeça e no coração da mulher em pedaços, com o encontro, a esperança de paz no outro“Não guardo ódioTenho muita tristezaÉ muito difícilSinto muita falta, muita saudade, mas ódio não tenho”, emociona-seAo assassino, reincidente, assistida por amigos, policiais e jornalistas com as lentes abertas para o mundo, palavras vindas da alma, como nunca ditas nos palcos: “Estou falando com você agora, perante você e perante a imprensaEstou dando o meu perdão...” Kardecista, Heloísa acredita que sua atitude levou ainda mais luz aos desdobramentos do filho desencarnado“Isso, naturalmente, me deu forças para seguir adiante com minha vida”, revela.

Da hora, única, vivida na Departamento de Investigações em BH, ficou a fala do delegado que disse que o mundo seria melhor com mais corações como o da atrizDe lá para cá, quase nove anos na velocidade da luz, arrastados pela ausência do rebento companheiro e parceiro de arte – Madson cresceu em meio aos artistas de Minas Gerais e trabalhava como técnico de espetáculosSua morte mobilizou a categoria, que promoveu várias manifestações pela vidaSeis meses depois de perdoar o algoz do filho, Heloísa recebeu mensagem psicografada de Madson, que, “num plano melhor”, ressaltou a importância da compaixão da mãe naqueles 60 minutosJulgado, Éder Aparecido foi condenado a 29 anos e quatro meses de prisão em regime fechado por latrocínio (roubo seguido de morte), roubo e falsa identidade.

Salva dos escombros
Sandra Kiefer

Os sonhos da artesã Maysa Cunha Moraes, de 45 anos, desmoronaram com a queda de prédio no Bairro Caiçara, em BH, no segundo dia do anoEm menos de uma hora, ela perdeu apartamento, móveis e marido, Janilson Aparecido de Moraes, de 40, soterrado nos escombrosDois meses antes, o casal havia acabado de reformar o apartamento e trocar todos os móveis “Já estávamos no pátio, saindo do prédioA torre balançou e separou a minha mão da deleSó andávamos de mãos dadasO prédio abriu ao meio e caí no buracoÉ a última lembrança do meu marido”, relata

O resgate pelos bombeiros levou 40 minutos“Me salvei porque caí em um vãoDesmaiei e quando acordei não entendi o que estava ocorrendoTudo estava em câmera lenta”, conta Maysa, sobrevivente do desabamento dos dois blocosOutras 11 pessoas que estavam no local foram retiradas 15 minutos antes por militares, alertados por uma moradora que ouviu os estalos .

Maysa quebrou três costelas e a clavículaEla não sabe explicar porque demorou para deixar o prédio“Tudo aconteceu num piscar de olhosJanilson tinha acabado de ligar para a Defesa Civil quando os policiais mandaram sairMandamos as sobrinhas primeiroNão consigo parar de pensar no ‘se’: se a gente tivesse saído antes, se a gente tivesse passado o réveillon fora, se a gente não tivesse voltado cedo do almoço, se…”


O caminho para o amor

Uma carona de uma hora entre serras do distrito de Monte Verde, em Camanducaia, no Sul de Minas, em maio de 2011, mantém na trajetória do altar uma bióloga de BH, de 35 anos, e um consultor financeiro paulista, de 38, que hoje mora do RioO casal pede anonimato, mas não esconde a história dos 60 minutos que mudaram suas vidasDepois de um fim de semana de workshops, os dois já haviam desistido de tentar encontrar a alma gêmeaEla decidiu sair antes para pegar um táxi e ele ofereceu carona “Se não fosse esse momento não teríamos enxergado um ao outro Foi na travessia de uma serra muito bonita que descobrimos as nossas afinidades”, conta a bióloga.

Os dois não se casaram e nenhum deles tem filhosO que têm em comum vai além“Não sei como explicar quais são as afinidadesMas sei que ele é o homem da minha vida”, acrescentaO cupido do casal é Cláudia Toledo, presidente da A2Encontros, que já teve trajetória parecida no litoral paulista, no fim de um carnaval de 21 anos atrásEla conta que, com uma amiga, conseguiu carona para voltar e em conversa de uma hora no carro se apaixonou pelo mostorista, hoje seu marido“Foi uma hora que mudou a minha vidaO que ocorreu foi muito forte”, diz(PC)