Jornal Estado de Minas

Número de internações provocadas por acidentes de trânsito dispara na capital

Em 4 anos, foram gastos R$ 45 mi com pacientes, valor suficiente para erguer um hospital. Atendimento a acidentados em motos sobe 50%, aumentando dramas em leitos do HPS

Valquiria Lopes

Enfermaria de politraumatizados do Hospital João XXIII: atendimentos relacionados a motos subiram de 500 para 750 por mês, em média - Foto: CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS


Muita gente define a experiência como nascer de novo, mas sobreviver a um acidente de trânsito não é sinônimo de batalha encerradaPessoas que resistem à violência do tráfego nas cidades e rodovias estão apenas nos primeiros passos de um longo caminho em busca da reabilitação e retomada de funções simples, como andar, falar ou executar tarefas corriqueiras do dia a diaE o número de vítimas com esse desafio não para de crescer, lotando hospitais e representando uma pesada conta para o sistema de saúdeSomente de janeiro a novembro de 2011, 4.729 pessoas ficaram internadas em unidades de saúde de Belo Horizonte para se recuperar de traumas provocados por acidentes, segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS)O balanço de 11 meses do ano passado, referente ao último dado disponível, já é 17% maior do que todas as 4.054 internações de 2010 e supera em 44% as de 2009, quando 3.289 vítimas precisaram ficar internadas após desastres de trânsitoPara além dos números estão histórias de pessoas que lutam para superar sequelas físicas, traumas psicológicos e frustrações pela perda da capacidade de produzir

O crescimento na ocupação dos leitos em decorrência dos acidentes se reflete nos cofres públicosCom cada vez mais vítimas, a Secretaria Municipal de Saúde estima que nos últimos quatro anos (entre 2008 e junho de 2011) cerca de R$ 45 milhões foram gastos somente com internações dessa naturezaO recurso, segundo a própria secretaria, seria suficiente para construir pelo menos seis Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ou um hospital de médio porte, com até 200 leitosOs atendimentos do tipo também têm crescido nas UPAs da capitalMenos complexos do que os serviços de emergência dos hospitais, os procedimentos saltaram de 14.444, em 2009, para 16.394 em 2011, até novembro, o que representa um aumento de 13,5% no período

Esses serviços geram, conforme a secretaria, gastos anuais de R$ 8 milhões

Da mesma forma, o número de acidentes se aceleraDados do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) mostram que os 16.822 acidentes registrados na capital em 2010 (dado mais recente disponível) superam em 7% os dados de 2008, quando foram registradas 15.719 ocorrênciasExplicações para o fenômeno são muitas, de acordo com o diretor do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Rodrigues Júnior“Obviamente, houve crescimento da população e da frota, mas vejo que o trauma provocado pelos acidentes de trânsito, considerados uma doença epidêmica, é negligenciado pelo governoFaltam fiscalização e punição severas, além de investimento em educação para as questões de mobilidade, que devem ser trabalhadas desde a infância”, afirma

Dirceu Júnior lembra ainda como o aumento da frota de motos e dos acidentes com esses veículos têm influenciado na elevação das internações“O crédito para a compra da moto está cada vez mais facilitadoAlém disso, as regras para obtenção da carteira de habilitação A, para motociclistas, não traduzem a realidade do trânsito nas ruasDespreparados, eles se envolvem cada vez mais em acidentes”, completa o especialista, alertando também para a falta de transporte público de qualidade, levando cada vez mais gente a optar pelo deslocamento sobre duas rodas


Epidemia

O que se vê nas ruas se reflete em serviços como o do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, onde o atendimento prestado a vítimas de acidentes de trânsito envolvendo moto cresceu 50% no ano passado“Trabalhávamos com uma média de 500 vítimas por mês no início de 2010 e, em 2011, chegamos a aproximadamente 750 motociclistas mensalmente”, afirma o cirurgião-geral do setor de Emergência, Paulo CarreiroUm deles, o técnico em eletrônica Magnum de Souza Martins, de 25 anos, não vê a hora de fazer a última das quatro cirurgias às quais terá de se submeter e voltar para casa“Sei que ainda precisarei de muita fisioterapia, pois ainda não há estimativa de quando voltarei a andarJá tive dias de desespero, chorei muito e estou arrependido do que fiz, porque foi pura imprudênciaMas estou confianteMinha recuperação está sendo muito boa”, contou o rapaz, internado em um dos leitos do Hospital Maria Amélia Lins, na Região Centro-Sul da capital

Ao falar do acidente, na madrugada de 13 de novembro, ele se emociona“Eu havia ido ao aniversário de uma amiga e exagerei na bebidaPerdi a noçãoQuando voltava para casa, acho que cochilei e bati em uma caçamba de entulho parada na ruaQuebrei todo o meu lado direito”, disseMagnum teve fraturas no joelho, fêmur e bacia, braço e tóraxTeve ainda perfuração no pulmão e guarda uma grande cicatriz no lado direito do peito“Às vezes a gente acha que pode contar com a sorte, que somos homens de ferroPrecisei me arrebentar todo para aprender a lição”, disse