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Estado de Minas

Solo instável e falta de planejamento contribuem para deslizamento de encostas


postado em 15/01/2012 08:34 / atualizado em 15/01/2012 08:39

A instabilidade de parte considerável do solo da capital mineira durante a época das chuvas não é uma ameaça apenas para edificações prontas. Terrenos sob moradias acabam sendo abalados por construções malsucedidas e até intervenções de órgãos públicos executadas de forma danosa. No Bairro Sagrada Família, na Região Leste, moradores de cinco edificações próximas ao lote de número 338 da Rua Elói Mendes convivem com o medo de suas casas irem abaixo. O terreno em questão estava sendo preparado com tratores e bate-estacas para a construção de um prédio quando a terra que sustentava as edificações em volta dele começou a ceder, em meados de dezembro. No dia seguinte, o solo sob uma casa escorreu completamente, dois cômodos de um sobrado desabaram e parte de um outro casarão também caiu.

“Vimos tudo acontecer aqui de casa. O chão foi descendo na direção do lote, levando o telhado, derrubando as lajes: tudo afundou. As paredes da casa do lado desapareceram, deixando os quartos à mostra”, lembra o aposentado José Maria Nogueira Góes, de 74 anos, que perdeu dois quartos de despejo que ficavam nos fundos de sua casa. Os danos poderiam ter sido maiores. “Botijões de gás foram atingidos e vazaram, deixando um cheiro forte, ao mesmo tempo que as instalações elétricas se partiram. Um risco enorme de incêndio. Parte dos destroços desceu até a base da garagem do prédio de baixo e poderia ter comprometido a sua estrutura”, disse.

De acordo com o morador, a culpa pelo estrago foi da vizinha, dona do terreno, que se identificou apenas como Laurita. A mulher, no entanto, acusa a Copasa de ter causado todos os prejuízos e disse que vai querer ser ressarcida. “A Copasa fez um serviço na rua e a tubulação vazou. Essa água lavou a base da casa e derrubou o barranco e o muro de arrimo que sustentava a s outras casas. Quem deve fazer os reparos e as obras de fortalecimento das encostas é a Copasa”, afirma Laurita. A empresa informou por meio de sua assessoria de imprensa que não tem qualquer responsabilidade sobre o problema, afirmando que sua rede na região está em perfeito estado de funcionamento.

A avaliação da Defesa Civil é de que a contenção feita no terreno de Laurita não suportou e acabou se rompendo. Lonas precisaram ser abertas sobre as cabeceiras dos barrancos para impedir que mais água de chuva penetre no solo já encharcado, produzindo mais peso sobre a estrutura já fragilizada. Duas casas precisarão ser demolidas e seus moradores já as abandonaram, se instalando em casas de parentes. “Espero uma providência da prefeitura, porque nossas casas estão cheias de trincas e vivemos aqui com nossas famílias”, reclama o aposentado José Maria, que exibe o IPTU quitado no valor de R$ 1,2 mil.

Na periferia

O problema também ocorre na periferia da cidade. No Taquaril, que fica na mesma região da cidade, o barracão do vendedor Maurício Rodrigues, de 42, que é isento de IPTU, está dependurado num barranco com 30 metros de altura. O barro cedeu levando parte do quintal, descobrindo canos de água e esgoto e deixando as instalações elétricas expostas. “Quando tudo começou a descer com as primeiras chuvas de janeiro, minha mulher deixou a casa correndo. Ela e meus três filhos, de 18, 16 e de 1 ano, estão dormindo nos vizinhos”, conta. O vendedor estava tirando terra da base do barranco para fazer outra construção, quando ele não suportou e cedeu. “Queria que a prefeitura ajudasse, fazendo um arrimo para mim. Estou dormindo só nos fundos da casa”, diz.

De acordo com o consultor técnico e professor aposentado de geologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Edésio Teixeira de Carvalho, construir fora da região de filito e quartzito não garante que a construção será mais estável. “O prédio que desabou no Caiçara (Região Noroeste) estava em solo de gnaisses, que são rochas mais firmes. A diferença é que o filito e o quartzito precisam ser escavados mais fundo para chegar a uma rocha sã”, afirma.

Rochas só serão removidas na estiagem

Testemunhas da tragédia que matou nove crianças de uma mesma família em 2003, no Morro das Pedras, as rochas dependuradas nos barrancos que deslizaram na ocasião são serão removidas quando parar de chover. Ainda hoje, elas ameaçam os barracos situados um pouco abaixo. De acordo com a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), explosivos não poderão ser empregados devido ao risco de estilhaços e detritos atingirem os casebres que ficam todos muito próximos uns dos outros. Em vez disso, será usada uma massa autoexpansiva. O material é injetado na pedra e ao aumentar seu volume naturalmente causa fraturas e a secciona. Enquanto o processo não é concluído, seis famílias foram retiradas de suas casas até que as chuvas passem.

Enxurradas que levam tudo

Quando o risco não é a chuva que penetra no solo instável, é a concentração da água que desce pelas encostas e inunda ruas. E não ameaça apenas as 10 mil pessoas que moram em beiras de córregos, de acordo com o cálculo da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap). Na Região Oeste, moradores e comerciantes da Avenida Silva Lobo sofrem com as inundações periódicas. Nesta estação de chuvas os carros foram arrastados pelas correntezas, gente teve de subir nos tetos dos veículos para não se afogar ou ser carregada.

No edifício Santa Mônica, na parte mais baixa da Avenida Silva Lobo, no Prado, os moradores tiveram de colocar mais de 40 sacos de areia em frente ao portão da garagem para que ele não ceda com a força da enxurrada. No prédio, as marcas do nível que a água alcança chegam a 1,70m. Como mora no primeiro andar e assiste a tudo de perto, a terapeuta corporal Márcia Ferraz, de 60, conta que o processo é muito repentino. “Aqui na parte de baixo do bairro chega a estar seco, quando vem aquele aguaceiro de enxurradas dos bairros mais altos e da Avenida Barão Homem de Melo, inundando tudo”, afirma.

Além do prejuízo, já que os portões das garagens precisam ser trocados sempre e até os relógios de energia da Cemig ficam submersos, a agonia maior da terapeuta é quanto à segurança do casal de filhos. “Quando chove ligo imediatamente para eles. Se estiverem no ônibus vindo para casa, mando descer e pegar outro para a casa do meu pai. Se estiverem de carro, que se protejam. A cena mais medonha que vi foi minha filha chegando com água pelos joelhos” recorda.

Os comerciantes locais também sofrem com os alagamentos da Avenida Silva Lobo. Dono de uma banca de revistas, Elísio Antônio Soares da Silva, de 36, ainda tem dezenas de revistinhas em quadrinhos e livros separados para secar. A mercadoria foi tudo o que conseguiu salvar da última enxurrada, em 15 de dezembro. Ele estima que o prejuízo, só dessa vez, foi de R$ 1,5 mil. “Tem lama na minha banca até hoje. Acho que para resolver isso tinha de limpar direito a rede de drenagem. Toda vez que chove vemos os bueiros e bocas de lobo cuspindo água e lixo debaixo do asfalto”, afirma.

Na pet shop onde trabalha Shirley Silvana de Brito, de 46, as únicas testemunhas da água lamacenta que subiu mais de 30 centímetros dentro do estabelecimento foram os canários que ficam em gaiolas altas para serem vendidos. “Nós vimos as inundações pelos jornais e TV. Na hora soube que teríamos muito prejuízo e trabalho no dia seguinte”, lembra. De acordo com Shirley, muitos móveis de madeira e de compensado tiveram sua base comprometida. Itens que estavam expostos mais baixo também se perderam. “Aqui a gente não pode esperar que o poder público aja. Temos de colocar os produtos mais alto, levar para casa. Senão, ocorre como muitos por aqui: você leva tanto prejuízo que precisa fechar as portas”, disse.


Filito e quartzito

O filito – também chamado filádio – é uma rocha metassedimentar de granulação muito fina, formada por sericita, caulinita e quartzo. Tem sua origem em material argiloso de composição até 50% cerâmica, por si só deslizante. Tem colorações que vão do branco ao cinza e preto. O filito é encontrado apenas no Brasil e vem sendo largamente utilizado em cerâmica. Já o quartzito é uma rocha metamórfica cujo componente principal é o quartzo. É fonte de material para tijolos e refratários, usada na siderurgia e para o preparo do leito de fusão dos altos-fornos ou como rocha ornamental.


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