Jornal Estado de Minas

Construtoras descumprem Código de Posturas e invadem calçadas para pedestres

Em meio à correria diária nas ruas de Belo Horizonte, o pedestre busca seu espaço. Se a disputa com os carros é desigual e é difícil encontrar motoristas que dão preferência a quem está caminhando, o jeito é buscar a segurança nas calçadas. Porém, nem os passeios públicos dão condições de uma caminhada segura aos pedestres. A reportagem do EM percorreu três regiões da cidade e constatou que obras da construção civil em andamento na capital prejudicam a vida de quem anda a pé. As empreiteiras cometem abusos e invadem a área destinada aos pedestres, descumprindo as normas fixadas pela prefeitura no Código de Posturas. O desrespeito mais comum é a instalação de tapumes que avançam sobre o passeio e deixam uma área reduzida para o pedestre, menor do que a determinada pela legislação municipal.



De acordo com o Código de Posturas, a área destinada ao pedestre no passeio deve ser de no mínimo 1,5 metro. Quando a largura total da calçada for inferior a dois metros, 75% devem ser destinados à circulação, enquanto os 25% restantes ficam para o mobiliário urbano, como placas, bancas de revistas, telefones públicos, entre outros. No caso das obras, a lei diz que não é necessário licenciar o tapume quando ele estiver posicionado no alinhamento do lote. Porém, se a estrutura invadir o passeio, deve ser licenciada e ocupar no máximo metade do passeio, desde que a outra metade destinada aos pedestres tenha no mínimo 1,2 metro.

Não é o que ocorre na Rua Piauí, esquina com Rua Bernardo Guimarães, Bairro Funcionários, Região Centro-Sul de BH, onde uma obra complica o caminho dos pedestres que passam pela Bernardo Guimarães. O tapume avança sobre o passeio, deixando apenas 1 metro para a circulação das pessoas. Como os motoristas que param os carros no estacionamento rotativo ainda invadem um pedaço da calçada, a largura fica mais reduzida e o pedestre mais espremido.

Quando os caminhantes se aproximam da esquina, há uma árvore na Bernardo Guimarães bem próxima ao tapume, reduzindo o espaço para uma largura de 70 centímetros. Nesse caso, não cabem duas pessoas lado a lado. A Construtora Ágata, responsável pelo empreendimento, reconheceu que o tapume na Rua Bernardo Guimarães invade a área dos pedestres, mas informou que o problema foi causado por um deslizamento de terras na área interna da construção. Segundo a empresa, o transtorno chegou próximo ao alinhamento do passeio e por isso foi necessário empurrar o tapume para não por em risco a segurança das pessoas. A contenção do local já foi feita e a construtora disse que hoje o tapume estará na distância correta.



Ainda no Bairro Funcionários, na esquina das ruas Santa Rita Durão e Rio Grande do Norte, a obra de um prédio bloqueia a passagem de pedestres pela calçada da Santa Rita Durão. Como há duas caçambas ao lado do passeio interditado, o jeito é arriscar e andar pela rua, se espremendo entre carros e caçambas. Crianças que estudam em um colégio perto passam pelo local e precisam andar pela rua sem segurança, já que não foi criada nenhuma passagem com telas e cones para os pedestres. Nesse caso, a construtora deve fazer uma passagem com segurança pela rua, com aval da BHTrans.

Falta de segurança

O empresário Leo Araújo, de 57 anos, mora perto da obra e diz que há dois anos os pedestres convivem com desrespeitos no local. “Quem passa por aqui sente uma completa falta de segurança. Às vezes eles liberam o passeio e em outras ocasiões fecham de novo. Fica sempre variando e o pedestre tem que se virar”, diz o empresário. A Somattos Engenharia, executora da obra, informou que o engenheiro está de recesso, mas que a situação do passeio é momentânea e já está sendo resolvida.

No Bairro Sagrada Família, Leste da capital, a situação se repete. O enfermeiro Renato Mendes, de 37, anda pela Rua São Joaquim três vezes ao dia e já se acostumou a caminhar na pista destinada aos veículos. “É muito comum as construtoras reduzirem o passeio para ganhar espaço na área interna da construção”, diz ele. Em frente ao número 138, onde há uma obra, o tapume deixou livre apenas 90 centímetros de passeio, que está completamente esburacado. No fim da calçada há uma placa de carga e descarga, deixando 40 centímetros de cada lado para circulação. Não há outra opção que não seja caminhar pela rua.



“Com a chuva o problema é ainda pior. Na calçada não tem espaço e nas ruas a enxurrada desce com força. Basta colocar os pés no asfalto para ficar tudo molhado”, completa Renato. A Anglo Engenharia, que toca a obra, informou que se constatar a irregularidade vai consultar a PBH e resolver o problema na semana que vem. A empresa apresentou alvará do tapume, mas com a notificação de deixar área de 1,2 metro livre.

A PBH informou que a fiscalização é feita de acordo com as reclamações recebidas no 156, BH Resolve, Sac Web e também pelas visitas rotineiras. A ação contempla os tapumes, telas de proteção, barracão de obras e andaimes. Neste ano, até 31 de outubro, foram 746 visitas, que geraram 98 notificações, 49 autos de infração e três embargos de obra. Em 2010 foram 737 visitas, resultando em 130 notificações, 37 autos de infração e dois embargos.


Palavra de especialista

Cláudia Pires – arquiteta e urbanista
conselheira superior do Instituto dos Arquitetos do Brasil/MG

Direitos devem ser garantidos

Os direitos de cada um precisam ser respeitados. As construtoras podem usar o passeio, desde que reservem uma área de no mínimo 1,2 metro, conforme prevê a lei. Quando isso não acontece os pedestres são prejudicados, mas quem sai perdendo ainda mais são as pessoas que têm mobilidade reduzida, como cadeirantes e deficientes visuais. Para que essas pessoas não sejam lesadas, a fiscalização da prefeitura tem que ser feita com rigor. O grande problema é que em muitas situações o desrespeito acontece em obras do próprio poder público, o que compromete a fiscalização adequada. Outra questão importante é a imagem da cidade. Belo Horizonte está se preparando para um evento de grande porte como a Copa do Mundo e não é bom receber um turista com passeios impedidos ou restritos à circulação de pedestres.