Jornal Estado de Minas

Sacolas biodegradáveis são reprovadas em teste de laboratório da UFMG

UFMG testa embalagens ditas compostáveis e biodegradáveis, obrigatórias em BH desde abril, e constata que elas têm composição semelhante à das convencionais e descumprem lei municipal

Paula Sarapu
A ideia sustentável de levar as compras para casa em sacolas plásticas compostáveis e biodegradáveis não é tão ecologicamente correta assim em Belo Horizonte
Estudo feito pelo Laboratório de Ciência e Tecnologia de Polímeros do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) indica que sacolas testadas na capital apresentam o mesmo percentual de polietileno – polímero usado na fabricação de embalagens de plástico – das convencionaisPela lei municipal, que passou a valer em abril deste ano, somente as sacolas compostáveis e biodegradáveis poderiam ser oferecidas aos consumidores em BHElas são feitas de amido de milho, de mandioca ou batata, mas o trabalho tampouco identificou a presença de amido na composição dessas embalagens.

Vinte sacolas foram recolhidas aleatoriamente em supermercados, farmácias e padarias de BH e de cidades da região metropolitanaDe início, a coleta já permite afirmar que ainda estão disponíveis no mercado embalagens proibidas pela leiAs amostras foram distribuídas em quatro grupos: compostáveis e biodegradáveis, convencionais, oxibiodegradáveis e recicladasOs resultados preliminares do estudo, ao qual o Estado de Minas teve acesso, não permitem distinção entre os exemplares de um mesmo grupo de sacolas ou entre grupos distintosApenas uma embalagem, dita compostável e biodegradável, já apresentava indícios de degradaçãoA pesquisa aponta também que as amostras de sacolas oxibiodegradáveis, quando submetidas à queima, tiveram teor de cinzas extremamente elevado, sinalizando para a presença de aditivos inorgânicos que podem ser poluentes.

Segundo o coordenador do Grupo de Pesquisa em Géis e Polímeros da UFMG, professor Roberto Fernando de Souza Freitas, as embalagens foram submetidas ainda a raios infravermelhos para identificar seus elementos químicos e tipo de material, e análises térmicas para definir a temperatura de fusão (130 graus) e degradação (430 graus), esmiuçando os resíduos que sobram com aditivosA pesquisa comprova que as amostras têm entre 85% e 90% de polietileno, que é um polímeroO indicativo era esperado para as embalagens convencionais, mas foi verificado também nas outras
“Não observamos diferença na composição química das sacolas dos quatro grupos de amostraAo final do trabalho, poderemos emitir um laudo e encaminhá-lo às autoridades, se for o caso, sugerindo a revisão da lei”, afirma.

Resíduos
De acordo com o especialista, a queima do polímero produz cinzas que são altamente poluentes porque podem conter metal, entre outras substâncias e aditivosOs resultados iniciais mostram que as sacolas oxibiodegradáveis têm o mesmo percentual de resíduos das sacolas tradicionaisSomente a amostra de sacola compostável que apresentava indícios de degradação registrou teor de cinzas menor, de 7 a 8%As demais tiveram 15% de resíduos poluentes“No caso da embalagem que apresentava sinais de degradação, não sabemos quando ela foi produzida e por isso não é possível afirmar se a degradação ocorreu pelo tempo, por falhas no processamento do polímero ou ausência de aditivos na proporção usada para ampliar a vida útil da sacola”.

O professor é contrário à Lei 9.529/2008, que restringe o uso das sacolas plásticasEle diz que os polímeros trouxeram mais qualidade de vida à população e que a proibição dessas embalagens não resolve o problema ambientalNa opinião dele, os esforços do poder público deveriam se concentrar na conscientização sobre a forma de descarte inadequado desse material na natureza“Ao propor a substituição das sacolas convencionais pelas biodegradáveis, a lei gera no imaginário das pessoas a falsa ideia de que as novas embalagens poderiam ser descartadas sem qualquer dano ao meio ambiente, o que não é verdadeEssas embalagens supostamente biodegradáveis são plásticos oxidegradáveis ou fragmentáveis, que recebem aditivos químicos para acelerar o processo de degradação”, afirma Roberto.

‘Catástrofe’
De acordo com o coordenador do Grupo de Pesquisa em Géis e Polímeros da UFMG, a degradação química promove uma poluição invisível, com a quebra dos sacos plásticos em milhares de pequenas moléculas que não desaparecerão na natureza
“Elas se transformarão em resíduos, em pó, e vão parar em leitos de rio, cursos d’água e permanecerão no soloCom isso, esses resíduos de plásticos quimicamente tratados podem ser incorporados à nossa dieta e na dos animaisDo ponto de vista ambiental, é uma catástrofe”, diz o professor.

O trabalho ainda não foi finalizadoO universo das amostras será ampliado e também estão feitos testes de envelhecimento acelerado em uma câmara que simula as condições do meio ambiente, de temperatura, luz e poluiçãoAs sacolas plásticas ainda devem ser enterradasO estudo deve ser concluído até meados de 2012O resultado inicial, porém, já surpreendeu o fisioterapeuta Gabriel Cordeiro, 33 anos, que fazia compras ontem em supermercado da capital“Nunca tinha ficado em dúvida”, disse

FIQUE ATENTO

O QUE PODE SER USADO
Sacola biodegradável compostável: Feita de amidos (milho, mandioca ou batata) ou do bagaço de cana-de-açúcarNão poluente e sem resquícios de toxicidade, a sacola tem decomposição natural no prazo de 180 dias sob determinadas condições de umidade e de luz.

Sacolas retornáveis: Feitas de tecidos, lonas, TNT, sisal ou plásticos, com espessura mínima de 0,3 mmSão resistentes e duráveis

Sacos plásticos transparentes: Usados para embalar frutas e verduras nos sacolões e carne nos açougues, não são citados na lei porque não têm finalidade de transporte

Saco de lixo biodegradável: Produzido com amidos ou bagaço de cana, tem prazo de decomposição de até 180 dias e substitui os sacos de lixo convencionais à base de petróleoResíduos finais resultantes nãosão danosos ao meio ambiente

O QUE NÃO PODE SER USADO
Sacola de plástico convencional: Produzida à base de petróleo, é descartável e tem tempo de decomposição de até 400 anos

Oxibiodegradável: Sacola plástica feita de polímero de petróleo que contém o aditivo D2W, que acelera a decomposiçãoO aditivo faz a sacola se separar em partes, mas o processo não ocorre naturalmente

Biodegradável compostável sem selo : Não tem a identificação de atendimento das normas da ABNT porque foi confeccionada antes da publicação do Decreto 14.367, no último dia 12, que exige o selo

Reciclada: Sacola de plástico descartável feita com sobras de produção e de plástico reciclado oriundo de cataçãoGeralmente é colorida (verde, amarela, vermelha ou preta), tem impurezas e resíduos tóxicos prejudiciais para o meio ambiente

PONTO CRÍTICO
A lei das sacolas biodegradáveis compostáveis é positiva?

Marcus Vinicius Polignano, ambientalista, coordenador do Projeto Manuelzão da UFMG
SIM
“Desde que a lei das sacolinhas foi sancionada, milhares de embalagens plásticas foram retiradas de circulaçãoNosso modelo de consumo propicia conforto e comodidade, mas pouco se preocupa com o destino dessas sacolas e isso leva à degradação do meio ambienteO jeito mais comum de reutilizar as sacolas plásticas é para jogar o lixo foraA gente produz, consome e joga foraHá sacolas plásticas, pilhas, pneus e material de computadorSe queremos ter sustentabilidade, teremos que abrir mão da comodidadeA sociedade precisa evoluirEvitar o consumo de matéria-prima e o descarte de material que não é biodegradável é um exercício de cidadaniaE cada um de nós pode ter atitudes mais significativas com o meio ambiente em nosso dia a diaA prefeitura também precisa fazer sua parte e ampliar a coleta seletivaOutra vertente para se discutir é a fiscalizaçãoOs órgãos de certificação precisam qualificar produtos verdadeiramente com essas característicasSenão, é malandragem da indústria”.

Roberto Fernando de Souza Freitas, coordenador do Grupo de Pesquisa em Géis e Polímeros da UFMG

NÃO
“A lei tem equívocos básicos e tira o conforto do cidadão, banindo certos tipos de sacolinhas plásticas, mas isso não contribui em nada para a diminuição do impacto no meio ambienteOs sacos transparentes usados para embalar frutas, carnes e peixes continuam disponíveis no mercado e eles têm a mesma composição química das outras embalagensAlém disso, a lei passa uma ideia de que você pode descartar as sacolas no meio ambiente por elas serem ecologicamente corretas, o que não é verdadeOs plásticos invadiram nossas vidas porque são mais leves, personalizáveis, impermeáveis, fáceis de processar em qualquer formaParadoxalmente, o que traz facilidade traz também um problema que só se desfaz entre 100 e 500 anosExatamente pela sua durabilidade, ele pode ser recicladoAs sacolas convencionais serviam para seu fim e uma possibilidade era melhorar sua qualidade para diminuir seu usoO problema não é usar a sacolinha, mas a forma como descartá-la”.