Jornal Estado de Minas

Redução da Área de Diretrizes Especiais Santa Lúcia pode render ação contra a PBH

O encolhimento e a flexibilização da Área de Diretrizes Especiais (ADE) Santa Lúcia, perímetro restrito à construção de casas em endereço nobre de Belo Horizonte, nos limites das regiões Centro-Sul e Oeste da capital, podem render um processo à Prefeitura de Belo Horizonte. A mudança abre espaço para exploração comercial de espaço antes protegido e, com isso, fere norma prevista na Constituição Federal. Trata-se do princípio de vedação ao retrocesso, que, em outras palavras, proíbe mudanças que tornem leis ambientais mais brandas e menos restritivas.



A ADE Santa Lúcia teve sua área reduzida quase pela metade e seus lotes voltados para a Avenida Raja Gabaglia, visada pelo mercado imobiliário, podem agora receber empreendimentos comerciais. As alterações decorrem de revisão, no ano passado, pelo Executivo municipal, da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (nº 7.166/1996), uma das principais legislações da cidade. O primeiro efeito da alteração é a instalação de um outdoor luminoso, com autorização da prefeitura, em área de vista privilegiada, que moradores lutaram para ver limpa das placas publicitárias.

A modificação da ADE Santa Lúcia é um retrocesso”, afirma o professor de direito ambiental da Escola Superior Dom Hélder Câmara, Abraão Soares Gracco, que ressalta o problema já criado com a instalação do engenho de publicidade. “A permissão em relação ao outdoor vai contra qualquer regra da cidade. A prefeitura custou a lutar contra o poder econômico e limpar BH dessas placas enormes”, diz Abraão, se referindo à revisão do Código de Posturas, no ano passado, que prometeu a redução de 85% dos outdoors em BH.

Segundo o professor, as mudanças na lei ferem a Constituição e a prefeitura pode ser processada por isso. O mesmo ocorre com obra de dois hotéis próximo à Lagoa da Pampulha. Em alteração de outro artigo da lei, direcionada para os lotes dos espigões na ADE da Pampulha, a prefeitura permitiu, com aprovação da Câmara, a construção de prédios mais altos, ferindo o mesmo princípio. “Estão pressionando vários pontos da cidade para favorecer empreendimentos comerciais, no Santa Lúcia, na Pampulha e, provavelmente, em outras áreas que ainda nem sabemos, mas que podem ser afetadas por flexibilização”, completa a arquiteta e urbanista Jurema Rugani, do Fórum Mineiro de Reforma Urbana.



Tristeza
É com um misto de surpresa e revolta que o presidente da Associação Pró-interesses dos Moradores do Alto do Bairro Santa Lúcia, Joaquim Vidigal, fala sobre a flexibilização da ADE Santa Lúcia, criada em 2002. Segundo ele, os moradores não foram consultados em nenhum momento sobre a alteração na área, fruto de luta e mobilização da comunidade. “Conseguimos aprovar na Câmara Municipal a ADE Santa Lúcia depois que a prefeitura autorizou a construção de um espigão na Raja Gabaglia e acabou com o sonho de quem escolheu morar ali por causa da vista. Devagarzinho, eles vão mexendo em tudo de novo”, afirma Joaquim.

Antes de saber da mudança na área da ADE, o líder comunitário já havia acionado o Ministério Público (MP) estadual por causa da instalação do outdoor com o aval da prefeitura. De acordo com o promotor de Justiça de Arquitetura, Urbanismo e Meio Ambiente Cristovam Joaquim Fernandes Ramos Filho, responsável pelo caso, um procedimento foi instaurado para apurar a questão. “A Regional Oeste foi oficiada para prestar informações e tem até 23 de dezembro para dar uma resposta ao MP”, explica o promotor.

A presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Minas Gerais (IAB/MG), Cláudia Pires, também considera a redução da área da ADE Santa Lúcia um retrocesso. “Foi uma grande luta dos moradores para criar a ADE. E, agora, a prefeitura age de cima para baixo, sem a participação direta da comunidade envolvida”, afirma Cláudia.





 

Memória - Espigões na Pampulha

Moradores da Pampulha, um dos principais cartões-postais de Belo Horizonte, também se surpreenderam com as consequências da revisão da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo. A 800 metros da orla da lagoa, dois espigões, em fase final de licenciamento na prefeitura da capital, já têm canteiro de obras armado. Os lotes na Avenida Alfredo Camaratte, no Bairro São Luís, ficam na Área de Diretrizes Especiais (ADE) da Pampulha, criada para “assegurar condições de recuperação e de preservação ambiental da represa da Pampulha, proteção e valorização do patrimônio arquitetônico, cultural e paisagístico”, nos termos da Lei 9.037/2005. Com a flexibilização, os empreendedores garantiram a possibilidade de levantar prédios com mais de 9 metros de altura, que é o limite da ADE. Resguardadas ainda pela Lei 9.952/2010, que dá benefícios a empresários do setor hoteleiro, sob argumento de melhorar a infraestrutura de BH para a Copa do Mundo’2014, a CMR Construtora e a Brisa Empreendimentos pretendem construir hotéis de 47,64m e 60,6m de altura, respectivamente. Em outras palavras, dois espigões de 13 e 15 andares. O caso foi revelado pelo Estado de Minas no fim de outubro. Na época, questionada sobre a possibilidade de ser processada na Justiça por retroceder em lei ambiental, a prefeitura respondeu que “se trata de questão estritamente urbana sem repercussão na qualidade do meio ambiente da região”. O caso é investigado pelo Ministério Público Estadual.