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Estado de Minas

Marca da construção de BH, pinturas parietais colorem o interior de imóveis

Feita no reboco, técnica foi difundida por imigrantes italianos


postado em 05/11/2011 06:00 / atualizado em 05/11/2011 07:13

Margarida Conceição mostra as pinturas feitas diretamente nas paredes da sala de jantar da sua casa, no Bairro Sion(foto: Fotos: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Margarida Conceição mostra as pinturas feitas diretamente nas paredes da sala de jantar da sua casa, no Bairro Sion (foto: Fotos: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
 

Belo Horizonte vai completar 114 anos no mês que vem e pode se orgulhar de um tesouro artístico guardado desde o início da sua construção em prédios públicos, templos religiosos e nas varandas e salas das residências. Em tons vivos, recriando paisagens bucólicas, flores, frutas ou símbolos orientais, as pinturas parietais – feitas diretamente nas paredes e teto, sobre o reboco – eram grande moda no país no fim do século 19 e início do 20, sendo imediatamente incorporadas pelos construtores. A chegada de imigrantes, em especial italianos, serviu para disseminar a técnica e marcar as primeiras décadas da cidade, deixando um legado que desperta surpresas e encantamento.

A casa da professora de piano Margarida da Conceição Marques, no Bairro Sion, Região Centro-Sul da capital, já está enfeitada para o Natal, mas o que mais chama atenção está no alpendre e na sala de jantar. No primeiro espaço, na forma de um quadro, um artista italiano desconhecido recriou um dia ensolarado na praia, embora o tempo e a fuligem tenham tirado muito da cor e brilho da cena marinha. Já as paredes internas se transformaram em tela perfeita para a decoração baseada numa profusão de frutas. Satisfeita com o ambiente que ela mesma restaura quando necessário, Margarida diz que o sobrado foi construído pelo seu pai, o português José Marques Rosa, entre 1922 e 1923. “Não sei o que é mudar de casa, pois moro aqui desde o nascimento. Essas pinturas fazem parte da minha vida. Gosto muito do que é bonito”, conta a professora de piano, mostrando as guirlandas que ornamentam o alto da parede e a meia parede imitando madeira (lambris).

Já na Rua Sapucaí, no Bairro Floresta, Região Leste, a futura sede do Centro de Catalogação, Pesquisa e Difusão do Acervo e História do Instituto Cultural Flávio Gutierrez (ICFG) passa pelo processo de restauração, trazendo à tona as pinturas que ocupam praticamente todos os cômodos. Há motivos florais e lambris, como na casa de Margarida. À frente da restauração do imóvel, datado de 1932 está a especialista Maria Regina Ramos, da Oficina de Restauro, que trabalhou em grandes obras como a reforma do Palácio da Liberdade, onde há pinturas imitando tapeçaria, a renascença italiana e figuras mitológicas, e da Secretaria de Estado de Educação, hoje Museu das Minas e do Metal. Maria Regina diz que BH é das cidades brasileiras consideradas referência em pinturas parietais, já que nasceu em plena efervescência da técnica no Brasil.

Para fazer os ornamentos, que não podem ser confundidos com afrescos, os artistas da época passavam uma base sobre o reboco e depois faziam as pinturas com têmperas oleosas. Os artistas usavam tinta caseira, orgânica, e desenhavam as paisagens à mão livre, nas varandas, ou com molde, dentro das casas. “Trata-se de um patrimônio importante, um marco da cidade”, avalia a especialista envolvida também na restauração da Igreja Ortodoxa São Jorge, na Avenida Olegário Maciel, no Centro. O templo inaugurado em 1934 e reaberto em março deste ano, depois de uma década fechado, vê agora ressurgirem as cores originais de um conjunto que inclui a Santa Ceia, o padroeiro, os 12 apóstolos, com inscrições em árabe, e os quatro doutores da igreja ortodoxa (São Basílio, São Nicolau, São Crisóstomo e São Gregório). Uma parte já se perdeu, como mostra um quadro desfigurado perto da pia batismal.

Outro marco dessa arte é a Igreja São José, na Avenida Afonso Pena, no Centro, cujo centenário foi comemorado no ano passado. As pinturas em estilo neogótico, a cargo do artista alemão Guilherme Schumacher, recriam as existentes em igrejas da Europa. Além das figuras religiosas, a São José apresenta outras simbologias, como os signos do zodíaco.

SALÃO NOBRE Um exemplo das pinturas parietais, que para especialistas é magnífico, está no Museu das Minas e do Metal, na Praça da Liberdade. O prédio foi inaugurado em 12 de dezembro de 1897, junto com a capital, e começou a funcionar como museu em março de 2010. Da portaria ao segundo piso, paredes e teto explodem em cores e formas sofisticadas, como imitação de tapeçaria e pedras. O visitante não deve deixar de apreciar as colunas, imitando mármore; o salão nobre, com apenas algumas cadeiras para contemplação tendo em vista a grandiosa decoração; as salas Eliezer Batista e Djalma Guimarães; e o banheiro feminino, com predominância do azul e emoldurado por vários tons. Apesar de estar em lugar de pouca visibilidade, o trabalho não apresenta qualquer sinal de vandalismo, informa uma funcionária. No restauro, foram retiradas até seis camadas de tinta que encobriam a arte original.

A moda das pinturas parietais, na capital, durou até meados da década de 1930, sendo um dos últimos representantes o Cine Brasil, na Praça Sete, no Centro. A diretora de Patrimônio da Fundação Municipal de Cultura, a historiadora Michele Arroyo, conta que uma das características fortes em BH foi a aplicação da técnica em prédios públicos. Nas residências, as varandas exibem motivos campestres, cenas de pescaria e paisagens de Ouro Preto, num saudosismo dos moradores pela cidade que deixara de ser a sede do governo estadual.


SAIBA MAIS
Diferente de afresco
As pinturas parietais encontradas em Belo Horizonte não são afrescos como os típicos da Renascença italiana, diz a restauradora Maria Regina Ramos (foto). Ela explica que afresco é a técnica de fazer a pintura sobre o reboco ainda molhado. Isso permite que a tinta entranhe mais e garanta durabilidade. Já a parietal é feita sobre a superfície do reboco seco.


LINHA DO TEMPO

1894: Começa a construção do Palácio da Liberdade, que ganhou pinturas nas paredes e teto do alemão Frederico Steckel

1895: Construção do prédio da Secretaria de Interior (depois Educação e hoje Museu das Minas e do Metal), que também tem pinturas de Steckel

1897: Belo Horizonte é inaugurada em 12 de dezembro e atrai muitos imigrantes, em especial italianos

1901: Começa a construção da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, com guirlandas pintadas pelo italiano Francisco Tamietti

1910: O artista alemão Guilherme Schumacher faz as pinturas internas da Igreja São José, no Centro

1932: Construção do Cine Brasil, na Praça Sete, com pinturas parietais no estilo art déco

1934: Inaugurada a Igreja Ortodoxa São Jorge, no Centro, com pinturas sobre a vida de Cristo

2011: Restauração das pinturas parietais da Igreja Ortodoxa São Jorge
 


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