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Estado de Minas Saudade de dias felizes

Lembranças aos mortos ganham novos formatos

Santinhos tradicionais em preto e branco são substituídos por folhetos coloridos e até vídeos por familiares para eternizar boas lembranças de entes queridos que morreram


02/11/2011 06:00 - atualizado 02/11/2011 07:09

Inez, Carolina e Rosa (com o marido, Charles) fizeram folderes com fotos e textos para homenagear os pais
Inez, Carolina e Rosa (com o marido, Charles) fizeram folderes com fotos e textos para homenagear os pais (foto: Fotos: JAIR AMARAL/D.A PRESS)
 

 

Os filhos sabem que só o tempo poderá amenizar um pouco a dor pela perda, os netos remendam o coração com fios de saudade e amigos se alimentam de lembranças para guardar bem forte a memória dos que já partiram. Morte é mistério, abismo, mas, para suportá-la e levar a vida adiante, muitas famílias estão encontrando formas criativas e singelas para homenagear pessoas queridas, transformando o sofrimento em recordações eternas e delicadas. Um dos exemplos está nos tradicionais santinhos distribuídos nas missas de sétimo dia, que trazem geralmente a figura de Cristo crucificado na frente e um retrato 3x4 do falecido junto a uma citação bíblica no verso. Hoje, folhetos coloridos, com muitas fotos, DVDs e até faixas nas ruas servem para externar os sentimentos e compartilhar com a comunidade momentos tão difíceis.

Foi num domingo de carnaval que o juiz de direito Newton Ribeiro da Luz Filho (1922-2009) morreu, para completa tristeza da mulher Edir, dos filhos Marta, Rosa, Bernardo, Inez e Carolina e das netas. Na noite seguinte, Rosa, publicitária e educadora ambiental, teve um sonho, no qual a trajetória do pai, um carioca de família mineira e juiz por 30 anos em Santa Luzia, na Grande BH, se traduzia em algumas páginas, com retratos e texto. “Estávamos todos atordoados, sem chão, mas tínhamos de pensar no santinho para distribuir na igreja”, conta Rosa, que tratou logo de falar sobre o assunto com o marido, o designer gráfico e fotógrafo Charles Machado. Da conversa, surgiu a ideia de produção de um folder.

A primeira providência foi reunir a família e abrir o álbum de retratos. “Impossível dizer que foi uma tarefa comum. A fotografia é um reencontro com o passado e cada imagem reacendia as lembranças. A criação foi um processo doloroso”, recorda-se Charles. Mas, unidos, os filhos de Newton e Edir escolheram 44 fotos, em ordem cronológica, de mais de uma centena, aprovaram o leiaute e o mandaram para a gráfica. “No início, ficamos um pouco apreensivos se o folder poderia causar algum impacto, mas o resultado foi o melhor possível. Tanto os mais velhos quanto os mais novos gostaram. Até no hospital que meu pai ficou internado médicos e enfermeiros pediram um exemplar”, conta Inez, apontando o pai na foto em preto e branco, quando jovem; e em cores na piscina do sítio em Santa Luzia; com a filha Carolina, no dia da formatura em direito; nas férias, comendo milho verde; ou se divertindo, acabando de acordar, com um roupão e chapéu. “Tentamos traduzir a alegria dele e o folder reflete muito da sua personalidade. Ficamos com uma sensação de dever cumprido”, avalia Marta.

Mal a família tinha se refeito do grande baque emocional e veio a morte da mãe, Edir de Castro Ribeiro da Luz, exatamente 28 dias depois. Novamente a família se juntou e, como forma de homenageá-la, fez outro folder, igualmente distribuído na missa de sétimo dia. “Se para o pai escrevemos, na capa, a palavra ‘lembranças…” para a mãe escolhemos ‘saudades…’, pois ela sempre falava dos seus tempos de jovem e dos primeiros tempos de casada. Fizemos questão de mostrá-la com o vestido de noiva”, revela Rosa. Hoje, os filhos vão ao cemitério, mas lembram que jamais deixam de comemorar as datas natalícias de ambos, com bolo e salgados. “Meu pai adorava bobó de camarão e minha mãe, risoto. Então, esses pratos não podem faltar no ‘aniversário” deles”, brinca Inez.

Mensagens de paz e amor à natureza

'Hugo tinha um compromisso com a paz no mundo e com o encantamento da natureza. De trabalhar a favor, com e não contra ninguém' - Maria da Penha Furquim Werneck, viúva de Hugo Werneck
"Hugo tinha um compromisso com a paz no mundo e com o encantamento da natureza. De trabalhar a favor, com e não contra ninguém" - Maria da Penha Furquim Werneck, viúva de Hugo Werneck (foto: Fotos: JAIR AMARAL/D.A PRESS)
A família do dentista, fundador do Centro de Conservação da Natureza e ex-presidente da Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte Hugo Eiras Furquim Werneck (1919-2008), que teve 11 filhos, também encontrou uma maneira comovente e criativa para reverenciar a memória do ambientalista. Em vez dos santinhos, 400 DVDs, contendo o canto de passarinhos e depoimentos do “doutor Hugo”, como era conhecido, foram distribuídos na missa de sétimo dia, celebrada em Belo Horizonte.

Por que imagem e voz e não um santinho? A viúva, Maria da Penha Mendes Furquim Werneck, pedagoga e educadora ambiental, responde que a ideia, de início, foi permeada pelo desejo de homenageá-lo. “Foi uma inovação, mas não era o principal. Naquele momento, a dor da perda, em que a ausência física se fazia presente, ampliar e consolidar o pensamento dele a favor da qualidade de vida no planeta ecoava fortemente”, conta Penha, lembrando que muitos participantes de palestras, em muitas cidades brasileiras, perguntavam onde encontrar livros ou artigos publicados por ele.

“Hugo nunca teve essa pretensão. O seu objetivo era praticar a ecologia humana, a boa convivência entre o homem e a natureza. Tinha um compromisso com a paz no mundo e com o encantamento da natureza. De trabalhar a favor, com e não contra ninguém. Em parcerias, homens, sociedades e instituições em prol da boa qualidade do meio ambiente”, diz Penha, citando uma frase do ambientalista: “O homem é construtor do mundo e da vida. O amor à natureza é uma dimensão da cidadania.”

Faixa na esquina Já na esquina da Rua Maranhão com Avenida Getúlio Vargas, no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, há um ano e quatro meses uma faixa estampa o pesar de moradores pela morte do ambulante João Domingos, o João Gaiola, então com 41 anos. “Ele vendia guarda-chuvas, capas de celulares e outros objetos. Nos últimos anos, trabalhava aqui no sinal de trânsito e todo mundo gostava dele. Além de tudo, era uma segurança a mais para nós. Se ele se candidatasse a vereador, certamente seria eleito”, diz Luiz Cláudio Mariani Pinto, dono de um restaurante na Rua Maranhão.

O ambulante, que tem dois filhos, morreu num acidente de carro e logo o amigo chamado Carlos Henrique afixou a seguinte faixa: “Aqui neste semáforo trabalhou por muito tempo João Domingos, que hoje infelizmente não está mais entre nós. Partiu para a eternidade, deixando muitos amigos”. Luiz Cláudio diz que assina embaixo da frase e acredita que ela vai ficar no muro “até acabar”.

Novos formatos

O gerente Romério Santana, de uma editora que atua há 85 anos no país e há 15 anos em BH, já não tem mais os tradicionais santinhos no catálogo. “Mudou um pouco aquela visão da morte como algo desesperador. As pessoas optam por peças mais coloridas, ao contrário de antes, quando imperavam o roxo e o preto na estampa e havia apenas os retratinhos do falecido. O novo formato, encontrado também em marcadores de livro, atenua o sofrimento e dá mais suavidade”, afirma

 


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