Jornal Estado de Minas

Luto em Minas

Morre o crítico do Estado de Minas, Marcello Castilho Avellar

Arnaldo Viana
Marcello era crítico de artes do Estado de Minas e professor de teatro na PUC Minas - Foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press - 02/06/2008

Adeus a um gênio


Os gênios têm a mania de nos surpreenderVão e vêm, assim de repente, mesmo sem as fantasiosas nuvens de fumaça das mil e uma noitesSão assim até na morteFalo de Marcello Castilho AvellarSei que ele não tinha pretensão de ser gênioMas era, mesmo sem querer sê-loSeu olhar distante, meramente retraído, não dizia de seu conhecimento, de sua delicadeza ao falar de cinema a aqueles a quem considerava absolutamente leigosMas seu semblante de perene ar shakespeariano combinava com a habilidade de sua inteligência, fartamente distribuída em milhares de linhas legadas à imprensa, ao cinema, ao teatro, à literatura e à universidade mineiraMarcello, que faria 51 anos em dezembro, foi encontrado morto em casa, no Bairro Floresta, de causa natural, nesta terça-feira à tardeO corpo será velado no Teatro Alterosa das 16h às 18h30Depois o corpo vai seguir para o velório 3 do cemitério do Bonfim
O enterro está marcado para às 9h desta quinta-feira

Se é possível compreender e absorver o conteúdo de sua escrita, difícil era entender a sua hermética personalidadeUma mente fechada à minimidade do homem, mas com passagem livre para constância de sua criação projetada nas artesUma boca imune à futilidade e aberta à expressão da sabedoriaDizia se dele um gênio indomávelNem tantoPor trás de todas as fechaduras havia um jornalista, um artista, um mestre das artes que não recusava a experiência, por mais absurda que pudesse parecer numa suposta visão intelectual"Vá, Marcello, vá ao Mineirão e me traga uma boa reportagem sobre as torcidas no clássico Atlético x Cruzeiro"Foi, viu e fezUma lição de sutil revelação de como a irracionalidade humana convive, às vezes, com a razão e a emoção
Enfrentou até a maratona do Enem para mostrar como se sente no conturbado teste um candidato a uma cadeira universitária.

"Um renascentista", dizem amigos e companheiros de jornal para explicar que ele jamais precisou de diploma para aflorar a erudiçãoEsse era o belo-horizontino Marcello Castilho Avellar, filho de família ouro-pretana, também professor de teatro na PUC MinasUm mestre da interpretação, mas que não se deixava interpretarUm homem que amava calado, que não extravasava dores nem alegriasUm jeito de ser incompreensível para a maioria"Um enigma, uma indecifrável esfinge", dizem alguns.

Depois de 30 anos a serviço do caderno de Cultura do Estado de Minas, com suas roupas simples, barba por fazer e um cigarro ocasional nervosamente tragado, se junta à imortalidade a outro gênio impenetrável, João Etienne Filho, com quem dividiu a honra de ser referência intelectual em Minas GeraisPara ele, as cortinas se fecham aos 50 anos, mas continuam abertas para seu legado em exibição nas melhores páginas dos jornais e nas prateleiras mais sábias das bibliotecasUm caminho para quem quiser tentar desvendar o que o gênio indomável sempre quis dizer, sem nada querer dizer, como na frase que postou ainda ontem no Facebook: "Neste momento, meu coração deveria estar parado, já que tantos outros que ele teve deixaram de baterPorém, já que não posso mais ser amado, deixem-me ainda amar".