Espreitando em esquinas escuras, das quais surgem para interferir no tráfego, transformar em estacionamento áreas públicas em reforma ou extorquir quem precisa de vagas, os flanelinhas privatizaram o trânsito noturno dos quarteirões da Savassi, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte
As corporações até circulam pela região e ampliaram a ação desde a semana passada, quando reportagem do Estado de Minas mostrou que os quarteirões fechados e em revitalização da Praça Diogo de Vasconcelos vinham sendo depredados e transformados em estacionamento clandestinoMas quem passa pela região à noite constata que a ocupação ilegal da praça é apenas o ponto alto de uma situação sem controle“A ausência do poder público é que possibilita esses constrangimentos à população e a apropriação do espaço públicoAs forças de segurança e de trânsito sabem e têm mapeadas essas ações, mas só agem pontualmente, permitindo que esses clandestinos atuem quando os fiscais vão embora”, avalia o especialista em segurança pública Robson Sávio Reis Souza, da organização não governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Na noite e na madrugada da sexta-feira e de sábado equipes do EM percorreram os quarteirões que compõem a Savassi e testemunharam o domínio dos guardadores de veículos e os abusos que cometemA situação é mais absurda no movimentado quarteirão da Rua Sergipe, entre as ruas Tomé de Souza e Antônio de AlbuquerqueAli, no lado esquerdo do sentido do fluxo, a placa de trânsito é clara: depois das 20h o estacionamento deixa de ser paralelo e passa a funcionar em 45°Medida para atender quem precisa parar o carro na área – onde há seis bares em apenas um quarteirão – sem prejudicar o tráfego na via de três faixas
O “dono” do quarteirão ali é um rapaz alto, com touca, bigodes e fisionomia ameaçadoraAssim que um carro sai da vaga, ele orienta o próximo a manobrar e estacionar em 45°No momento da parada, ele se aproxima dos motoristas, a maioria jovens, casais de namorados e grupos de amigosQuando são homens, pede um “trocado” para vigiarCom mulheres e jovens mais franzinos, o tom da abordagem engrossa e o valor começa a ser estipulado“Deixa ‘dezinho’ (R$ 10) aí agora, que depois fica tranquilo quando você voltar”, insinua.
Ao estacionar os carros daquela forma, o guardador consegue alinhar 40 veículosQuase o dobro das 22 vagas de estacionamento paralelo que são permitidas até as 20hDo outro lado, onde o estacionamento é ao lado do meio fio, cabem 19 automóveis de passeioO movimento intenso e os públicos distintos permitem fazer um cálculo aproximado de quanto esses agentes ilegais podem faturar em pouco mais de seis horas, entre o início da noite e o começo da madrugada: quase R$ 900.
O movimento engrossa no fim da tarde, com o happy hour, seguido da chegada dos frequentadores de bares, a partir das 20h, e então, das 23h em diante, a movimentação de quem procura as boates da Tomé de Souza e da Antônio de Albuquerque
Quando percebeu que a reportagem registrava o estacionamento em 45° uma hora e meia antes do determinado pela placa, o homem se aproxima e tenta intimidar: “Manda seu colega parar de ‘filmar’Aqui pode parar assim”, alega, tentando confundir.
A chuva fria da noite de sábado aumentou a ansiedade por um lugar para estacionar próximo a boates e baresMais combustível para a ganância dos guardadores, que passaram a oferecer até vagas de idosos e de pessoas portadoras de necessidades especiaisA “garantia”, segundo eles, é a sua própria presença, desde que satisfatoriamente remuneradosSe a BHTrans não aparece, a sensação do cliente é a de que o serviço do guardador é bomEle recebe, se já não tiver sido pago anteriormente, e as pessoas se veem estimuladas a prosseguir usando o serviço.
Na noite de sábado, porém, quem pagou adiantado ao guardador de carros para estacionar em vagas de deficientes, na Rua Antônio de Albuquerque, perdeu o dinheiro e não encontrou o carro na voltaO guincho da BHTrans passou pelos flanelinhas, lacrou as portas dos carros e os rebocou para o pátio, deixando para trás apenas um adesivo avisando sobre a remoçãoUma fiscalização pontual, insuficiente para resolver o problema
Resposta foi momentânea
A ação de flanelinhas, a falta de educação de motoristas e a omissão do poder público na Praça Diogo de Vasconcelos, na Savassi, antes mesmo do fim da reforma do espaço, foram mostradas a partir da última quarta-feira pelo EM, que divulgou fotos de fileiras de carros estacionados sobre os pisos recém-assentados dos quarteirões fechadosA Polícia Militar e a Guarda Municipal responderam nos dias seguintes, ocupando parte dos quarteirões e anotando infrações por toda regiãoDas 13h às 17h de quinta-feira, apenas o Batalhão de Polícia de Trânsito aplicou 246 multas (média de uma por minuto), principalmente por estacionamento irregularMas, no fim de semana, a fiscalização relaxou, os donos da rua se sentiram à vontade para agir e o desrespeito voltou a ocupar seu espaço.