Jornal Estado de Minas

Robô será usado na digitalização de esculturas barrocas de Aleijadinho em Congonhas

Equipamento da indústria automobilística vai ser usado também para produção de réplicas e segurança de acervo

Gustavo Werneck
- Foto: Divulgação
Encontro inédito da arte barroca com a tecnologia de ponta do século 21Um robô usado na indústria automotiva em Minas será fundamental na produção das réplicas dos profetas esculpidos por Antônio Francisco Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho, para o adro do Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas, na Região CentralCom um scanner acoplado ao equipamento, os técnicos responsáveis pelo serviço poderão mapear e digitalizar – com mais precisão milimétrica, velocidade, melhor resolução e sem risco de danos ao acervo datado entre 1800 a 1805 – sete das 12 peças.

As esculturas ficam nas laterais do adro, de mais difícil acesso e com partes só alcançadas mesmo pelo robô“É um método seguroEstamos fazendo vários estudos de viabilidade e reunindo todas as autorizações dos órgãos de defesa do patrimônio”, diz a diretora de Cultura da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Jurema Machado.

A expectativa é de que o escaneamento dos originais de pedra-sabão, com uso do robô, comece no mês que vemNo dia 24 haverá uma reunião em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, para tratar dos últimos detalhes do projeto, com a presença dos envolvidos nessa nova etapa de reprodução das peças reconhecidas, desde 1985, como patrimônio cultural mundialA iniciativa de fazer as réplicas é da Unesco e tem o objetivo de mapear cada uma, conhecer o sistema construtivo, desenvolver pesquisas e garantir segurança integral ao acervo.

O trabalho, segundo os especialistas, não se relaciona à substituição das esculturas originais, prejudicadas e ameaçadas pelo tempo e poeira de mineração, pelas cópiasEles explicam que, se um dia ocorrer algum dano a um dos profetas, num ato de vandalismo, mesmo que haja segurança no local, haverá condições de se fazer a restauração sem problemas e com total fidelidadeAlém disso, a escultura em fibra de vidro poderá participar de exposições em qualquer lugar.

LINHA DE PRODUÇÃO

Aleijadinho viveu em Congonhas entre 1796 e 1805 e deixou na cidade um dos maiores conjuntos de arte barroca do mundo, com 66 imagens esculpidas em cedro, seis relicários e 12 profetas em pedra-sabãoDe acordo com informações da Comau do Brasil, com sede em Betim e especializada em automação e gestão de ativos industriais, será a primeira vez que um robô automotivo vai atuar na preservação de um bem culturalA empresa, do Grupo Fiat, cederá gratuitamente o equipamento de origem italiana.

A diretora da Unesco explicou que cinco profetas já foram escaneados manualmente, sendo montados andaimes para execução da tarefa
Desse grupo, dois já entraram na “linha de produção” e ganharam réplicasO primeiro foi o profeta Joel, localizado na fila do alto, no lado direito da basílica, que foi duplamente “clonado” em fibra de vidro, pó de pedra e resina, no tom cinza escuro e em gesso, e o segundo, JonasCada um demandou quatro meses entre a fase de escaneamento e digitalização, a cargo da equipe do professor Luciano Silva, do Grupo de Pesquisa em Visão Computacional , Computação Gráfica e e Processamento de Imagem (Imago), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e a reprodução final, desenvolvida num ateliê perto do santuárioOutro lado importante está na obtenção de imagem tridimensional computadorizadas das peças.

Jurema explicou que a reprodução de três dos profetas já tem recursos assegurados, via Lei Federal de Incentivo à Cultura“Já temos autorização para a execução das demais réplicas, e estamos partindo para a captação de verbas”, afirmou a diretoraA previsão é de que todo o trabalho fique pronto em dois anos, devendo as réplicas ficar na reserva técnica do Memorial Congonhas/Centro de Referência do Barroco e Estudo da Pedra, fruto da parceria entre Unesco, Prefeitura de Congonhas e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com investimento de R$ 15 milhões e inauguração prevista para 2012.

Faxina nas esculturas

O estado de conservação dos profetas chama a atenção de quem visita o santuário, principalmente pela crosta escura que cobre a pedra-sabãoO superintendente do Iphan em Minas, Leonardo Barreto de Oliveira, informou ontem que a limpeza de todo os profetas, que ocorre a cada cinco anos e estava prevista para agora, não será mais feita de uma vez“Vamos fazer por etapas, de dois em dois meses, seguindo o cronograma de execução das réplicasPara fazê-las, é preciso que a escultura esteja bem limpa e assim não precisaremos repetir o serviçoFaremos um por um”, explicou
A limpeza usa um biocida para evitar o ataque de líquens, fungos e outros microorganismos.

Entenda o caso

De 1800 a 1805, Aleijadinho esculpe os 12 profetas para o adro do Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas;

Em 1938, conjunto do santuário é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan);

De 1950 a 1970, são feitos moldes e réplicas dos profetas, mas a maioria se perde ou sofre degradação

No início da década de 1980, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) promove limpeza mecânica dos profetas, com técnicas não mais usadas (escova de náilon, sabão de coco etc.)

Em 1985, conjunto do santuário é reconhecido como patrimônio cultural mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco);
De 1996 a 1998, numa parceria Brasil-Alemanha, entra em ação o Projeto Ideas para estudo de degradação dos materiais pétreos e edificações históricasComeça a ser usado um biocida para limpar as esculturas e evitar lesões e ataque principalmente de líquens;

De 2002 a 2003, surge a polêmica de substituição dos profetas originais pelas réplicas, devido ao ataque de líquens, fungos e outros micro-organismosEm 2003, é lançado o projeto de construção do Museu do Barroco, que, com o tempo, se tornou Memorial Congonhas/Centro de Referência do Barroco e Estudo da Pedra;

Em 2011, com a chancela da Unesco, fica pronta a primeira réplica, a do profeta Joel.