Jornal Estado de Minas

Rola Moça e Curral

Expedição em serras castigadas pelos incêndios encontra áreas não tocadas pelo fogo

A natureza ainda desperta em meio às cinzas. Áreas não atingidas pelas chamas compõem o patrimônio natural, arqueológico e Paisagístico

Gustavo Werneck
O Estado de Minas acompanhou a expedição SOS Serra do Curral, que começou na quarta-feira, na portaria do Rola-Moça, no Barreiro, e terminou na sexta-feira nas muralhas de pedras no alto do Curral - Foto: Jackson Romanelli/EM DA Press
A cena inicial está bem perto do apocalipse – ou do que se pode imaginar como o fim dos temposChão esturricado, troncos retorcidos, tapete de cinzas, alta temperatura e quatro gaviões voando bem altoMas, aos poucos, percebe-se que há vida depois da morte – pelo menos, na naturezaO verde começa a surgir, ouve-se o barulhinho bom de águas cristalinas, uma cobra aponta a cabeça e o ar se torna mais respirávelNo corredor formado pelos sempre castigados Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e Serra do Curral (símbolo da capital), ainda há áreas não tocadas pelo fogo que permitem mostrar, com urgência, por que esse patrimônio natural de Belo Horizonte e cidades vizinhas precisa ser preservadoE salvoO Estado de Minas acompanhou a expedição SOS Serra do Curral, que começou na quarta-feira, na portaria do Rola-Moça, no Barreiro, e terminou na sexta-feira nas muralhas de pedras no alto do Curral, um monumento, ao que tudo indica, do século 18No total, foram 29 quilômetros a péNo grupo, bióloga, técnico em meio ambiente, historiador, bombeiros e representantes de organização não governamental e muito ânimo para conhecer melhor a biodiversidade da região.

No primeiro dia, a caminhada seguiu os aceiros do parque sob administração do Instituto Estadual de Florestas (IEF)Por volta das 8h, a movimentação já era grande na sede, com helicópteros decolando, militares em fila indiana para receber alimentos e brigadistas com abafadores nas mãosNum ângulo da montanha, dava para ver um paredão de prédios ao longe, embora meio apagados pela fumaça que vem dominando, há mais de um mês, a paisagem dos mineiros, em especial dos moradores da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Passadas aceleradas e o cenário na vegetação de cerrado foi ganhando cores e vigor, num contraste surpreendente
Ficaram para trás as frutas-de-lobo queimadas e começaram a aparecer árvores mais frondosas e típicas da transição para mata atlânticaSem o menor sinal de fogoMais adiante, a bióloga Ludmila Brighenti, acompanhada do técnico em meio ambiente Afonso Ribeiro, apontou, na encosta de um morro, uma grande quantidade de canelas-de-ema, símbolo do Rola-Moça e que brotavam como sobreviventes do incêndio do ano passado“O cerrado se recupera muito rapidamente, o problema é que o fogo tem sido muito frequente”, diz LudmilaEla destacou a fragilidade da vegetação dos campos ferruginosos (canga de minério) típica do Quadrilátero Ferrífero.

Do outro lado do caminho, as imbaúbas, com suas folhas prateadas, imperam no meio da mata e soam como o grito de alerta a favor da proteção ambiental e contra os piromaníacosA visão das árvores anima a equipeAtento a todos os detalhes, o empresário e fotógrafo Cláudio Greco, da Ecoavis, ONG dedicada à questão ambiental e observação de pássaros, ficou satisfeito ao avistar trinca-ferro verdadeiro, tapaculo- de-colarinho, beija-flor-de-orelha violeta, papa-mosca-de-costa-cinzenta, gavião-carrapateiro e sabiá-do-campoVez por outra surgiam ninhos que, por sorte nesta temporada, escaparam das labaredas que devastaram várias unidades de conservação.

No primeiro dia, ao longo de cerca de 15 quilômetros, a pé, da portaria do Rola-Moça ao Belvedere, na Região Centro-Sul da capital, o grupo atravessou a Mata do Barreiro, áreas de captação de água da Copasa – a empresa cedeu um guia de motocicleta –, área de mineração, trecho de ferrovia desativado, a rodovia BR-040 e ruas no Belvedere até chegar perto das torres ou antenas de televisãoEm vários momentos, boas surpresas, como uma parte do caminho calçada com pedra e trechos bem arborizadosA temperatura muda, mesmo com o sol abrasador, e a natureza traz o conhecimento.

Uma pergunta surge diante das manchas brancas e vermelhas que algumas árvores apresentam no tronco
Ludmila explica que são líquens, ou algas e fungos em simbiose“Eles são indicadores da qualidade do arOs líquens não resistem a locais com poluição, então isso mostra que aqui o ar é puroSe as marcas forem vermelhas, melhora ainda”, apontaQuando se vê alguma espiral de fumaça, distante, corta o coração pensar que viram cinzas espécies como orquídeas, bromélias, candeias, jacarandá, cedro, jequitibá, arnica e muitas canelas-de-ema, que se tonaram o símbolo do Rola-Moça.

CARTA DA SERRA

É fundamental ver que a região compreendida entre o parque estadual e a Serra do Curral tem muito mais do que nascentes, fauna e floraHá também grutas, estrada de ferro desativada, condomínios com muros extensos, impedindo a visão da serra, e os sinais da degradação ambiental, a exemplo de lixo espalhado e montes de entulhoO coordenador da expedição, o vereador Adriano Ventura (PT) diz que a caminhada resultará na Carta da Serra do Curral, a ser entregue ao prefeito Márcio Lacerda (PSB), ao governador Antonio Anastasia (PSDB) e ao Ministério Público Estadual (MPE)

Paisagem desfigurada

Nos oito quilômetros da Serra do Curral, entre as torres de televisão e o Parque das Mangabeiras, o que mais impressionou o grupo foi a ação das mineradoras, como a Lagoa Seca, atrás da Praça JK“Além de degradar o meio ambiente, com corte na serra, atingindo o lençol freático, tem também o problema da poluição sonoraA mineração já está de certa forma ilegal, pois já passou o período da sua atuação e a empresa está tentando renovar a licençaAlém do mais, querem depois construir um conjunto de 15 torres de apartamentos no localIsso é extremamente ilegal e imoral para a realidade da cidade”, disse Adriano Ventura.

No segundo dia de expedição, o presidente da Fundação de Parques Municipais de Belo Horizonte, Luiz Gustavo Fortini, disse que parte do terreno ao pé da serra, ao lado da mineradora Lagoa Seca, é particular“É uma área de preservação, de influência da Serra do Curral, e não podem construir nada“O prazo de concessão da mina está se esgotando e há uma corrente que defende a construção de uma via de trânsito ligando o Belvedere à Praça JK”, disseSegundo ele, ter uma mineração dentro de um perímetro urbano causa outros transtornos para a população, como o transporte de material extraído.

Ao passar pelo Parque Serra do Curral, que ainda não foi aberto ao público, Luiz Gustavo disse que ainda falta terminar o processo de drenagem e contenção em algumas partes, além de melhorar a segurança para os visitantes“Já fizemos o projeto de segurança para as pessoas nas trilhasA licitação está prevista para ser feita até dezembroA partir daí, a gente conclui a obra e o parque será inaugurado”, disseCorrimãos colocados em parte da trilha foram reprovados pelos bombeiros, que recomendaram parapeitos no lugar.

O incêndio que destruiu quase que a totalidade da vegetação do Parque Serra do Curral na semana passada, deixou o lugar com um aspecto sombrioLuiz Gustavo falou da dificuldade de combater ao fogo devido à serra íngreme, não sendo possível o uso de abafadoresSobre o sistema de combate a incêndio mantido pela mineradora Vale na crista da serra, com 16 pontos de aspersão, mas com apenas dois canhões d’água que têm que ser mudados de local a cada momento, Luiz Gustavo informou que vão discutir com a empresa o aprimoramento do sistema.

No último incêndio no paredão da serra, moradores vizinhos disseram ter visto um grupo de adolescentes ateando o fogo de propósito, o que segundo eles comprova a falta de fiscalizaçãoLuiz Gustavo disse que vigilantes percorrem a área, em veículos, quando há eventos“Agora, você põe vigia na cerca toda, ou põe uma câmera de vídeo como a que a gente instalou, mas quando a pessoa está mal-intencionada, não tem jeito de você impedi-la de fazer alguma coisaAs pessoas têm que ter consciência”, disse Luiz Gustavo“A fiscalização existe, é eficiente, mas não é infalívelNo Parque das Mangabeiras a gente conseguiu conter o incêndio”, disse