Jornal Estado de Minas

Campo de concentração alemães existiu no Sul de MG

Filmes ambientados no front, peças de teatro sobre dramas humanos, livros contando os horrores do holocausto e trilhas sonoras de uma época sinistra. Passadas quase sete décadas do seu término, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ainda é fonte inesgotável para a produção de obras culturais, faz surgirem lágrimas nas novas gerações e continua um prato cheio de histórias para os pesquisadores. A participação do Brasil no conflito, para muitos resumida ao envio de 25 mil combatentes, os pracinhas, para a Itália, tem muito mais a oferecer e contribuir para essa página dilacerante da humanidade, que começou a ser escrita com a invasão da Polônia por Adolf Hitler (1889-1945).



Atualmente envolvida com estudos sobre a presença dos alemães no ABC paulista, a professora de história da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (SP), Priscila Ferreira Perazzo, abre a cortina do passado e joga os holofotes sobre um fato pouco conhecido: a existência no Brasil, durante três anos, de 10 campos de concentração, inclusive um em Pouso Alegre, no Sul de Minas, a 384 quilômetros de Belo Horizonte. Os levantamentos contidos no livro Prisioneiros da guerra – Os "súditos do eixo" nos campos de concentração brasileiros (1942-1945) mostram que cerca de 2 mil pessoas, entre alemães, italianos e japoneses, ficaram confinados e distribuídos por sete estados.

Imigrantes

O campo de Pouso Alegre, conforme a professora, teve uma particularidade, já que foi o único no país a receber militares, e não civis a exemplo dos demais. Eram 62 tripulantes de um navio alemão, entre militar e mercante, que foi afundado pela esquadra norte-americana no Oceano Atlântico, na costa nordestina. Aprisionados, eles entraram no Brasil via Recife (PE), seguiram para o Rio de Janeiro e depois foram conduzidos a um quartel em Pouso Alegre. Durante mais de dois anos, os prisioneiros ficaram nesse local, que ainda funciona como unidade do Exército e foi organizado, na época, para receber os alemães.


No fim da guerra, o grupo foi entregue ao governo dos Estados Unidos para ser trocado por prisioneiros aliados que se encontravam em poder dos nazistas. Os demais campos de concentração brasileiros ficavam em Tomé-Açu (PA); Paulista (PE); Ilha Grande e Ilha das Flores (RJ); Guaratinguetá e Pindamonhangaba (SP); Joinvile e Florianópolis (SC); e Porto Alegre (RS).



Até a primeira metade do século passado, explica Priscila, dava-se o nome de campo de concentração, de maneira geral, aos pontos de confinamento. "Quando queriam retirar um grupo do convívio social, separá-lo, mandavam as pessoas para o campo de concentração. No Brasil, a situação não chegou a extremos, como os campos nazistas para os judeus, caso de Auschwitz", explica. E os prisioneiros eram, preferencialmente, os imigrantes dos países que formavam o Eixo (Alemanha, Japão e Itália), pessoas filiadas ao Partido Nazista e tripulantes de navios com a bandeira dessas três nações.

Maus-tratos

Os campos de concentração existiram no mundo de 1899 até o fim da guerra, sendo o primeiro deles implantado na África do Sul. “Na primeira metade do século 20, havia no mundo todo – nos Estados Unidos, Japão, Norte da África outros países”, afirma. A professora não tem informações a respeito do tratamento dispensado aos prisioneiros em Pouso Alegre, mas adianta que, em outros, eles sofreram castigos. “Os prisioneiros faziam a sua própria comida, eram obrigados a cuidar da limpeza, tinham horários para banho de sol e exercícios. Muitos tiveram depressão e doenças, como diabetes”, afirma.

Os italianos, nesse período, foram menos alvo do que os alemães e japoneses e as prisões ficavam a cargo da Polícia Política do presidente Getúlio Vargas (1883-1954). "Os estrangeiros eram presos onde estivessem, em casa ou no trabalho, e levados para a delegacia, sem envolvimento de questões jurídicas. Daí eram mandados para os campos de concentração", conta Priscila.



As medidas punitivas começaram em 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países componentes do Eixo e apoiou os aliados. Essa decisão fez com que Hitler mandasse torpedear mais de 50 navios brasileiros, em águas nacionais, fazendo o Brasil, via Força Expedicionária Brasileira (FEB), enviar os pracinhas para o teatro de operações na Itália.

As duas alianças

Iniciada em 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia por Adolf Hitler (1889-1945), a Segunda Guerra Mundial durou até 1945, envolvendo a maioria das nações e incluindo todas as grandes potências, organizadas em duas alianças militares opostas: os Aliados (Estados Unidos, França, Inglaterra e outros) e o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). O conflito mais letal da história da humanidade mobilizou mais de 100 milhões de militares e deixou cerca de 70 milhões de mortos. A guerra terminou em 1945 com a vitória dos aliados, com alterações no alinhamento político e na estrutura social mundial. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada para estimular a cooperação global e evitar futuros conflitos, ao mesmo tempo em que União Soviética e Estados Unidos emergiam como superpotências rivais, dando início à chamada Guerra Fria, que se estendeu por mais de quatro décadas. A Europa Ocidental dava início a um movimento de recuperação econômica e integração política.

MUSEU REABRE EM DEZEMBRO

A partir de hoje, o Museu da FEB, na avenida Francisco Sales, 199, no Bairro Floresta, Região Leste de BH, entra em nova fase. Até dezembro, quando será reaberto, o acervo que conta um pouco da trajetória dos pracinhas na Segunda Guerra será fotografado e digitalizado, guardando a história e se adequando aos novos tempos. Entre as peças há objetos bélicos, troféus, documentos e fotografias – tudo organizado pela seção regional da Associação Nacional dos Veteranos (ANVFEB).





 

Confira relato de um ex-combatente da 2ª Guerra em arquivo da TV Alterosa

 

LINHA DO TEMPO

1939: Começa a Segunda Guerra Mundial, com a invasão da Polônia por Adolf Hitler (1889-1945)
1941: Em BH, começam a ser construídos prédios com abrigo antiaéreo, temendo bombardeios
1942: Navios brasileiros são torpedeados e afundados em águas nacionais por submarinos alemães
1942: Brasil apoia as forças aliadas e declara guerra à Alemanha e Itália
1942: Começam a funcionar, no Brasil, 10 campos de concentração, um deles em Pouso Alegre, no Sul de Minas
1943: Organizada a Força Expedicionária Brasileira (FEB). As tropas seguem para a Europa quase um ano depois
1944: Troca de prisioneiros aliados, internados no campo de concentração de Godensberg, na Alemanha, por prisioneiros alemães no Brasil
1945: A guerra termina com a vitória dos aliados e rendição da Alemanha, Itália e Japão. No Brasil, são extintos os campos de concentração