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Estado de Minas

Rock in Rio é aqui, em Belo Horizonte

Sem Cristo Redentor e bandas internacionais, aglomerado de Belo Horizonte que leva o nome do megaevento é embalado pelo funk e por moradores que cobram melhorias


01/10/2011 06:00 - atualizado 01/10/2011 07:34

Conjunto Mariano de Abreu, na Região Leste, recebeu o nome quando foi construído, em 1985, ano da primeira edição do evento
Conjunto Mariano de Abreu, na Região Leste, recebeu o nome quando foi construído, em 1985, ano da primeira edição do evento (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Eu fui. Com o sol a pino, a “cidade do rock” de Belo Horizonte desponta absoluta com vista para a chamuscada Serra do Curral. Instalada sobre aglomerado de pedreiras, a comunidade do Conjunto Mariano de Abreu – mais conhecido como Rock in Rio –, na Região Leste, tem sexta-feira movimentada na pista, com comércio, posto de saúde e escolas públicas em ritmo de agitação. Gasta-se pouco pelo programa sem camarotes. Apenas sola de sapato e muita disposição para vencer as escadarias e ruas escarpadas sem saída. Do alto, paisagem privilegiada. Não se vê o Cristo, mas os mais antigos juram que na parte alta, no cruzeiro, já foi vista uma santa de braços abertos e sorriso lindo a abençoar a vila. Diferentemente do evento mundial, que desde o dia 23 agita o Parque Olímpico no Rio de Janeiro, o Rock in Rio de BH não tem tropa estelar em programação de luxo. Tudo é cotidiano de gente simples, alheia ao festival carioca.

Sem muito espaço para o axé de Cláudia Leite ou para o heavy metal do grupo Metallica, é o funk que comanda geral o morro. Sem palco armado, vem das janelas das casas e dos carros rebaixados o som batidão marcante que embala a moçada. Ao pé do aglomerado, de costas para a pedreira, a Igreja do Deus Vivo. Perto dali, a Creche Criança Feliz, na Rua Uarira, cuida de 90 crianças. O trabalho é intenso em véspera de festa. Hoje tem bingo e feira cultural para a comunidade. Na parte baixa, farmácia, botequins, mercearia e padaria dão conta da freguesia. Alguns moradores nas calçadas estreitas, desempregados e aposentados, comentam o movimento. Pelo caminho, cavalos no asfalto atrapalham o trânsito. O motorista do ‘busão’ não estressa. Parece estar acostumado. Calmamente, espera o animal caçar outro sentido. Motos simples e de carga sobem e descem a Rua Fernão Dias, principal acesso ao Rock in Rio.

Simone de Jesus carrega a cadela Pitty, batizada com o nome da roqueira baiana
Simone de Jesus carrega a cadela Pitty, batizada com o nome da roqueira baiana (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
É no alto, próximo à área descampada, que encontramos Pitty dando show em casa de família. A cadela pincher tem olhos grandes de roqueira e é a alegria da casa de Simone de Jesus, de 24 anos, desempregada. Mãe do pequeno Luiz Miguel, a babá é a simpatia em pessoa. Mesmo sem trabalho, para ela não há tempo ruim. Ao lado da mãe, Adelita Maria, de 62, e do pai, Sebastião José, de 68, Simone interrompe o trato nas unhas para falar sobre o que é bom e o que é ruim no Rock in Rio de BH. “Melhor aqui é o posto de saúde, porque a gente é muito bem atendida lá. Agora, triste é a coleta do lixo. Duas vezes por semana não são suficientes. Os cavalos não saem daqui, rasgam os sacos e fazem a maior bagunça. Olhe lá… hoje são só dois, mas geralmente ficam cinco cavalos aqui todos os dias”, conta.

Simone, moça caseira, de hábitos simples, também reclama lazer para a parte alta do Rock. “Queria que, aqui no campinho houvesse um parquinho. A gente precisa descer com o velotrol lá para a pracinha do Bairro São Geraldo. Do rock and roll, só a homenagem à cantora baiana Pitty, que deu nome à serelepe cadela de 3 anos.

Galera do rock

Thiago Paschoal Pires, de 19, é servente de pedreiro. Namorado da Marcela, de 19, moradora do Bairro Nova Vista, tem muitos amigos na região. Lamenta a falta de padaria, supermercado e farmácia no entorno de onde mora. “É a única coisa ruim realmente aqui no alto. No mais, é muito sossego. É um lugar tranquilo de se viver”, afirma. Sorridente, engrossa o coro de Simone e comenta que gostaria de mais oportunidade de lazer para as crianças e adolescentes da região. Glenda Bruna Pessoa Nicolau, de 19, e Jordania Aparecida Pereira da Silva, de 18, praticantes de futebol, são só elogios ao campo na parte baixa. Três vezes por semana treinam para não fazer feio entre as colegas atletas. Falam do bom trabalho desenvolvido pelo Centro de Referência e Assistência Social (Cras) na comunidade. Politizadas, reclamam da falta de educação por parte de alguns moradores da parte alta que despejam tudo quanto é tipo de lixo do morro. “Ontem, jogaram um sofá de dois lugares”, diz, com revolta, Glenda.

Drogas ameaçam jovens
Há uma parte bem feliz no alto das pedreiras. No entanto, o Rock in Rio de BH tem lá o seu lado sombrio. Há oito meses, Maria da Graça, de 57 anos, viu o filho Warlen, de 33, artista plástico, ser assassinado com três tiros na cabeça na porta de casa, num domingo. O coração ferido de mãe não dá conta de esconder a revolta com o mundo das drogas. “Há quatro anos ele estava completamente recuperado do vício. Trabalhava como voluntário num grupo de narcóticos anônimos. Veio passar um fim de semana com a gente. Saiu no domingo, às 22h, e foi morto no nosso portão. Minha vontade foi de ser enterrada com ele, mas entendi que temos um ciclo nessa vida, de passagem. Só não consigo entender, acho que nunca vou conseguir, porque ele foi assassinado quando estava curado. Por que não o mataram quando ele estava perdido?”

Maria não faz festa com o Rock in Rio de BH. Para a mãe de família, o lugar é discriminado e área de grande exposição a graves problemas sociais. “Na parte baixa, nos bairros vizinhos, as pessoas acham que o conjunto é um antro de prostituição e de drogas. O mais triste é que uma minoria acaba fazendo com que a maior parte das pessoas daqui sejam marginalizadas. Não podemos pegar um táxi à noite porque motorista nenhum tem coragem de subir até o aglomerado”, lamenta. A dona de casa diz que o Rock in Rio podia ser bem melhor. Fala com marcas na alma. É no Conjunto Mariano de Abreu que ela educou a família ao lado do marido, Sebastião, homem severo e bom companheiro. Pelo bem da comunidade, Maria reclama mais compromisso do poder público com os que vivem sobre as pedras.


Por que Rock in Rio?

O nome Rock in Rio veio em função da data em que o aglomerado de casas foi construído. O Conjunto Mariano de Abreu foi levantado por meio de mutirão em fevereiro de 1985. Enquanto o Queen, de Freddie Mercury, eternizava Love of my life no Rio de Janeiro, o Rock in Rio fazia rolar as pedras em Belo Horizonte para o assentamento de dezenas de famílias, vindas de áreas de risco localizadas nos bairros Nova Granada, Alto Vera Cruz e Favela do Rio Arrudas. Por fora do que acorre no Parque Olímpico no Rio de Janeiro, o motorista Maurício Malta, de 51, há 40 anos está no Bairro São Geraldo, ao pé das pedreiras, conta a história. “Foi obra do prefeito (Sérgio) Ferrara, no início dos anos 1980, para receber famílias carentes. O Rock in Rio cresceu muito”, conta.


Outros tempos

“Era divertido jogar bola ali”
Son Salvador

A favela chamada Rock in Rio foi construída sobre um morro onde funcionavam três pedreiras. Diziam que era pedra de primeira, arrancada à base de dinamite. Durante muito tempo, o risco de quem morava por perto era o de, na hora das explosões – geralmente à tarde –, ter o telhado atingido por pedras lançadas pelo efeito da dinamite. Mas havia um aviso, cerca de 15 minutos antes de detonar os explosivos. Um funcionário da pedreira gritava: “Foooooogo!” Era a senha para que todo mundo se prevenisse. Morando ali por perto, muitas vezes vi o meu pai, Victor, pegar uma daquelas pedras em nosso quintal para, com a prova do absurdo que era aquele risco, reclamar com os donos da pedreira, que sempre prometiam diminuir a carga de explosivos. Certa vez, alguém disse ter visto uma santa naquele monte de pedra. O grande problema da região era conseguir água. Numa época em que cada casa tinha uma cisterna e uma bomba hidráulica, naquela região a tentativa de perfuração de um poço acabava embarreirada por espessa lage de pedra. Era divertido jogar bola por ali. Entre ramos de alecrim e outros arbustos, havia sempre um gramado, onde à tardinha a bola, de borracha ou de couro, rolava entre pés descalços.
 


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