Jornal Estado de Minas

Impunidade, despreparo e clima de deserto deixam Minas em chamas

Incêndios criminosos que nunca têm culpados, equipamentos de combate que funcionam mal, contingente insuficiente e seca prolongada fazem Minas arder como não se via desde 2003. corpo de Bombeiros está no último nível de alerta e há risco de que situação escape ao controle

Mateus Parreiras

Chamas devoram quase 80% do parque do Rola Moça: MP tenta apurar responsabilidades, mas sabe que dificilmente encontrará culpados - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press



Depois de marcar com fogo símbolos da capital mineira, como a Serra do Curral e as nascentes dos ribeirões Arrudas e Barreiro, no Parque do Rola Moça, as queimadas atingiram um nível que beira o incontrolávelHá oito anos não eram registrados tantos incêndios  no estadoDo início do ano até essa segunda-feira, foram 9.639 focos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), índice 16% maior do que no mesmo período de 2010, quando foram registrados 8.297, e só superado em 2003, ano em que houve 9.746 focosA situação já obriga os bombeiros a operar em seu último nível de emergência, o chamado “5º esforço”, atingido quando todo o contingente, de 5.600 militares, é empregado, em conjunto com aeronavesA corporação opera no limite de suas possibilidades em um quadro no qual surgem denúncias de que equipamentos de combate e pessoal são insuficientes ou empregados de forma falha, a prevenção nas estradas é ineficaz e a punição aos incendiários, inexistente.

Repórter Mateus Parreiras chegou bem próximo ao fogoConfira em vídeo:


O Ministério Público estadual instaurou nessa segunda-feira inquérito civil para apurar as responsabilidades nos incêndios que já destruíram 77% do Parque Estadual do Rola Moça, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e também requisitou instauração de inquérito policial para investigar se a queimada foi criminosaO promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, de Defesa do Meio Ambiente, adiantou que o mesmo procedimento será adotado em relação ao incêndio que desde domingo consumiu mais de 40 hectares de vegetação na Serra do Curral, na Região Centro-Sul de Belo HorizonteMas o próprio integrante do MP admite não ter conhecimento de alguém que tenha sido preso ou condenado por esse tipo crime, que, estima-se, está por trás da maioria dos episódios de incêndios florestais“É difícil comprovar a autoria”, disse.

Na Serra do Rola Moça, que arde desde sexta-feira, três focos ainda ofereciam resistênciaAté essa segunda-feira, 3 mil dos 3,9 mil  hectares foram consumidos na área de preservação entre BH, Brumadinho e Nova LimaAo mesmo tempo que combatiam o fogaréu, bombeiros e brigadistas da Região Central ainda terminavam de controlar as chamas do Parque Nacional da Serra do Cipó, domadas no domingo

Nessa segunda-feira, os combatentes foram dormir sabendo que pelo menos três incêndios precisarão ser enfrentados novamente hoje: no próprio Rola Moça, no Parque Verde Grande e no entorno da Mata do Cedro, em Carmópolis de Minas, Região Centro-Oeste.

Desde a sexta-feira, quando o Rola Moça ardeu em três pontos, ameaçando o Bairro Casa Branca, que pertence a Brumadinho, e as vias que ligam a região à BR-040, o Corpo de Bombeiros adotou o nível de mobilização máximo, por tempo indeterminado“Só não estamos usando quem está licenciadoO Rola Moça é onde concentramos o maior esforço agora, pois há muitos focos numa área grande e de difícil acesso”, afirma o subcomandante do batalhão de emergência formado para enfrentar os focos simultâneos no estado, major Rildo Alves.

Brigadistas têm trabalho pesado no combate ao fogoConfira imagens:


Mesmo admitindo que a corporação trabalha em seu nível máximo de esforço humano e de equipamentos, o militar considera que a quantidade de homens é suficiente, somada aos 2.934 brigadistas que ajudam nas operações “Dividimos o contingente em quatroAssim, entra em ação um por dia, sendo substituído por outro descansado no dia seguinte”, disse Alves.

Mas, para o biólogo e brigadista Francisco Mourão, há falhas na forma como os combates têm sido feitos“As estradas tinham de ter aceirosNo Rola Moça, o helicóptero dos bombeiros chegou e só fez um lançamento de água, porque só tinha combustível para 30 minutos de vooNesse mesmo dia, tínhamos apenas dois bombeiros na área”, critica.

 

Repórter Mateus Parreiras registrou em vídeo a ação do helicópteroConfira:

 


Já o Corpo de Bombeiros afirma que o helicóptero foi deslocado da Serra do Curral e que os demais aparelhos estavam em outros incêndios

Informou também que foi mantida uma unidade ao pé da Serra do Curral na manhã dessa segunda-feira, para iniciar o combate bem cedoCom respeito à falta de efetivo no Rola Moça, a corporação sustenta que participa de todas as ações contra fogo, pois tem uma unidade no interior da área de conservação.

Sinais do céu

De acordo com o pesquisador Alberto Setzer, do Inpe, os casos de incêndio monitorados nas áreas de conservação de Minas Gerais são tão vastos e intensos que um simples chuvisco não seria capaz de conter as chamas Pelos cálculos do especialista, seria necessário um temporal que despejasse entre 10 e 20 milímetros para aplacar o fogo“Essa é a medida de uma pancada forte, de uma tempestade concentradaSó isso para afetar de forma significativa esses focosO problema é que não há previsão nos próximos dias de chuvas desse porte”, afirma

Encarando as chamas

Emaranhada como uma rede de espinhos e arbustos na altura dos joelhos, a mata de cerrado atrasa o avanço dos brigadistas e bombeiros que sobem e descem morros para chegar até as áreas consumidas pelo fogo no Parque do Rola MoçaNessa segunda-feira, as chamas estavam bem no fundo de vales íngremes cobertos por vegetaçãoNo início da tarde, o fogaréu escapou ao controle dos combatentes próximo à entrada do parque em Nova LimaO vento e a topografia acidentada fizeram as chamas tomarem a rota de uma área de reflorestamento de matas ciliares que desde 2007 tem sido cultivada para cobrir uma das primeiras nascentes do Ribeirão Arrudas e outra do Ribeirão do Barreiro.

Brigadistas travam guerra contra as chamasConfira mais um registro em vídeo:


As labaredas se alastraram violentamente, ganhando velocidade nas colinasO vento alimentava as chamasCada língua de fogo que crescia lambia mais mato morro acima Foi nesse ponto que a equipe do Estado de Minas chegou até os combatentes.

Aos poucos, vindo do alto do morro, aparecem 20 brigadistas da Copasa, da ONG Terra Brasilis e da Associação Mineira de Defesa do AmbienteEles também não conseguem se aproximar muito da zona de queima mais intensaPor isso seguem no rastro de destruição deixado pelo incêndioPor duas vezes o helicóptero do Instituto Estadual de Florestas (IEF) despeja água sobre o fogoAssim que as chamas fulminam o morro e desaceleram ao chegar a uma descida, os homens correm e começam uma ação rápida e coordenadaQuem tem bombas costais vai à frente, seguido por combatentes com chicotes e abafadoresEm 15 minutos o fogo é apagado

Aliviado, o biólogo e brigadista da Amda Francisco Mourão foi conferir de perto as plantas  do reflorestamento“Levamos quatro anos para essa açãoQuando vi o fogo vindo para cá, me desespereiChamei todos por rádio e conseguimos apagar tudo”, disseNo local se desenvolvem, apoiadas em bambus, mudas de aroeiras, cedros, ipês-amarelos, paineiras do campo, perobas e jatobásPor enquanto, estão a salvo.