Depois de marcar com fogo símbolos da capital mineira, como a Serra do Curral e as nascentes dos ribeirões Arrudas e Barreiro, no Parque do Rola Moça, as queimadas atingiram um nível que beira o incontrolávelHá oito anos não eram registrados tantos incêndios no estadoDo início do ano até essa segunda-feira, foram 9.639 focos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), índice 16% maior do que no mesmo período de 2010, quando foram registrados 8.297, e só superado em 2003, ano em que houve 9.746 focosA situação já obriga os bombeiros a operar em seu último nível de emergência, o chamado “5º esforço”, atingido quando todo o contingente, de 5.600 militares, é empregado, em conjunto com aeronavesA corporação opera no limite de suas possibilidades em um quadro no qual surgem denúncias de que equipamentos de combate e pessoal são insuficientes ou empregados de forma falha, a prevenção nas estradas é ineficaz e a punição aos incendiários, inexistente.
O Ministério Público estadual instaurou nessa segunda-feira inquérito civil para apurar as responsabilidades nos incêndios que já destruíram 77% do Parque Estadual do Rola Moça, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e também requisitou instauração de inquérito policial para investigar se a queimada foi criminosaO promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, de Defesa do Meio Ambiente, adiantou que o mesmo procedimento será adotado em relação ao incêndio que desde domingo consumiu mais de 40 hectares de vegetação na Serra do Curral, na Região Centro-Sul de Belo HorizonteMas o próprio integrante do MP admite não ter conhecimento de alguém que tenha sido preso ou condenado por esse tipo crime, que, estima-se, está por trás da maioria dos episódios de incêndios florestais“É difícil comprovar a autoria”, disse.
Na Serra do Rola Moça, que arde desde sexta-feira, três focos ainda ofereciam resistênciaAté essa segunda-feira, 3 mil dos 3,9 mil hectares foram consumidos na área de preservação entre BH, Brumadinho e Nova LimaAo mesmo tempo que combatiam o fogaréu, bombeiros e brigadistas da Região Central ainda terminavam de controlar as chamas do Parque Nacional da Serra do Cipó, domadas no domingo
Desde a sexta-feira, quando o Rola Moça ardeu em três pontos, ameaçando o Bairro Casa Branca, que pertence a Brumadinho, e as vias que ligam a região à BR-040, o Corpo de Bombeiros adotou o nível de mobilização máximo, por tempo indeterminado“Só não estamos usando quem está licenciadoO Rola Moça é onde concentramos o maior esforço agora, pois há muitos focos numa área grande e de difícil acesso”, afirma o subcomandante do batalhão de emergência formado para enfrentar os focos simultâneos no estado, major Rildo Alves.
Mesmo admitindo que a corporação trabalha em seu nível máximo de esforço humano e de equipamentos, o militar considera que a quantidade de homens é suficiente, somada aos 2.934 brigadistas que ajudam nas operações “Dividimos o contingente em quatroAssim, entra em ação um por dia, sendo substituído por outro descansado no dia seguinte”, disse Alves.
Mas, para o biólogo e brigadista Francisco Mourão, há falhas na forma como os combates têm sido feitos“As estradas tinham de ter aceirosNo Rola Moça, o helicóptero dos bombeiros chegou e só fez um lançamento de água, porque só tinha combustível para 30 minutos de vooNesse mesmo dia, tínhamos apenas dois bombeiros na área”, critica.
Já o Corpo de Bombeiros afirma que o helicóptero foi deslocado da Serra do Curral e que os demais aparelhos estavam em outros incêndios
Sinais do céu
De acordo com o pesquisador Alberto Setzer, do Inpe, os casos de incêndio monitorados nas áreas de conservação de Minas Gerais são tão vastos e intensos que um simples chuvisco não seria capaz de conter as chamas Pelos cálculos do especialista, seria necessário um temporal que despejasse entre 10 e 20 milímetros para aplacar o fogo“Essa é a medida de uma pancada forte, de uma tempestade concentradaSó isso para afetar de forma significativa esses focosO problema é que não há previsão nos próximos dias de chuvas desse porte”, afirma
Encarando as chamas
Emaranhada como uma rede de espinhos e arbustos na altura dos joelhos, a mata de cerrado atrasa o avanço dos brigadistas e bombeiros que sobem e descem morros para chegar até as áreas consumidas pelo fogo no Parque do Rola MoçaNessa segunda-feira, as chamas estavam bem no fundo de vales íngremes cobertos por vegetaçãoNo início da tarde, o fogaréu escapou ao controle dos combatentes próximo à entrada do parque em Nova LimaO vento e a topografia acidentada fizeram as chamas tomarem a rota de uma área de reflorestamento de matas ciliares que desde 2007 tem sido cultivada para cobrir uma das primeiras nascentes do Ribeirão Arrudas e outra do Ribeirão do Barreiro.
As labaredas se alastraram violentamente, ganhando velocidade nas colinasO vento alimentava as chamasCada língua de fogo que crescia lambia mais mato morro acima Foi nesse ponto que a equipe do Estado de Minas chegou até os combatentes.
Aos poucos, vindo do alto do morro, aparecem 20 brigadistas da Copasa, da ONG Terra Brasilis e da Associação Mineira de Defesa do AmbienteEles também não conseguem se aproximar muito da zona de queima mais intensaPor isso seguem no rastro de destruição deixado pelo incêndioPor duas vezes o helicóptero do Instituto Estadual de Florestas (IEF) despeja água sobre o fogoAssim que as chamas fulminam o morro e desaceleram ao chegar a uma descida, os homens correm e começam uma ação rápida e coordenadaQuem tem bombas costais vai à frente, seguido por combatentes com chicotes e abafadoresEm 15 minutos o fogo é apagado
Aliviado, o biólogo e brigadista da Amda Francisco Mourão foi conferir de perto as plantas do reflorestamento“Levamos quatro anos para essa açãoQuando vi o fogo vindo para cá, me desespereiChamei todos por rádio e conseguimos apagar tudo”, disseNo local se desenvolvem, apoiadas em bambus, mudas de aroeiras, cedros, ipês-amarelos, paineiras do campo, perobas e jatobásPor enquanto, estão a salvo.