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Estado de Minas

Conheça a história de um veterano homem da lei

Ex-procurador de Justiça de Minas e advogado criminalista há 60 anos, Severino Flores já ajudou a colocar pelo menos 200 bandidos na cadeia. E ele continua na ativa


24/09/2011 06:00 - atualizado 24/09/2011 07:37

Severino mostra um artigo publicado em 1975 sobre ele, uma das recordações da sua extensa carreira
Severino mostra um artigo publicado em 1975 sobre ele, uma das recordações da sua extensa carreira (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

Ele perdeu a conta de quantos criminosos ajudou a mandar para a cadeia desde os anos 1950 – parou de contar quando eram 200. Também não sabe dizer ao certo quantos advogados, promotores e juízes ajudou a formar. Ele é autor do livro Fundamentos do processo penal, lançado em 1981 e adotado em diversas faculdades do país. Aos 80 anos, o ex-procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais Severino Flores se mantém na ativa à moda antiga, avesso aos computadores. O veterano homem da lei, com a cordialidade de bom mineiro, abriu as portas de seu apartamento no Bairro Buritis para o Estado de Minas e contou o que viveu nessas seis décadas dedicadas ao direito penal.

Do pequeno escritório com vista para a Região Oeste da capital mineira, montado no próprio apartamento, o professor despacha em dias de semana. Sábados e domingos, atua como administrador em pequena produção rural em Itabirito, a 70 quilômetros de BH. Seu último caso, sobre o qual está debruçado como assistente do Ministério Público, ainda promete dar o que falar. Severino trabalha para levar a júri três acusados, que respondem em liberdade, pelo assassinato em 2008 do ex-prefeito de Mariana João Ramos. “Esse processo se arrasta na Justiça. O que é doloroso para quem conhece, ama e acredita no direito. A lentidão nesse caso é mais uma demonstração de que a mais hedionda forma de injustiça é a própria morosidade da Justiça. Mas não perdemos a esperança de levar os réus – mandante e executores – a julgamento ainda este ano”, diz.

O advogado e professor aponta razões, suas velhas conhecidas, para a vagarosa Justiça brasileira. “É absoluta a imperfeição nos órgãos auxiliares, em que se nota sempre a insuficiência de recursos humanos. Faltam, especialmente, promotores, desembargadores e juízes.” Atento à desordem que assombra, lamenta o assassinato da juíza Patrícia Acioli, no mês passado em Niterói, no Rio de Janeiro. E diz que a execução da magistrada foi uma evidência da fragilidade da Justiça no Brasil. “É inacreditável que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não tenha mantido a segurança da juíza”, indigna-se.

Família

Antes de pontuar outros problemas também complexos, uma pausa para o café. É quando Severino deixa de lado o olhar e a oratória de doutor em direito penal – na teoria e prática – para dar lugar ao homem simples, bom marido e pai de família. “Mary, traz um pedaço de queijo para o moço.” Na parede do escritório, os retratos dos quatro filhos. Três bem encaminhados na vida. Um, aos 20 anos, ceifado pelo destino. Falar do rapaz, morto em acidente de trânsito, muda o azul-celeste dos olhos de Severino. “Foi em 8 de agosto de 1981. Infelizmente guardei a data. Perdi parte da minha vida. Não fosse o apoio incondicional da família, meu barco teria virado.”

Não demorou para o azul ganhar novo brilho. Bastou citar a companheira, Maria do Carmo, também advogada, presente na vida desde o namoro, iniciado em 1948. O casório foi em 1957. O bilhete de aniversário para a mulher, festejado no fim de agosto, ele ainda sabe de cor: “Mary, obrigado! Não sei o que seria da minha vida sem você”. Letra e papel acompanhados de belo buquê de orquídeas. “Todo ano envio flores para ela”, sorri, cúmplice, ao vê-la entrar com café em bandeja com queijo e biscoitos. “Meus filhos são lindos, parecidos com a mãe”, elogia.


Reconhecido por um condenado

Durante a conversa, Severino Flores conta um fato que viveu no passado. Ele estava em um táxi na Região da Pampulha, onde morou por 26 anos, e percebeu que o motorista o olhava um pouco diferente. “Ao fim da corrida, perguntou-me: ‘O senhor é o doutor Severino?’. ‘Sou’, respondi. ‘Aí ele me soltou esta: ‘o senhor me tacou num cadeião’”, disse o motorista. Mas depois, contou Severino, emendou que estava agradecido porque depois de ter cumprido a pena havia se tornado pai de família e estava feliz, trabalhando como taxista.

Satisfeito com o “caso raro, extremamente positivo”, o professor diz que o bom combate à violência e à criminalidade é aquele que se dá nas raízes do indivíduo. Bem melhor que a cadeia que funciona seria precisar cada vez menos dela. É na infância e na juventude, segundo Severino, que está a solução para médio e longo prazos. “Investimentos reais em educação e condições de trabalho, norteados pela justiça social, certamente, refletirão muito positivamente”, acredita o criminalista.

Para ele, o sistema prisional brasileiro está falido e não dá conta de cumprir seu papel. “São muitos os problemas. Faltam presídios adequados para o cumprimento da pena, com toda a assistência a que o condenado tem direito. O que vemos são penitenciárias que servem como depósitos de presos, de vidas humanas, que violaram a lei. Não se pode depositar uma pessoa. É preciso dar ao preso condições de trabalho interno, por exemplo, em colônias agrícolas, como ocorre em Neves.” E funciona, doutor? “Não, infelizmente. Não pela ideia, mas pela falta de fiscalização e de recursos humanos comprometidos com a verdadeira justiça”, conclui.


MEMÓRIA

Prefeito assassinado com quatro tiros

O caso que Severino está atuando hoje como assistente do Ministério Público aconteceu no dia 15 de maio de 2008, uma manhã de quinta-feira. O ex-prefeito de Mariana, Região Central de Minas, João Ramos Filho, foi assassinado com quatro tiros na rodovia MG-262, que liga o município a Ponte Nova. As investigações indicam que dois motociclistas pararam ao lado do carro de João Ramos e mandaram que o vidro fosse abaixado. Segundo a funcionária do posto de gasolina que pertencia ao ex-prefeito e que estava no carro com ele, os criminosos pediram dinheiro e mandaram que ela se abaixasse. Eles pegaram a bolsa da mulher e efetuaram quatro disparos. O ex-prefeito morreu na hora. João Ramos Filho pretendia concorrer ao cargo de prefeito novamente. Três acusados foram presos, mas, por meio de habeas corpus, obtiveram o benefício de responder ao processo em liberdade.
 


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