Jornal Estado de Minas

A última batalha de dona Laureci

Costureira em fase terminal de câncer passa mal durante audiência trabalhista e morre

Sessão havia sido antecipada para poder acelerar o processo

Jefferson da Fonseca Coutinho
Data venia, até que se podia imaginar a costureira Laureci Gonçalves de Oliveira, de 52 anos, dar seu último suspiro num tribunal de Justiça
Batalhadora desde menina, findar seus dias por causa trabalhista diante de uma juízaNão pelo dinheiro, apenas, mas para dialogar direitos de mais de década trabalhada em confecção de Minas GeraisEm estado terminal, acometida por câncer no pulmão e complicações cardiovasculares e cerebrais, Laureci compareceu bem cedo à 19ª vara, em Belo Horizonte Na quarta-feira, antes das 9h, era importante o esforço, já que era dia de alta – afinal, não estava no Hospital Luxemburgo nem no Mário Penna, onde vivia em tratamento de tempos em temposAssim, ficaria desobrigada de presença no futuro

Em cadeira de rodas, na companhia dos irmãos Epaminondas e Rosângela, com o sopro que lhe restava, a profissional de corte e costura aguardou com calma a audiência, antecipada em duas semanas, visto a urgência de sua condição de saúde“Conseguimos antecipar do dia 18 para o dia 3 de agosto Infelizmente, não deu tempo”, disse o advogado Fernando José de Oliveira

A juíza e seus colaboradores, é importante dizer – há muitas testemunhas –, tudo fizeram para poupar mais esforço por parte da reclamanteComo os 15 dias já pareciam não bastar, tamanha fragilidade física da doente, era preciso puxar a fração da hora
“Diante disso, foi informado que a audiência seria realizada tão logo fossem comunicadas as presenças necessárias”, diz a ataO documento oficial registrou também: “Às 9h30, o advogado da reclamante informou ter se comunicado com a reclamada, a qual lhe disse não ter recebido a notificação pelo fato de ter havido equívoco na indicação do número de seu apartamento”Acontece

A juíza, sensibilizada, quis ajudar Mobilizou assistentes para tratar a particularidade, o inusitadoEra preciso correr contra o tempo: o susto, o mal-estar, e, rapidamente, Laureci precisando de amparo médicoTudo indicava que a costureira não encararia mais a outra parte, para quem trabalhara, ausente pelos tropeços tão comuns no plano das correspondências jurídicas

Socorro

Os cuidados dos funcionários do tribunal impressionaram bastante o advogado de Laureci, veterano, de 71: “O pessoal da secretaria foi de uma presteza admirável”O drama da família, ali, e o assombro anunciado da perda iminente marcaram sobremaneira o doutor FernandoO Samu foi chamado às pressas para socorrer a costureira
Corre-corre e movimentação de toda a boa gente de alma e coração no edifício do Bairro Barro Preto, na Região Centro-Sul da capitalA equipe médica também foi acionadaAlessandra, secretária de audiência, socorrista, fez respiração boca a boca e massagens no peito da mulherO casal de irmãos, doído, nada mais podia fazer no vazio do abraço partido

“Minutos depois, os profissionais médicos deram por encerradas as tentativas de reanimação, concluindo pela morte da pacienteSensibilizados, foram suspensos os trabalhos da secretariaRegistra-se a total assistência dos funcionários desta secretaria”, diz o documentoMinuto de silêncio Processo suspenso até que novo representante legal seja nomeado para levar o assunto adiantePor telefone, voz miúda, exausta por dois dias em claro por conta de velório e sepultamento, Epaminondas quer saber para que a entrevista“Um registro.” O comerciante decide ceder, então, um minuto a mais de sono perdido: “Laureci era dinâmica e trabalhadora Muito justaGostava sempre de ponderar, de estar atenta ao que é certo e o que é erradoDeixa amizades sérias e verdadeiras”

Laureci se foi, sem deixar filhosDescansa agora, no Cemitério da PazPara a família, diminuída, aparada pelas costuras do destino, fica a saudade, que começou a apertar cedo, antes mesmo da hora de partirPara o tribunal, ainda que com os seus bons juízes, assistentes e socorristas, apenas mais um processo à espera de justiça