Jornal Estado de Minas

Seca mineira fica refém de critério adotado para o Nordeste

Viúva e com quatro filhos, Ana Paz lamenta a seca do rio próximo de sua casa e volta com vasilhames vazios - Foto: Luiz Ribeiro/DA Press

O Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha estão reféns do sistema de chuvas do Nordeste brasileiroO drama da seca, que se repete há décadas nessas duas regiões mineiras, onde 89 municípios já decretaram estado de emergência, conta agora com um agravante: há dois meses, o Exército suspendeu o aluguel de caminhões-pipa usados para levar água potável para os moradores da zona rural, alegando falta de recursosDe acordo com prefeitos da região, a causa do problema está relacionada com a própria condição climática do semiárido mineiro: o Norte de Minas e o Jequitinhonha, embora localizados no Polígono das Secas, têm regime de chuvas diferente dos estados nordestinosSó que, para liberar o dinheiro, o governo federal leva em conta os aspectos climáticos do Nordeste.

“Na hora de fazer o planejamento da liberação dos recursos para a Operação Carro-Pipa, do Exército, o governo considera o período da estiagem de todo o Nordeste, que começa em novembro, colocando o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha na mesma condiçãoAcontece que, agora, enquanto ocorre o excesso de chuvas em estados nordestinos como Pernambuco e Paraíba, nossa região está vivendo o momento crítico da secaNão podemos esperar até o fim do ano”, afirma José Mário Pena (PV), prefeito de Francisco Sá, um dos municípios mais castigados pela estiagem em MinasO presidente da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene, Valmir Morais de Sá, prefeito de Patis, diz que, sem repasse de recursos da União para a Defesa Civil Nacional e sem ter como pagar pelo serviço, o Exército interrompeu os contratos de aluguel de 80 caminhões-pipa“Na hora de planejar, eles tomam o Nordeste como base para mandar o dinheiro de combate à seca na nossa regiãoPor isso, o dinheiro sempre chega com atraso e quem sofre com os prejuízos é a população”, diz Sá.

Na sexta-feira, procurado pelo Estado de Minas, o Ministério da Integração Nacional informou que “todas as providências estão adotadas” para o retorno da Operação Carro-Pipa em MinasEm Francisco Sá, município com 23,6 mil habitantes, eram nove caminhões alugados pelo Exército, que pararam de rodar há dois meses, prejudicando mais de 2.250 moradores da zona rural, conforme a Secretaria Municipal de AgriculturaPercorrendo a região, a equipe do EM se deparou com espaços onde corriam rios caudalosos, agora totalmente secos

Exemplo disso é o Rio Quem-Quem, onde dezenas de famílias foram buscar água e voltaram com tambores vazios.

Uma das “vítimas” da falta do caminhão-pipa é Ana Paz dos Santos, de 45 anos, viúva, mãe de quatro filhosSem receber a água tratada do caminhão do Exército, ela se viu obrigada a carregar lata d’água na cabeça, retirando o líquido de um tanque a 600 metros de sua casa, na localidade de PrudenteA água era a mesma consumida por animais de uma fazendaMas o sol forte sem dar trégua e a falta de chuvas secaram o reservatório“Fico muito triste, pois sem água não tem como a gente viver”, lamentouAgora, Ana recorre à água de um poço tubular, considerada salobra e imprópria para consumo humano.

“A água do poço é salgada, mas não tem outro jeitoTemos que beber dela mesma.” A situação também está difícil para a pequena agricultora Neide Mendes, que mora na região de Boi Gordo, onde não há poço ou cisterna por pertoAssim, ela e o marido, o agricultor Geraldo Teodoro, passaram a buscar água a cinco quilômetros de casa, fazendo o transporte de moto“São duas viagens por semana, pois a gasolina está muito cara”, diz Neide, que reclama do drama enfrentado“A gente tem que se virar
Sem água, a gente não se alimenta, não faz a higieneNinguém vive sem água.”

Recursos públicos

Segundo o professor da Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo, Marco Antonio Villa, a falta de conhecimento e de planejamento faz com que o Polígono das Secas viva sistematicamente situações de emergência“Basta o governo federal elaborar uma política para a região, com objetivos de curto, médio e longo prazosNão faltam agências para atuar: Sudene, Banco do Brasil, CEF, Embrapa e o Banco do NordesteO problema não é falta de estrutura e de recursosA questão é o péssimo uso dos recursos públicosO polígono não é um todo unitário, tem diferenças regionaisE isso tem de ser considerado”, pondera.

Daqui para o futuro - Três meses sem chuvas


A estiagem vai se estender por pelo menos três meses no Norte do estadoDe acordo com o meteorologista Ruibran dos Reis, do Centro de Climatologia Minas Tempo, a previsão é de que chuvas ocorram no começo ou em meados de novembroEle salienta que não serão sentidos os efeitos dos fenômenos El Niño e La Niña, responsáveis por outras estiagens como a de 2007, considerada uma das piores da história, provocando a morte de mais de 100 mil resesPor outro lado, ele lembra que a região foi prejudicada pelo veranico do início do ano“Em março e abril, tivemos chuvas significativas, que, entretanto, não foram suficientes para eliminar os prejuízos dos agricultores e recuperar a vazão dos mananciais.” Sobre o fato de o governo adotar critérios similiares para o Nordeste do país e o Norte mineiro, ele esclarece: “O período chuvoso mais intenso do Nordeste começa em maio e vai até agostoNo Norte de Minas, as chuvas começam em outubro/novembro e vão até março ou abril.”