Jornal Estado de Minas

Alunos enfretam péssimas condições de transporte escolar

Maurício Lara
Vardo, o motorista, tenta organizar a entrada de estudantes da zona rural da Chapada do Norte na picape: uso do veículo é institucionalizado na região porque resiste melhor às más condições das estradas - Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press
Chapada do Norte – “Carol, vai no colo da Amanda”, “Arreda para lá”, “Já falei que tem de tirar a mochila antes de entrar”, “Não pisa no pé dos outros”As frases fazem parte da rotina do motorista Valdemar Siqueira da Silva, o Vardo, de 35 anos, na hora de colocar 15 meninos do turno da manhã dentro da cabine dupla da picape 1989 com que ele transporta alunos da Escola Estadual Professora Maria Gomes da Silva, na zona rural de Chapada do Norte, às margens do Rio Capivari“Temos que fazer milagre para caber”, admite Vardo.

O destino é a comunidade de Sampaio, a 8 quilômetros, na beira do Rio Araçuaí, mas a medida da distância não dá a dimensão da dificuldade, porque a estrada é muito ruimVardo tem que levar 12 alunos, mas dá carona a mais três para evitar que eles – incluindo o pequeno Felipe, de 6 anos –, caminhem por quase um quilômetro em meio a uma poeira insuportável no tempo da seca e a lama no tempo de chuvaA picape chega vazia ao destino final, onde três alunos do turno da tarde aguardam para embarcarOutros vão subindo pelo caminho de volta.

A picape de Vardo ainda mantém a estrutura metálica instalada para o transporte de passageiros, mas já sem os banquinhos onde os passageiros se sentavamEle garante que, atualmente, não deixa os meninos embarcarem na carroceria, mas, reservadamente, membros da comunidade admitem que, muitas vezes, meninos maiores vão lá em cimaDe qualquer forma, é difícil caber 15 crianças mais o motorista na cabine desenvolvida para seis passageiros.

O uso de picapes é institucionalizado em Chapada do Norte, com a justificativa de que outros veículos, simplesmente, não resistem às más condições das estradas montanhosas“Cheguei a colocar um micro-ônibus com 21 lugaresEle era até novo, de 2002, mas não aguentouTive que voltar com a picape”, conta Vardo, afirmando que a experiência malsucedida deixou de saldo um prejuízo de R$ 8 mil.

Na frota de 25 veículos terceirizados – com mais seis próprios – há sete picapes como a de Vardo, que deveriam transportar até oito estudantes
“Quando é caso de ter 12 alunos, seria para colocar KombiA prefeitura licita e não aparecem interessadosAí vem a dor de cabeça, porque carregar na carroceria não pode”, explica o secretário de Educação, Odair José de MacedoPara ele, a realidade do município deixa a prefeitura em um “beco sem saída”.

O secretário diz que o Ministério Público tem feito esforço para atender a situação e usa o exemplo de uma viúva com quatro filhos para ilustrar a dificuldadeOs meninos teriam que andar 4.500 metros até a escola, ou 9 quilômetros ida e volta, por estrada precáriaEle licitou a rota e não apareceu interessadoEle mesmo sugeriu à mulher que se mudasse para perto da escolaEla conseguiu um cômodo emprestado e, agora, a assistência social da prefeitura busca uma solução definitiva para que a turma continue estudante.

A aritmética é difícilA precariedade das estradas não combina com o valor que a prefeitura consegue pagar aos transportadoresUma van que roda 20 quilômetros por dia recebe, por mês, R$ 1.120
“Tem hora que fico até com dó desses transportadores”, revela o secretário“A gente paga para trabalharOnde eu rodo, ninguém quisÉ um buraco que faz até medo”, diz Sineval Vieira da Costa, que leva alunos da comunidade de Porto Servano para a escola de Bartieiro a bordo de uma outra picape.

Vardo recebe R$ 4.400 por mês para rodar 93,6 quilômetros por dia nos percursos necessários para atender aos três turnos da escolaNas contas da prefeitura, o custo per capita dos alunos que ele transporta na picape “é absurdo”O problema, explica o secretário de Educação, é a combinação do número de alunos com a condição das estradasEle diz que, se pudesse colocar um ônibus ou van, o custo seria o mesmo“A gente sabe que é nossa obrigação atender, falta é condição”, diz Odair Macedo.