Jornal Estado de Minas

Prefeito de BH sanciona novas leis inúteis

Flávia Ayer
Muitas versões para uma só lei
A norma que obriga locais fechados de acesso coletivo em Belo Horizonte a passarem pelo processo de “sanitização”, com objetivo de evitar transmissão de doenças infectocontagiosas, mal nasceu e já garantiu lugar de destaque no rol de legislações de letras vagas e eficácia duvidosaA Secretaria Municipal de Saúde, responsável pela aplicação do texto, não explica com precisão seu conteúdo e validade, sob a justificativa de que ainda precisa ser regulamentadoCom isso, o que não falta são interpretações diferentes para a Lei 10.206, publicada sábado no Diário Oficial do Município (DOM), com sanção do prefeito Marcio Lacerda

Para os agentes sanitários municipais, a iniciativa é para livrar a cidade de pragas e roedores e obriga até mesmo a Praça da Estação, em dias de grande eventos, a passar por limpeza similar a de hospitaisO vereador Pablito (sem partido), autor do projeto que originou a lei, afirma que a sanitização previne alergias e pneumonias, embora assuma não ter pesquisado o assuntoJá especialistas em infectologia tratam a lei como uma incógnita

A nova regra foi publicada ao lado de um pacote de outras nove leis, entre elas a que obriga a instalação de detectores de metais em escolas com mais de 500 alunos, a criação do Dia Municipal do Autismo e a que dá nome de Jesuíno Celestino da Silva à Rua 60, no Bairro Jardim dos Comerciários, Região de Venda NovaO texto, que começou a tramitar na Câmara em junho do ano passado, também faz parte do reduzido grupo de 39 projetos de lei aprovados de janeiro até segunda-feira pelos vereadores

A lei define apenas que precisam de sanitização “locais fechados de acesso coletivo, públicos ou privados, climatizados ou não.” De acordo com o texto, sanitização consiste no “tratamento de todos os ambientes, incluindo paredes, tetos, pisos, mobiliários e ar-condicionado, por empresa cadastradas no órgão público competente”Quem desrespeitar a norma, que será fiscalizada por 150 agentes da Vigilância Sanitária Municipal, poderá ser multado em até R$ 10 mil


A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) limita-se a dizer que a lei tem 90 dias para ser regulamentada pelo Executivo e acrescenta que a regulamentação “vai detalhar locais passíveis de transmissão de doenças infectocontagiosas”A SMSA completa que estabelecimentos que necessitam de licença sanitária para funcionamento já seguem normas que estabelecem cuidados para prevenção de infecções

Desconhecimento

Antes de falar ao Estado de Minas, o vereador Pablo César, o Pablito, não sabia que a proposta havia sido aprovada em segundo turnoEle explicou que o texto foi criado com base em comentários de eleitores e uma percepção pessoal“Não consultei ninguémEu mesmo verifiquei muita sujeira em salas de cinema e teatroJá tinha recebido comentários sobre isso de eleitores meus”, afirma, sem detalhar o que vem a ser o processo de sanitizaçãoO que ele provavelmente desconhece é que cinemas, teatros, estabelecimentos de saúde ou relacionados a alimentos, hospedagem, ensino, diversão e lazer, esteticismo e cosmética precisam de licença sanitária municipal

O fiscal sanitário municipal e presidente da Associação dos Fiscais Sanitários Municipais de BH (Afisa), Gilmar Xavier Lima, diz que a sanitização é para livrar a cidade de pragas e roedores“Já exigimos esse tipo de limpeza de farmácias de manipulação, drogarias, clínicas e hospitais
Mas agora a lei deixa claro que são os ambientes fechados de uso coletivo, como prédios de lojasQuando houver um evento na Praça da Estação vamos ter que exigir a contratação de uma empresa para a limpeza antes do evento.”

Dúvida

Na definição da Secretaria de Saúde, doenças infectocontagiosas são transmitidas por micro-organismos diretamente de pessoa a pessoa ou por alimentos, água, sangue ou superfíciesEntre elas estão sarampo, tuberculose, aids, dengue e hepatitesMas, de acordo com o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, o médico Carlos Starling, é preciso conhecer melhor a lei para atestar sua eficácia“Acho que os vereadores deveriam consultar a Associação Médica antes de criar algo desvinculado da realidade e de princípios científicos.”

LEI 10.206, DE 17 DE JUNHO DE 2011

Art1º – Fica instituída a obrigatoriedade de realização de processo de sanitização em locais fechados de acesso coletivo, públicos ou privados, climatizados ou não, a fim de se evitar a transmissão dedoenças infectocontagiosas

Art2º – O processo de sanitização de que trata esta lei compreende o tratamento de todos os ambientes, incluindo-se paredes, tetos, pisos,mobiliários e ar-condicionado, devendo ser realizado por empresas devidamente cadastradas no órgão público competente.

Conversa com o autor do projeto

Repórter –
Vereador, estamos fazendo uma matéria sobre a lei da sanitização..

Pablito – Esse projeto de lei já foi votado em segundo turno?

Repórter – Já, ele foi, inclusive, sancionado pelo prefeito e publicado sábado no Diário Oficial do Município

Pablito – Ah!

Repórter – Então, vereador, qual é o objetivo dessa lei?

Pablito – O objetivo foi mais como um método de controle de infecções em ambientes coletivosVárias epidemias são transmitidas pelo contato interpessoal

Repórter – Mas em que consiste a sanitização?
Pablito – É um processo de limpeza, mas precisamos fazer um decreto para regulamentar a lei, para mostrar quanto tempo, qual método, em quais ambientesO decreto é a melhor maneira de informar e destrinchar tudo dessa lei

Repórter – Mas a necessidade dessa lei partiu de alguma pesquisa ou de uma demanda de entidade de infectologia?

Pablito – Não consultei ninguémEu mesmo já verifiquei muita sujeira em salas de cinema e teatroJá tinha recebido comentários sobre isso de eleitores meusA partir desse contato é que eu fiz o projeto de lei

Repórter – Mas o que seriam as doenças infectocontagiosas?

Pablito – É alergia, pneumonia, mais nesse sentido...