Jornal Estado de Minas

Projeto que proíbe garrafa de vidro recebe avalanche de críticas em BH

Projeto aprovado pela Câmara de BH, a mesma que baniu sacolas plásticas comuns, proíbe garrafas de vidro em casas noturnas e abre controvérsia ao incentivar uso de copos de plástico

Paula Sarapu

O especialista em vinhos Nelton Fagundes destaca a importância de garrafas e taças para servir a bebida e ironiza: 'Cadeiras e garfos também podem ser armas' - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


Se a intenção foi boa, o resultado e a repercussão, nem tantoO projeto de lei que proíbe o uso de garrafas de vidro em casas noturnas de Belo Horizonte, aprovado em votação definitiva na sexta-feira, recebe uma saraivada de críticas, mesmo com a emenda que limita a abrangência do texto, restringindo a proibição a locais com cobrança de entrada, destinados à apresentação de shows artísticos e eventos esportivosA medida, que inicialmente visava a todos os estabelecimentos, tem a justificativa de tentar evitar casos de agressão em boates e casas de shows, mas desperta polêmicaComerciantes afirmam que a lei acarretará demissões, enquanto amantes da boa bebida e ambientalistas questionam a eficácia do projetoE todos lembram a existência de outros elementos nesse tipo de ambiente que, assim como o vidro, representam risco numa possível brigaDestacam ainda o aumento do consumo de copos plásticos, nos quais a lei determina que devem passar a ser servidas as bebidas, e a produção de lixo não biodegradável, que seria prejudicial ao meio ambienteTudo isso votado por uma Câmara que recentemente baniu as sacolas de matéria plástica, sob o argumento de proteger o meio ambiente

Profissionais que trabalham em casas noturnas têm várias reservas ao projeto, que ainda será submetido à sanção ou ao veto do prefeito Marcio Lacerda (PSB)O bartender Felipe Brasil diz que é preciso analisar o texto por aspectos diversosPara ele, o principal problema é o aumento na produção de lixo plásticoFelipe lembra ainda a importância do vidro em relação à garantia da higiene e segurança do produto, e diz que não há como as garrafas de bebidas para coquetéis e drinques, como vodca, gim, licores e uísque, serem banidas de bares e boates



“Essas garrafas normalmente ficam dentro do balcão, sem que o cliente tenha acesso a elasAs que vão às mesas podem até representar perigo, mas nesse sentido os copos também são de vidroHá ainda os talheres e pratos que podem ser usados numa briga de barÉ difícil dizer o que não é perigoso na noiteAs garrafas de vidro evitam contaminação e são mais seguras e higiênicas para transporte e armazenamento das bebidas do que as garrafas de plásticoPara o meio ambiente, essa lei é prejudicial pela quantidade de lixo que vai ser produzidaO plástico não é biodegradável e a reciclagem desse material é mais cara do que a do vidro”, afirma o bartender

A proibição das garrafas de vidro não arranha o charme e o ritual das enotecas, espaços reservados aos apreciadores de vinho, mas recebe críticas do sommelier Nelton Fagundes, que destaca a importância de preservar esse tipo de bebida, quando vendida em casas de shows e boates“O vinho precisa de um recipiente adequado, limpo e livre de impurezasAs garrafas de vidro do vinho tinto são escuras, para proteger a bebida da luz
As do vinho branco têm a função de mostrar a bebida genuínaHá todo um contexto: quem gosta de beber vinho aprecia ver a garrafa com rótulo e rolhaOs vinhos são servidos assim no mundo inteiro, com garrafas originais compradas diretamente do produtorImagina servir vinho em garrafas PET ou em copos plásticos? Esse projeto de lei é infeliz e não tem cabimentoSobre a questão da violência, cadeiras também podem ser armas, assim como garfos e facas, o jarro de decoração e até a caneta do garçomAonde vamos parar?”, questionou

Para o coordenador do Laboratório de Ciências e Tecnologia de Polímeros e professor do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Fernando de Souza Freitas, o projeto de lei é desastroso“O material plástico trouxe facilidades e vantagens, mas também o descarte inadequado e a consequente poluiçãoExposto à natureza, o plástico leva de 100 a 500 anos para se decompor e a troca das garrafas de vidro pelos copos plásticos vai gerar ainda mais resíduosNesse sentido, o projeto de lei vai contra a proibição das sacolinhas plásticas e a preocupação com o meio ambiente”, afirmou Roberto“Sou defensor do plástico, mas não para beber cerveja”, brincou

Professor de ciências biológicas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Hiran Sartori admite que o projeto de lei favoreceria o aumento no consumo dos copos plásticos, mas é a favor da lei“É verdade que criar problemas, por causa dos copinhos, mas é justificável, caso se dê destinação adequada ao plásticoA lei parte do princípio de que a população não vai mudar, que uns vão agredir outros com garrafasSe a ideia é eliminar o vidro para reduzir os riscos, é preciso pensar em outras opções para servir a bebidaÉ o velho problema de sempre: a falta de educação e conscientização do ser humano.”