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Estado de Minas

Capital exige obras viárias bem planejadas para garantir mobilidade sustentável


postado em 11/06/2011 12:08

Belo Horizonte foi concebida pelo engenheiro paraense Aarão Reis na última década do século 19. Sob inspiração do positivismo, a planta original refletia o sonho de uma cidade funcional e organizada. A preocupação com a funcionalidade e com a higiene gerou, diferentemente do que se via nas cidades brasileiras daquela época, um sistema viário amplo e hierarquizado, constituído por avenidas e ruas que, por várias décadas, diante dos baixos volumes de veículos e de pedestres, pareceram demasiadamente largas.

A Belo Horizonte de Aarão Reis surgiu na trilha de projetos reformadores de metrópoles europeias, os quais procuravam modernizar e universalizar o espaço urbano. Contudo, o planejamento inicial não teve continuidade e fenômenos urbanísticos e sociais não previstos afetaram Belo Horizonte nos seus 113 anos: aumento intenso de população, surgimento de uma classe média motorizada, êxodo rural e concentração de renda. Esses fenômenos provocaram crescimento desordenado, degradação ambiental e deterioração da qualidade de vida urbana.

A cidade projetada por Aarão Reis é atualmente apenas uma pequena “mancha” no mapa do aglomerado urbano formado por Belo Horizonte e seu entorno. As ruas que surgiram além dos limites da Avenida do Contorno, isto é, fora da área planejada, procuraram se adaptar, muitas vezes sem sucesso, à topografia acidentada da cidade. Subindo, descendo ou contornando morros, essas vias acabaram se encontrando com as de cidades vizinhas, que não foram planejadas. Foi se constituindo, assim, a terceira maior região metropolitana do país.

Segundo o Censo 2010, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) conta com pouco menos de 4,83 milhões de habitantes, dos quais 48,7% (2,37 milhões) vivem na capital. Os 34 municípios que compõem a RMBH ocupam uma área de quase 9.468 quilômetros quadrados, ou seja, é 28,6 vezes maior que o município de Belo Horizonte, cuja área não chega a 331 quilômetros quadrados. Enquanto, a capital apresenta densidade demográfica próxima a 7.178 habitantes por quilômetro quadrado, na RMBH esta não passa de 515,7 habitantes por quilômetros quadrado. Em termos de população e de densidade demográfica, Contagem é o segundo maior município metropolitano, com pouco mais de 603 mil habitantes e quase 3.100 habitantes por quilômetros quadrado. Taquaraçu de Minas é o menor, com apenas 3.792 habitantes e 11,5 habitantes por quilômetros quadrado.

O sistema viário de Belo Horizonte está estruturado segundo uma rede radioconcêntrica, com origem no hipercentro, constituída por um conjunto de corredores de transporte entre os quais se destacam as avenidas Amazonas, Antônio Carlos, Cristiano Machado, Pedro II e a Via Urbana Leste-Oeste. O sistema oferece poucas opções de ligações perimetrais (que não atravessam a área central), sendo as mais importantes a Avenida do Contorno e o Anel Rodoviário, que na realidade não passa de um arco, um semianel, e que, diante da expansão da RMBH, passou a exercer, além da função original de via de conexão rodoviária, o papel de corredor metropolitano de transporte. A ausência de vias perimetrais está crescentemente sobrecarregando os corredores de transporte e muitas vias da área central, que adicionalmente recebem tráfego de passagem oriundo de diferentes regiões da cidade e mesmo de outros municípios metropolitanos.

O vertiginoso crescimento do número de veículos circulando em Belo Horizonte tem prejudicado a eficiência do sistema viário como um todo. Vias coletoras e locais, cujo objetivo original era promover acessibilidade a áreas residenciais e comerciais e segurança e conforto para pedestres estão se transformando em vias arteriais, cuja prioridade é dar fluidez ao tráfego. Assim, segmentos viários concebidos para receber pouco trânsito, a baixas velocidades, bem como oferecer espaços de estacionamento, estão agora sendo utilizados por intenso tráfego de passagem, incluindo veículos de carga, gerando degradação ambiental, risco de acidentes e congestionamento.

Segundo o Ministério das Cidades, “mobilidade urbana sustentável” é o resultado de políticas que proporcionem acesso amplo e democrático ao espaço urbano, priorizem modos coletivos e não motorizados de transporte, eliminem ou reduzam a segregação espacial e concorram para a inclusão social e para a sustentabilidade ambiental. A sustentabilidade pressupõe modelos de desenvolvimento que satisfaçam as demandas da geração atual sem comprometer a possibilidade (ou capacidade) de atendimento às gerações futuras. Nesse sentido, perda de mobilidade está associada a aumento dos tempos e dos custos dos deslocamentos urbanos e a aumento do número de acidentes.

É notório que a mobilidade na RMBH como um todo vem se deteriorando, com consequências negativas para o desenvolvimento econômico e social da região. Embora nos municípios menores, mais periféricos e pouco “metropolizados”, os níveis de mobilidade sejam satisfatórios, a movimentação de pessoas e mercadorias nas áreas mais adensadas, notadamente a circulação intermunicipal tendo Belo Horizonte como referência, está progressivamente piorando.

No rol dos fatores que têm contribuído para a deterioração da mobilidade urbana, não apenas em Belo Horizonte, mas em diversas cidades brasileiras grandes e médias, destacam-se o aumento de população e, principalmente, de densidade demográfica e o aumento acelerado da frota de automóveis e motocicletas. Na RMBH, onde o transporte público, constituído quase exclusivamente pelo modo rodoviário, é percebido pelos usuários como ineficiente e caro, verifica-se uma contínua migração de passageiros para modos motorizados privados, o que contribui para a elevação do número de acidentes e dos níveis de congestionamento do tráfego em geral.

Falta articulação Outro importante fator que também tem contribuído para a perda de mobilidade nas regiões metropolitanas é a quase total desarticulação entre agências dos três níveis de governo ¾ municipal, estadual e federal ¾ vinculadas à gestão do trânsito e do transporte público. Tendo em vista que problemas de transporte e de circulação viária em regiões metropolitanas são normalmente abrangentes e plurimunicipais, ou seja, não têm como ser devidamente solucionados apenas no âmbito municipal, o equacionamento da mobilidade nessas regiões depende de algum nível de reorganização das instituições de planejamento e de gestão que atuam no seu território. Em outras palavras, o sucesso de políticas de mobilidade em regiões metropolitanas depende de mecanismos que proporcionem o planejamento e a gestão integrados da circulação viária e das redes de transporte coletivo.

Nesse sentido, não há como esperar que haja mobilidade sustentável em Belo Horizonte quando se constatam várias ausências: ausência de integração física e tarifária entre os sistemas municipais de transporte coletivo e o sistema intermunicipal metropolitano; ausência de planejamento integrado metropolitano das redes viária e de transporte; ausência de planejamento integrado do uso do solo e do transporte no espaço metropolitano. Além disso, constatam-se aqui fortes restrições à expansão do modo ferroviário de alta capacidade, na contramão do que se verifica em todo o mundo, onde os metrôs constituem a espinha dorsal das redes de transporte público. A única linha do trem metropolitano de Belo Horizonte atende apenas 5% (cerca de 150 mil passageiros) do total de pessoas que utilizam diariamente transporte coletivo na região metropolitana, cifra irrisória para um sistema de transporte de massa sobre trilhos.

Tratando especificamente de obras infraestruturais estratégicas, qualquer programa de mobilidade para a RMBH não pode deixar de contemplar a construção de um novo Anel Rodoviário para atender o crescente tráfego, notadamente de veículos de carga, que não se destina à cidade e que, portanto, deve apenas tangenciá-la. Para que possa interligar, de fato, os acessos rodoviários de Belo Horizonte, o novo anel (e não, conforme se anuncia, apenas mais um semianel) precisa ser construído no entorno dos espaços conurbados do território metropolitano, ou seja, externamente às áreas urbanizadas.

Objetivando interligar diversas regiões da cidade e reduzir o tráfego de passagem na área central, outra obra viária imprescindível para a mobilidade de Belo Horizonte e sua região metropolitana é a complementação do atual Anel Rodoviário, isto é, a construção de sua alça leste, a partir da BR-040. Caso o novo anel seja construído, o “velho” poderia cumprir com plenitude a função de via perimetral metropolitana, que hoje, incompleto, desempenha precariamente. A complementação do atual anel contribuiria para aliviar, por exemplo, o tráfego intenso registrado cotidianamente na região da Savassi, importante núcleo de comércio e de serviços de Belo Horizonte. Na ausência do braço leste do Anel, muitos veículos que se dirigem a bairros da região Leste da metrópole (Santa Efigênia, Pompeia, Esplanada, Vera Cruz, Saudade, São Geraldo, Caetano Furquim e mesmo Sabará) utilizam as avenidas do Contorno, Professor Morais e Getúlio Vargas, a partir da Avenida Nossa Senhora do Carmo.

As citadas obras, apesar de somente se limitarem ao tráfego motorizado, são fundamentais para a mobilidade e para a qualidade de vida de Belo Horizonte. Em função de suas características, precisam ser cuidadosamente monitoradas não apenas por engenheiros de tráfego, mas também por urbanistas e ambientalistas, tanto nas etapas de planejamento e de projeto quanto na de construção.

Ronaldo Guimarães Gouvêa é engenheiro civil e urbanista, especialista em planejamento de transportes urbanos e doutor em sociologia e política. É também autor do livro A questão metropolitana no Brasil (FGV, 2005) e professor do Núcleo de Transportes da Escola de Engenharia da UFMG (Nucletrans).


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