Jornal Estado de Minas

Self-service está livre de vigilância em Belo Horizonte

Apesar do altíssimo índice de contaminação de alimentos constatado em reportagem do EM, órgão ligado à Secretaria de Saúde não vê razão para intensificar fiscalização em restaurantes

Ernesto Braga Paula Sarapu

"Nunca me senti mal depois de comer na rua, mas já ouvi muitos relatos assim. Acho que sou menos suscetível aos problemas com alimentação, porque não como carnes. Também acredito que, em uma região com muitos restaurantes a quilo, os proprietários primem pela qualidade, para manter seus clientes. Em casa, a gente sabe como é feito. Na rua, contamos com o cuidado do profissional" - Humberto Almeida, de 51 anos, engenheiro - Foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press

Os consumidores de comida a quilo de Belo Horizonte vão precisar contar com a própria avaliação e com generosas porções de sorte para escolher estabelecimentos que ofereçam boas condições de higiene em suas bandejasApesar da situação preocupante do setor em termos de contaminação, como mostrou o Estado de Minas em sua edição de terça-feira, a Vigilância Sanitária municipal não tem qualquer previsão de intensificar sua rotina de inspeções, em que 130 fiscais se responsabilizam por cerca de 3,2 mil restaurantes na capital, sem contar a atribuição de fiscalizar outros ramos de comércioA proporção faz com que um ponto de venda de refeições passe até um ano sem avistar agentes da saúde pública.

A julgar pelo que o EM encontrou nos self-services, esse cotidiano não parece suficiente para garantir um mínimo de segurança aos consumidoresA pedido da equipe de reportagem, o laboratório GMO Centro de Pesquisas e Controle de Qualidade analisou amostras coletadas em quatro restaurantes movimentados da capital, em 16 de maioA maioria delas apresentou índices de coliformes fecais semelhantes aos encontrados em vasos sanitáriosOs valores são muito mais altos do que o padrão tolerado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)Os restaurantes foram escolhidos aleatoriamente em áreas diferentes da cidade: na Região da Pampulha, no Bairro Santa Efigênia, na Região da Savassi e no CentroEm todos eles, a bióloga Ana Paula Valença Americano recolheu amostras expostas nas bancadas, usando pegadores e embalagens de isopor ou alumínio à disposição dos clientes.

Das 12 amostras recolhidas, oito apresentaram problemasA maionese, por exemplo, cujo índice de coliformes fecais considerado tolerável pela Anvisa é de 20 unidades formadoras de colônia por grama (UFC/g), apresentou 6,7 milhões de UFC/gNo caso do típico prato de feijão de tropeiro, que poderia ter os mesmos 20 UFC/g, a amostra indicou 720 Responsável técnica e proprietária do laboratório, a médica veterinária Francisca Gracion Freire Girão afirma que o resultado indica falta de higiene no manuseio dos alimentos
A coleta foi feita com autorização dos gerentes dos estabelecimentosCada um receberá laudo com as informações da análise.

Mas a Vigilância Sanitária Municipal sequer questionou quais foram os restaurantes analisados pelo laboratórioTampouco entende que a situação mereça uma mobilização especial, que proteja a saúde de milhares de consumidoresDe acordo com o a Vigilância, órgão ligado à Secretaria Municipal de Saúde, o cotidiano dos fiscais será mantido: hoje, eles podem demorar de 20 dias a um ano para vistoriar um mesmo estabelecimento.

Auxílio

Essa frequência é questionada até por proprietários de restaurantes a quiloDono há 16 anos de um estabelecimento no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste de Belo Horizonte (área hospitalar), João Maria Mendes Freire vende 200 refeições por dia, no almoçoPara manter a qualidade e evitar que comidas contaminadas possam intoxicar os clientes, ele toma cuidados com armazenagem e preparação dos alimentos, além da limpeza do ambiente“Lavamos todas as verduras, legumes e frutas com água e uma quantidade de cloro, seguindo orientação da Vigilância Sanitária MunicipalDicas como essa tinham que ser passadas a nós toda semana, mas a própria fiscalização admite que não tem equipe suficiente para issoEles passam aqui a cada três, quatro meses”, afirma o comerciante

“A fiscalização é a garantia ao nosso cliente de que a comida que servimos é boa
É comum que os fiscais peçam para a gente fazer mudanças, com prazo de 30 diasMas, quando voltam, meses depois, outras adaptações já se tornaram necessárias no mesmo pedido que fizeram anteriormente”, lamenta João MariaOs procedimentos adotados para manter a qualidade do que é servido no restaurante de João Maria estão no “Manual de boas práticas” criado pelos próprios funcionários do estabelecimento

Quem almoça no local afirma que a comida é sempre de boa qualidade e não reclama das condições de higieneMas, diante da dificuldade de fiscalização, resta ao consumidor confiar no bom senso dos comerciantes e escolher locais onde o self-service é “mais apresentável”, como define o porteiro Helton Carlos Amorin, de 27 anos “Na pressa, a gente acaba comendo muita bobagem na ruaÉ importante que a fiscalização examine a parte de dentro dos restaurantes, não só o lado de fora”, conclui.


Queixas aumentam, mas descuido ainda é grande


Diante do balcão do restaurante a quilo, o belo-horizontino tem demonstrado mais preocupação com a qualidade da comida que consomeEste ano, até 30 de abril, 282 reclamações foram feitas à Vigilância Sanitária Municipal – média de 2,3 por dia – sobre alimentos impróprios para consumo, mal-acondicionados, estragados ou com validade vencida em restaurantes, lanchonetes e supermercadosEm 2010, foram 724 denúncias ou 1,9 por dia.

Nos quatro primeiros meses de 2011, a Vigilância Sanitária fiscalizou 1.863 estabelecimentos da capital e as multas aplicadas somaram R$ 21.945Em 2010, foram R$ 775.381 em multasO órgão não informa se algum restaurante a quilo foi interditadoA primeira vistoria é feita quando o estabelecimento recebe o alvará de funcionamentoDepois, há uma rotina de fiscalização feita por regional, com retorno dos fiscais em um prazo que varia de 20 dias a um ano

Proprietário de um tradicional restaurante da Savassi, na Região Centro-Sul de BH, Rogério Rosas, de 41 anos, ressalta que muitas vezes o consumidor também não colabora para a higiene e os cuidados com o alimentoEm seu estabelecimento, que funciona há 26 anos, ele instalou placa com orientações e prateleiras de vidro que evitam que o cliente se debruce sobre o balcão para alcançar os pratos do lado opostoCom isso, o consumidor também não consegue aproximar o rosto da comida exposta.

“É responsabilidade do restaurante manter o padrão de qualidade, limpeza e higiene, mas falta conscientização do consumidorSão poucos os que chegam e lavam as mãos ou que usam o álcool gel que fica próximo ao balcão, antes de se servirAlguns não têm cuidado e deixam a colher cair dentro do alimento ou usam o mesmo pegador para diversos tipos de comida”, diz Rogério, ao cobrar mais colaboração“As mulheres mexem no cabelo, o pessoal costuma conversar perto das bandejas e já vi até cliente apressado fazer o prato com o dinheiro na mão para pagarA gente tem muita responsabilidade quando prepara um alimento, porque sabe que qualquer problema pode causar um grande mal à saúde do cliente, que a gente não quer perderMas o consumidor também precisa fazer sua parte.”

Segundo o Ministério Público, a fiscalização dos restaurantes é responsabilidade direta da Vigilância Sanitária MunicipalEm caso de denúncias de omissão, o MP pode atuar com fiscais do ProconA Vigilância também lembra que o consumidor pode fazer reclamações pelo telefone 156