Jornal Estado de Minas

Perueiros de luxo invadem Confins

Aliciadores do transporte clandestino de passageiros oferecem corridas em carros de luxo, no aeroporto de Confins, a preço mais baixo que o dos táxis convencionais

Landercy Hemerson

Carro do serviço irregular estaciona em vaga reservada a deficiente para embarque de passageiro - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


Aliciador:  Quer táxi?

Repórter: SimEstou indo para a fila…

Aliciador: Lá, você paga R$ 90Aqui é R$ 75.

Repórter: Mas…

Aliciador: O senhor vai para onde?

Repórter: Para aquele hotel perto do shopping, antes do Centro.

Aliciador: dá para fazer por R$ 65.

Repórter: Tenho R$ 60 trocadosPode ser?

Aliciador: Tudo bemEspere lá na frente que te pego numa SpaceFox



O Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tornou-se também ponto de embarque em veículos executivos que compõem a frota clandestina do transporte de passageiros, os chamados perueirosA cena comum em áreas de desembarque de terminais aéreos, em que parentes e motoristas de empresas (alguns com placas com o nome do viajante) esperam pelos passageiros, em Confins ganha personagens novos: um batalhão de aliciadores oferecendo um arriscado serviço de táxi ilegalA cada pouso, são pelo menos cinco falsos taxistas que se revezam na saídaO Estado de Minas foi abordado e seguiu numa dessas corridas, com preços atraentes, mas sem garantia de que chegaria ao destino sem inconvenientes

Os carros dos ilegais são do segmento médio de luxo e chamam a atenção, mas escondem situações de documentação irregular e uma série de multasCaracterísticas comuns dos carros usados nessa atividade por aqueles que driblam as regras do transporte de passageiros e de trânsito e se favorecem até mesmo de aquisições de veículos por meio de fraudes financeiras

Um transporte arriscado, principalmente diante da pressão sobre o motorista ao se deparar com uma blitz de rotina, ou pelos abusos de velocidade no trajeto, para compensar o preço baixo da corridaNão há nem como ter certeza de que o condutor é habilitadoHá ainda motoristas de empresas que levam executivos ao aeroporto e, na volta, fazem um “bico” transportando passageiros até o Centro

Em Confins, os perueiros são chamados de "piolhos", como explica um funcionário do balcão de informações da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero)Ele alerta que o serviço não deve ser usado pelo passageiro e acrescenta que os aliciadores são monitorados pelas câmeras e cadastrados pela segurança da empresa administradora do terminalA desenvoltura com que o grupo atua em frente à sala de desembarque de voos domésticos certamente não levanta suspeitas de que se trata de uma atividade irregularNa noite da sexta-feira, o Estado de Minas circulou na área por mais de uma hora e não percebeu qualquer ação fiscalizadoraAo contrário, registrou passageiros sendo aliciados logo na saída da sala, sem que tivessem tempo para chegar ao setor de embarque dos táxis convencionais e especiais ou do ônibus executivoNo desembarque há um aviso quase imperceptível, por ficar atrás de quem sai da sala: "Para sua segurança não utilize transporte clandestino”E, em meio ao barulho de uma noite agitada, esporadicamente o serviço de som divulga o mesmo alerta


A disputa pelos passageiros deixa os aliciadores tão atordoados que nem sequer percebem que o repórter simula ter saído da sala de desembarque e logo lhe oferecem o serviço de táxi iregularO repórter concorda e aponta que vai para a fila de embarque dos taxistas legalizadosMas o aliciador não perde tempo: "Lá, vai pagar R$ 90Aqui, posso fazer por R$ 75"Diante da indecisão do suposto passageiro, o ilegal pergunta qual o destino – é sugerido um hotel na Região Nordeste da capital – e ataca: "Faço por R$ 65"Ainda resistente, o repórter dá uma última cartada para ver até onde chega a concorrência desleal e diz que tem R$ 60 trocadosO acerto é fechado pelo valorO táxi convencional cobra R$ 88 e o especial R$ 97 para deixar os passageiros no Centro de BH

O repórter é levado ao estacionamento do aeroporto para o embarque na perua SpaceFox Confort, placa HFW **55 (o asterístico é para proteger donos de eventuais carros clonados)Quando perguntado se daria recibo, o aliciador não põe empecilhoAgora, de taxista, diz que é dono da empresa JSE Transporte ExecutivoEle informa ao motorista, a quem chama de Júnior, o valor de R$ 60 da corrida e recomenda que entregue ao passageiro um cartão com o contato da empresaO condutor é um jovem que trabalhava em telemarketing e há três anos dirige um dos carros de um tio fazendo o transporte de passageiros"São pelo menos nove viagens por dia para ConfinsTrabalho de domingo a domingo", diz, em meio à ligação que recebe do tio para pisar fundo, pois tem um cliente esperando no Centro de BH para ir ao aeroporto

"Trabalho de 14 a 17 horas por dia e rodo uns 350 quilômetrosÀs segundas e sextas-feiras o movimento é maior", afirma Júnior, que faz planos de mudar de ramoO tio, segundo ele, há 15 anos leva executivos para o aeroporto e pega passageiros na voltaAo fim da corrida, em frente ao hotel, ele dá um recibo, mas põe a placa de outro veículo, um táxi de Lagoa Santa, na Grande BH, da mesma marca e modeloCuriosamente, os dois carros ainda não estão licenciados este ano por terem multas em aberto

Multas

Na corrida pelo cliente, os “piolhos” não se importam em cometer infrações já na saída do aeroportoO motorista do Vectra Elegance preto, placa HHM **20, de Betim, saiu do estacionamento e parou atravessado na pista em frente um dos setores de desembarque, na noite da sexta-feiraNo prontuário do carro, cujo último licenciamento é de 18/8/2010, constam seis multasDuas por estacionar de forma irregular, em Confins, além de exceder o limite de velocidade, entre outrasA pressa dele, porém, era para não perder a passageira que, minutos antes, havia aliciado no setor de desembarqueNão bastasse o licenciamento vencido e as multas, se a passageira, por algum motivo, precisasse localizar o condutor, caso tivesse sido lesada ou agredida, teria dificuldade, pois, segundo o registro do Detran-MG, o endereço do veículo está desatualizado.