Jornal Estado de Minas

BH não tem política pública eficiente para 1,2 mil moradores de rua

Ato criminoso que quase matou por envenenamento oito mendigos na Região da Pampulha expõe problema que requer medidas eficientes

Ernesto Braga Pedro Rocha Franco

A Praça Santo Antônio, no Bairro Jaraguá, está tomada por andarilhos - Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press


A tentativa de assassinato de oito moradores de rua, que conseguiram sobreviver a veneno para rato misturado a cachaça, na Praça Iron Marra, no Bairro Santa Amélia, Região da Pampulha, expõe um problema social que se eterniza nas grandes cidades e desafia a Prefeitura de Belo HorizonteOs mendigos vivem em uma linha tênue entre o preconceito e os problemas causados por eles nas portas das casas, do comércio e nos espaços públicos, que ocupam fazendo uso do direito constitucional de ir e virSem uma política pública que se revele eficaz para enfrentar o desafio, mesmo com melhorias na economia, o número de inquilinos das ruas sobe com os anos, segundo estimativas populacionais, e eles já se espalham por todas regiões da cidade

Do mau cheiro e da falta de higiene a problemas de segurança e de consumo de drogas, os transtornos causados pela população de rua, ou por parte dela, geram reclamações de moradoresAs queixas partem até de quem se preocupa com a dignidade desses cidadãosNo Bairro Santa Amélia, na Região da Pampulha, essa questão chegou ao limite com a tentativa de homicídioO caso está sob investigação da Polícia Civil, que instaurou inquérito e já tem um suspeito

Belo Horizonte tem hoje cerca de 1,2 mil moradores de rua, sendo que 150 têm menos de 18 anos, de acordo com a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS)A prefeitura considera esse número estável, alegando que em 2005, data do último censo feito pelo IBGE para essa parcela da população, havia 1.164 pessoas vivendo nas ruas da capitalEles ocupam espaços movimentados da cidade, onde pedem esmolas ou doações e muitas vezes consomem álcool e drogasÉ em público também que muitos promovem brigas, tomam banho ou satisfazem suas necessidades



A Praça Carlos Chagas, em frente ao prédio da Assembleia Legislativa, foi um dos pontos escolhidos por elesLá, mais de 20 mendigos se dividem entre os bancos e o coretoLevando a tiracolo a parca bagagem, durante o dia vagam pelas portas de supermercados e restaurantes em busca de trocados para o café e o almoçoÀ tarde, reocupam seus lugares, às espera da hora de dormirAntes, vasculham restos na porta de estabelecimentos em busca da última refeição do dia

Alguns tomavam banho por lá mesmo, o que resultou no desligamento das fontesDuas vezes por dia, o sistema era ligado e crianças se divertiam na água, mas, segundo o responsável pela manutenção da praça, Ernane Wandebildes, foi necessário tomar uma atitude extrema “Os mendigos lavavam roupa e vasilhas e até tomavam banho pelados”, dizEle sustenta que muitos têm onde morar, mas preferem viver na praça

Opinião

A explicação da prefeitura para o fato de o contingente dessa população se manter é a obrigação de respeitar a Constituição
"Em momento algum podemos tirar essas pessoas das ruas contra a vontadeElas têm o direito de ir e vir e respeitamos a dignidade do cidadão", afirma a gerente de Promoção e Proteção Especial da Secretaria de Assistência Social, Maria BordinO método usado para levá-los aos abrigos é o convencimentoAs equipes de abordagem tentam mostrar as vantagens de um lugar onde possam tomar banho, se alimentar e dormir com segurança"Se insistem em ficar nas ruas, nosso dever é continuar tentandoCada regional tem uma equipe voltada para esse objetivo", completa

Mas a falta de servidores especializados também dificulta o trabalhoAs equipes de abordagem têm em média cinco pessoas por regional, 10 técnicos do programa Bolsa Moradia, além do pessoal que trabalha nas unidades que recebem a população de rua e a encaminha aos abrigos"É o pessoal que a prefeitura tem condições de manter”, afirma Maria Bordin

Diante do desafio, os demais cidadãos tentam se resguardar como podemNo Bairro Santo Agostinho, na Região Centro-Sul, a dois quarteirões da Assembleia, os donos de uma livraria decidiram pôr grades em frente ao estabelecimento, para impedir que moradores de rua dormissem sob a marquiseTodas as noites, cinco ou seis pessoas ocupavam o espaço“Eles urinavam e deixavam restos de comida espalhados”, diz o gerente da livraria, Orlando PereiraQuem teve problemas maiores foi o dono de um salão de beleza ao lado“Eles brigavam diretoUm dia jogaram tinta na loja e fizeram muita sujeira”, reclama

Na Praça da Estação, o número de moradores é visivelmente maiorEles se concentram, principalmente, nas calçadas em frente à estação ferroviária, onde mais de 50 pessoas passam a tarde deitadasÀ polícia, resta fazer rondas para garantir a segurança e o patrimônio públicoLá, por enquanto, os banhos nas fontes continua liberado.