Jornal Estado de Minas

Furto de bombom vai até o STF

Pedro Rocha Franco
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido para arquivamento de ação penal contra um soldado PM acusado de furtar dois chocolates, em outubro de 2006, avaliados à época em R$ 0,40
Com isso, o policial será julgado criminalmenteA defesa tentava aplicar o princípio da insignificância ao processo, dado o valor inexpressivo dos bombons, mas o relator do habeas corpus, ministro Gilmar Dipp, negou provimento sob a justificativa de que “o policial representa para a sociedade confiança e segurança” e, por isso, a população espera dele um comportamento adequado, do ponto de vista ético e moral.

De acordo com o processo, de março de 2007, Fernando Harrison comprou e pagou, num supermercado em Contagem, na Grande BH, três maçãs, três bananas e uma vitamina, mas foi flagrado com bombons no colete à prova de balasA acusação é de que teria furtado uma caixa com 20 unidades e consumido 18 delas no estabelecimentoA defesa alega que nem sequer houve o crime, afirmando que a compra dos chocolates teria ocorrido antes, o que foi sustentado por testemunha em depoimento na quinta-feira.

O princípio da insignificância, também chamado de bagatela nos meios jurídicos, já foi aplicado em outros processos e tenta desclassificar ações com valores pouco relevantes e de baixa gravidade (veja exemplos)A defesa citou, no recurso, o fato de o mesmo princípio ter sido usado para trancamento de uma ação penal em que uma pessoa foi acusada de furtar cinco barras de chocolate, no valor de R$ 15Mas, no caso do policial, levou-se em conta o fato de ele estar fardado, o que motivou sua denúncia por peculato – apropriação de um bem no exercício da função.

Para a defensora pública Silvana Lobo, autora do pedido de habeas corpus, é “um absurdo gastar-se uma dinheirama” com um processo sem valorEla estima, no mínimo, em R$ 2 mil o andamento processual“Quando o valor é ínfimo, o patrimônio de ninguém vai ser lesadoNinguém vai ficar mais rico ou mais pobre com R$ 0,40Não compensa arcar o custo do processo”, avalia Silvana.

Para ela, o arquivamento não significa que o furto de valores menores seria tolerado e ficaria impune, mas, em vez de preso, o autor deveria pagar ou devolver o objeto
“Esse é o famoso caso do ‘ladrão de galinha’”, comparaEla explica que, no recurso encaminhado ao STJ, citou denúncia envolvendo um homem que foi condenado por dois anos e oito meses pelo furto de duas galinhas caipiras“O que se olha é o valor do objetoO ministro quis dar uma lição de moral pelo simples fato de ele ser PM, mas isso não é cabível num processo”, questiona Silvana, reiterando que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O PM está preso pelo crime de desacato à autoridade, depois de ter sido condenado a dois anos e quatro meses na Justiça Militar.

Para entender

O recurso não tem previsão legal na legislação penalMas é adotado quase de forma unânime pelos tribunais, incluindo-se as instâncias superiores, em razão da insignificância da coisa subtraída em processos de pequeno potencial lesivo em que não se justifica haver uma ação penalCaso aplicado, o princípio exclui a existência do crime, ou seja, o processo é arquivadoAlém do valor material, são avaliadas a motivação e as circunstâncias pessoaisPor exemplo, se for réu primário ou se cometeu o crime para suprir carências pessoais, são álibis em favor do autor do delitoNo caso do PM, esta condição é levada em conta contra o acusado, ainda que não impeça sua aplicaçãoEntre 2008 e 2010, foram julgados 340 habeas corpus pleiteando o recurso
Destes, 91 foram concedidos, o equivalente a 26,76% dos casos.