Jornal Estado de Minas

Conjunto JK tem história rica e com estigma

Elian Guimarães
Welber Soares é instrutor da brigada de incêndio do Conjunto JK. Os dois prédios mantêm rigoroso controle de entrada e saída de visitantes - Foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press
Nos últimos anos da década de 1940, segmentos da arquitetura em todo o mundo abriram a discussão sobre o o coletivismo, pregando uma mudança na maneira de viver, para que todas as classes sociais pudessem conviver em espaços comuns. A partir de experiências con este conceito em Marseille (França), Nova York (EUA) e no Rio de Janeiro, o então governador de Minas, Juscelino Kubitschek, convocou o arquiteto Oscar Niemeyer a desenvolver um projeto que, segundo o próprio JK, resolveria o problema habitacional da jovem capital dos mineiros.

Em 1951, Niemeyer entregou a proposta do conjunto, com duas torres interligadas por passarela e moradias para atender necessidades de todas as classes e espaços comuns. O conjunto, no projeto original, abrigaria hotel, boate, lojas, cinema, teatro, área de lazer e repartições públicas.

O conjunto foi concluído duas décadas depois, quando já caíra por terra o conceito de coletivismo urbano. Segundo o arquiteto e restaurador Carlos Henrique Bicalho, as instalações foram adaptadas para atender apenas a habitação, além de lojas comerciais. Vários pontos do conceito original foram descartados ou modificados. Nos primeiros anos, o conjunto passou por momentos diversos, tendo inclusive adquirido “má fama” entre a população.

Para o sociólogo e cientista político Éder de Assis, morador do condomínio, a cidade não compreendeu o projeto do conjunto: “Não sei se foi avançado para a época ou se a concepção tenha sido errada. A impressão é que a população não conhece esse patrimônio e, por isso, o estigmatiza. É um projeto que agrega pessoas diferentes e de diversas origens. O estigma não prejudica, mas se torna arriscado quando se transforma em ações concretas, como é o caso de uma igreja que promove abraços nos prédios para expurgar os ‘demônios’ que ali habitam.” Boa parte dos moradores do conjunto são idosos, estudantes ou pessoas que vivem desacompanhadas. Segundo o sociólogo, não se precisa necessariamente ter uma família para conferir dignidade ao local onde se mora.

Os primeiros moradores passaram por dificuldades, resultantes de um projeto inovador. Foi difícil reunir em dois blocos uma população maior que a de muitas cidades de Minas, garantindo a contento os serviços. Foram tempos tensos, com assaltos, arrombamentos, assassinatos, suicídios e até casos folclóricos, como o do “homem aranha”, um arrombador que escalava o prédio pelas paredes externas, penetrando nos apartamentos e roubando moradores. Havia suspeitas de outros delitos, como prostituição e exploração infantil, problemas comuns em locais com dimensões de uma cidade.

A mobilização dos moradores e a profissionalização na administração do condomínio transformaram o panorama. Novas regras foram estabelecidas. A circulação de visitantes passou a ter controle rigoroso, bem como a entrada e saída de móveis, eletrodomésticos e utensílios.

Retratos do conjunto

DO INTERIOR Elisabeth Ferreira da Silva, de 53 anos, veio de Caratinga para Belo Horizonte em 1979 e em 1995 comprou um duplex no JK, onde mora com a mãe idosa. “Sempre ouvi falar sobre garotas de programa e trabalhadores na vida noturna, mas nunca me incomodaram. Os vizinhos sempre foram muito bons”, diz. Segundo ela, nos anos 1980, até crimes eram cometidos no prédio, que não tinha nem controle de visitantes. “Aos poucos as coisas foram se organizando e com dificuldade, pois aqui é uma cidade em pé. Nossa relação com os funcionários é muito boa. Minha mãe é bem cuidada”, afirma Elisabeth.

FERVEÇÃO O empresário Carlúcio Soares de Souza mora no JK há 10 anos. É dono de uma boate para o público GLS, que funciona no terminal turístico, onde recebe grupos e artistas conhecidos do público. Relata que nunca teve problemas com a vizinhança, nem em casa e nem na boate, cuja entrada é vizinha da Área Integrada de Segurança Pública (Aisp). Uma reclamação dele é sobre o terminal: “Ninguém administra isso aqui. São muitas pessoas viajando como sacoleiros e em direção ao Nordeste e interior num prédio que não tem nenhum conforto. Sempre tenho que pegar em vassouras e limpar o lixo deixado pelos passageiros.”

TRIBOS Conhecidos no meio cultural, Edmundo Correa e Andrea Diniz movimentam a Casa Cultural Matriz, no Terminal JK, com manifestações culturais diversas: música, teatro, dança, artes plásticas , cinema e poesia. A cada ano, a Matriz vai à Praça Raul Soares. No ano passado, fechou dois quarteirões das avenidas Augusto de Lima e Olegário Maciel, além das pistas no entorno, num dia inteiro de shows e apresentações reunindo mais de 200 artistas. Tem matinês aos sábados e domingos: “As mães trazem os filhos. Conseguimos a confiança dos pais. É uma das poucas casas em BH com shows apropriados para adolescentes”, afirma Edmundo.

- Foto: Jackson Romanelli/EM/D.A PressREPENTISTA O poeta e repentista Elói Januário da Silva (foto), de 77, está em Minas desde 1964, quando deixou a Paraíba: “Nunca mais voltei à terra natal. Quem chega a Minas não volta.” Hoje, se dedica a causos, poesia e repente. Já gravou um CD e se prepara para lançar outro: “Assim cheguei da Paraíba”, com uma ilustração de sua chegada em um jegue, na Praça Raul Soares. Por muitos anos, visitou o Edifício JK. “Identifiquei-me com o conjunto e passei a morar aqui também. Os vizinhos são ótimos, tudo está muito próximo.” E termina com um repente: “Se vir a BH, não fica prá lá nem prá cá. Se quiser ser feliz, vem morar no JK”.

CAPETA Goiano, o cientista político e sociólogo Éder da Silva chegou a BH em 1993 para fazer mestrado na.UFMG e teve a atenção para a foto de um capeta que morava no JK. Era Moisés Augusto Gonçalves, escritor, poeta e historiador, que durante passeatas se fantasiava de “capetalista”. Um dia, embriagado, caiu durante culto de uma igreja evangélica no local. O tumulto foi generalizado. Éder ocupa um apartamento duplex, espaço que cumpre suas expectativas. Ele considera o aluguel barato, mas o condomínio elevado. E aponta vantagens, como a proximidade do Mercado Central.

ESPORTISTA Aos 16 anos, Fernanda Frizzo Oliveira é uma realidade promissora do time de vôlei do Minas Tênis Clube. Ex-jogadora em Uberlândia, mudou-se com a irmã, também jogadora, para a casa do pai, um apartamento de três quartos no edifício JK: “Quando vimos o prédio por fora quase desistimos, mas meu pai resolveu olhar o apartamento e se apaixonou. Além de ser um imóvel muito bom, estamos bem perto de tudo e as pessoas são bastante acolhedoras. Temos alguns problemas, como uma reforma que nunca acaba. A vista é maravilhosa e as janelas muito grandes ampliam a visão”. Fernanda foi convidada a treinar com o time de onde serão escolhidas as titulares da Seleção Brasileira de Vôlei.